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Willian Bucker Moraes

Professor de Fitopatologia da UFES - Universidade Federal do Espírito Santo

OpCP70

Epidemiologia e manejo de doenças em espécies florestais
As florestas plantadas possuem um papel fundamental na economia do Brasil e na proteção do meio ambiente.  Em função das condições edafoclimáticas e do nível tecnológico adotado, o setor florestal brasileiro é um dos mais competitivos do mundo. 
 
A ocorrência de doenças é um fator limitante para a produção do setor. A redução da produtividade florestal atribuída às doenças de plantas deve ser considerada sob os pontos de vista da quantidade (redução na produção em número, peso, volume) e da qualidade (dos produtos, maior custo com reagentes, etc.), o que gera grandes perdas, (prejuízos R$) tanto para os produtores quanto para a sociedade. Estima-se que as doenças de plantas sejam responsáveis por danos anuais de 15 a 20%, em alguns casos de até 100%.
 
O aparecimento e desenvolvimento de uma doença são resultantes da interação de três fatores: planta suscetível, agente patogênico e fatores ambientais favoráveis, formando o triângulo da doença. O ambiente é um componente relevante nessa interação, podendo, inclusive, impedir a ocorrência da doença mesmo na presença do hospedeiro suscetível e do patógeno.

Na visão holística das relações patógeno-hospedeiro-ambiente e da atuação do homem, o foco é a doença e os principais fatores relacionados ao seu desenvolvimento. Nos segmentos mais externos, tem-se elementos importantes (sociedade, economia e ecossistema), os quais são influenciados pela doença. O homem está no segmento intermediário, como agente modificador do sistema. 
 
A palavra epidemiologia tem origem grega, em que epi significa “sobre”, demos = “povos”; e logos = “estudo”. Então, a epidemiologia seria uma ciência das populações. Em fitopatologia, o mesmo termo é usado com sentido mais amplo. As populações importantes para a epidemiologia de doenças de plantas são aquelas do hospedeiro, de um lado, e do patógeno, de outro. O contato dessas duas populações leva a uma terceira população, a das lesões. O ambiente interfere no desenvolvimento das três populações. Por fim, o homem, cada vez mais, interage com todas essas populações e, consequentemente, sofre seus efeitos (o rápido crescimento das lesões).
 
Se todas essas interações ocorrem de maneira coordenada, a população de lesões pode se desenvolver muito rapidamente, e a doença pode causar danos às lavouras. Esse crescimento pode ocorrer tanto ao longo do tempo quanto espacialmente na área. Quando isso ocorre, dizemos que houve uma epidemia da doença em questão.  Define-se, então, epidemia como sendo aumento da doença numa população de plantas em intensidade e/ou extensão, isto é, um aumento na incidência ou severidade da doença e/ou um aumento na área geográfica ocupada pela doença.
 
A epidemiologia possui uma face acadêmica na qual se busca compreender o comportamento da doença no tempo e no espaço, identificando, por exemplo, quais as épocas favoráveis e desfavoráveis para a ocorrência de certa doença, qual a origem de determinada doença e como ela é disseminada na área, entre outras informações. A partir desse ponto, temos a face aplicada, baseada na resolução de problemas, em que as informações obtidas pela face acadêmica serão utilizadas para otimização do manejo dessas doenças.

A exemplo de epidemias famosas no setor florestal, temos a do mal-das-folhas da seringueira (Pseudocercospora ulei). Essa doença foi descrita no início do século XX em folhas coletadas de seringueiras nativas nos arredores de Belém-PA. Os sintomas foram poucos, não causando desfolhamento ou outros danos às plantas, uma vez que as seringueiras suscetíveis crescem naturalmente em baixa densidade nas florestas, 3 a 4 árvores por ha. No entanto, o potencial devastador dessa doença foi detectado nas primeiras tentativas de domesticação da espécie e estabelecimento de plantações comerciais nas Guianas e no Brasil. No Brasil, os plantios da Ford Motor Company ficaram muito famosos, não pela borracha produzida, mas pelas epidemias de mal-das-folhas, que dizimaram as plantações da empresa em Fordlândia e Belterra, em 1927 e 1940, respectivamente. 

Hoje, medidas de manejo estão disponíveis para garantir um risco mínimo de epidemias para a cultura da seringueira em várias regiões do Brasil. Entre essas medidas, está o plantio de plantas resistentes associadas à evasão (escolha de áreas favoráveis ao cultivo da seringueira e desfavoráveis ao patógeno). Essas ações reduziram os prejuízos causados por essa doença e, consequentemente, favoreceram a produção em larga escala no Brasil e em outros países que visam à produção autossuficiente de borracha, matéria-prima estratégica. 
 
Os mapas de zonas de risco ou favorabilidade, acoplados aos modelos de simulação, podem ser úteis para indicar áreas geográficas ou até mesmo, épocas do ano mais favoráveis à ocorrência de epidemias. 

Para a ferrugem do eucalipto, no Brasil, conduzimos trabalhos com base nos mapas de temperatura média (TM) e duração de molhamento foliar em horas (DMF), para compreender a distribuição temporal da doença. A estação do ano com maior área favorável foi o outono, com 92,90% de áreas com índice de favorabilidade climática (IF) maior que 70%; já as estações verão, primavera e inverno apresentaram, respectivamente, 90,1%; 75,1% e 71,3% de áreas com IF maior que 70%. Quanto à distribuição espacial da ferrugem do eucalipto para o Brasil, as regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste apresentaram grandes áreas com IF acima de 70%, ao longo de todo o ano. No Nordeste, existe uma maior área com IF abaixo de 60%, principalmente ao que corresponde o sertão nordestino. A região Sul, nos períodos de outono e inverno, possui grande parte de seu território com o IF de 0 a 60%. Os principais estados produtores apresentaram áreas com IF acima de 70% ao longo do ano.

Com o aumento de áreas plantadas, constituída principalmente de plantios homogêneos e com restrição da base genética, a ocorrência de epidemias é uma realidade presente no dia a dia do setor florestal. 

Desta forma, o conhecimento das epidemias das doenças em espécies florestais é de suma importância para que o manejo fitossanitário seja feito de forma racional, utilizando os diferentes métodos de controle (físico, cultural, biológico, genético e químico), com o objetivo de reduzir a intensidade da doença no campo, evitar danos e perdas e preservar o meio ambiente. 

Para isso, temos como base um planejamento para evitar e/ou reduzir a doença na área, pautado na diagnose correta e no acompanhamento da ocorrência de doenças por monitoramento, a partir de amostragens periódicas. Com base nesse monitoramento, é realizada a tomada de decisão e a escolha do método de controle ideal a ser empregado. Nos colocamos à inteira disposição para o desenvolvimento de pesquisas em parcerias, de modo a contribuir com compreensão das epidemias das doenças em espécies florestais, a fim de propor soluções para a otimização do manejo dessas doenças junto ao setor florestal.