Assessora Técnica da GIZ-Embrapa Cerrados e Pesquisador da Embrapa Cerrados, respectivamente
Segundo dados publicados pelo Serviço Florestal Brasileiro, estão registrados quase 7 milhões de imóveis no Cadastro Ambiental Rural, onde, segundo o relatório do Panorama do Código Florestal Brasileiro da Universidade Federal de Minas Gerais de 2023, existem cerca de 20 milhões de hectares com passivos ambientais que precisam ser regularizados, sendo aproximadamente 16 milhões de hectares caracterizados como áreas de Reserva Legal (RL) e mais de 3 milhões de hectares em Áreas de Preservação Permanente (APP).
Muitos produtores rurais, incluindo pequenos produtores, já se manifestaram que gostariam apenas de cumprir a lei, já que mal tem tempo e conhecimento para executar as atividades agrícolas em curso na propriedade. A Lei Federal (12.651/12) prevê, em áreas de Reversa Legal, atividades de manejo sustentável que consistem na administração da vegetação natural visando obter benefícios econômicos, sociais e ambientais, e, ainda, respeitar os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo, podendo ser com ou sem propósito econômico.
Outra modalidade prevista são as atividades de baixo impacto, como a coleta de produtos não madeireiros, como sementes, castanhas e frutos, para fins de subsistência e produção de mudas, para o plantio de espécies nativas produtoras de frutos, como sementes, castanhas e outros produtos vegetais, e, ainda, a exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável,
comunitário ou familiar.
Tudo isso pode parecer de simples implementação do ponto de vista do legislador. Entretanto, se o produtor rural já tem dificuldades para administrar, apropriadamente, as atividades agrícolas na propriedade, temos que considerar não apenas como ele irá incluir essas atividades de gestão ambiental no seu dia a dia, mas, também, como criar condições logísticas e de conhecimento técnico para que ele incorpore esse entendimento em suas ações de recomposição produtiva na propriedade rural.
Como as atividades de manejo sustentável e de baixo impacto ambiental dependem da autorização do órgão competente, seria necessário criar procedimentos que facilitem sua incorporação no cotidiano da propriedade rural.
Isso requer ferramentas para desburocratizar a realização de práticas que ajudem a não descaracterizar a cobertura vegetal ao facilitar a conservação da vegetação nativa. A manutenção da diversidade com a utilização de espécies nativas locais e a condução adequada das espécies exóticas plantadas em consórcio, de modo acurado, devem favorecer a regeneração das espécies nativas consideradas na recomposição e, ainda, possibilitar retorno econômico ao produtor.
Quatro métodos são previstos na Lei 12.651/2012: a) condução de regeneração natural de espécies nativas, b) plantio de espécies nativas, c) o plantio de espécies nativas conjugado com a condução de regeneração natural de espécies nativas, e, finalmente, d) o plantio intercalado de espécies lenhosas perenes ou de ciclo longo exóticas com nativas de ocorrência regional em até 50% da área total a ser recomposta. Já temos informações técnicas suficientes para entender a realidade da propriedade rural e apoiar o produtor (ou responsável técnico) para preparar um bom Projeto de Recomposição de Áreas Degradadas ou Alteradas (PRADA) que atenda às necessidades pertinentes em termos ambientais e legislativos.
A Lei 12.651 tem regras diferenciadas para essa recomposição, dependendo do tamanho da propriedade rural. Em termos nacionais, 90% das propriedades são menores que quatro módulos fiscais, responsáveis por cerca de 24% da área agrícola do Brasil, enquanto os 10% restantes de propriedades são responsáveis por cerca de 76% da área. O PRADA deve considerar as atividades necessárias para escolher corretamente a melhor proposta de recomposição e estimar os custos do projeto da forma mais realista possível, de modo a garantir viabilidade financeira e técnica das ações de implementação e manutenção. A depender do potencial de regeneração da área, estabelecido na etapa de diagnóstico do passivo ambiental e da técnica utilizada para recomposição, os custos da restauração podem ser elevados. Dessa maneira, a restauração produtiva surge como alternativa para amortização dos gastos realizados para intervenção e, ainda, como possibilidade de geração de renda aos produtores.
Os sistemas agroflorestais sucessionais e os plantios produtivos e biodiversos com espécies nativas apresentam-se como solução tecnológica para a recomposição da vegetação nativa. Entretanto, ao optar pela restauração produtiva, é necessário que o produtor esteja ciente das demandas e exigências específicas desses modelos de produção, principalmente, no que diz respeito à mão de obra.
A implementação de modelos restauradores deve alinhar as expectativas e a aptidão produtiva do produtor às demandas do sistema, pois se sabe que os sistemas agroflorestais demandam maior quantidade e intensidade de mão de obra para atividades de manejo e colheita. Além disso, a escolha das espécies é fundamental, considerando critérios socioambientais e econômicos, pontos de venda, canais de comercialização, beneficiamento, agroindústrias, etc.
A vegetação de referência é o objetivo final a ser atingido, e dessa maneira, as espécies que irão compor o sistema devem conseguir garantir e contribuir para recompor essa vegetação para poder atingir os parâmetros ecológicos estabelecidos nos Programas de Regularização Ambiental (PRA) e normativas estaduais. Os modelos financeiros conduzidos no projeto FIP Paisagens Rurais são compostos por dois centros de custos: 1) controle dos fatores de degradação; 2) plantio/semeadura em áreas florestais e savânicas.
Para controle dos fatores de degradação, os custos, como aceiramento, controle de gramíneas, controle de forma e recuperação do solo, variam de R$2.120,00 a R$7.225,00 por hectare no ano de implementação, enquanto nos anos de manutenção (ano 1 e ano 2) os custos reduzem para R$1.120,00 a R$2.736,00/ha. No plantio, os custos com mudas mostraram-se superiores aos cenários utilizando semeadura direta. Em média, os cenários com mudas foram de R$18.778,00/ha, enquanto os modelos de semeadura direta foram de aproximadamente R$9.416,54/ha. Os modelos com plantio de mudas e semeadura direta apresentaram média de R$18.886,00/ha. Na restauração produtiva, é essencial amortizar os elevados investimentos e contribuir para geração e diversificação da renda do produtor rural.
Sabemos, entretanto, que os produtores rurais ainda não estão receptivos e preparados para implementar sistemas complexos de restauração. Entendemos, ainda, que a cadeia produtiva da recomposição de vegetação nativa é composta por diversos elos, envolvendo os setores de produção de mudas, sementes e as estratégias técnicas e modelos propriamente ditos. Se alguns desses elos já estão estabelecidos e consolidados (disponibilidade do conhecimento científico), em contrapartida, ainda faltam políticas públicas e programas de acesso ao crédito para seu estabelecimento e pleno funcionamento.