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Laércio Antônio Gonçalves Jacovine

Professor do Dpto de Engenharia Florestal da UF-Viçosa

OpCP71

Retrospecto da qualidade no Brasil
Coautor: Celso Trindade, Consultor Especialista em Qualidade Florestal e Diretor do Viveiro Esteio e do Viveiro Tocantins 

Com a Revolução Industrial, as necessidades da população cresceram e, assim, a produção em escala industrial, para atender à demanda por agasalho, alimento, energia, dentre tantas outras, forçou a criação de indústrias, surgindo, no entanto, os primeiros produtos manufaturados. Com a produção em grande escala, os problemas de qualidade dos produtos passaram a ser uma preocupação das pessoas que os adquiriam.
 
No início do Século XX, surgiu um movimento chamado “administração científica”, criado pelo engenheiro Taylor, que modificou todo o conceito produtivo, afetando diretamente a qualidade dos produtos. As atividades eram descritas para cada função, e as pessoas, treinadas para executá-las no menor tempo possível e sendo premiadas quando atingiam suas metas, ou punidas quando não conseguiam um bom resultado.
 
Uma ação importante para o desenvolvimento da qualidade aconteceu no início da década de 1920, quando a companhia Bell Telefone de Nova Yorque introduziu o controle estatístico de processo para monitorar a qualidade na montagem dos componentes dos aparelhos que produzia. Nessa ocasião, começou-se a utilizar a ferramenta de qualidade PDCA, que, mais tarde, seria bastante divulgada por Deming. O PDCA é originado das seguintes palavras inglesas: Plan, Do, Check e Action, que significa planejamento, desenvolvimento, controle e ação corretiva. Em relação ao controle de qualidade, este começou a utilizar o conceito de amostragem para avaliar os lotes de componentes, substituindo a inspeção total desses componentes, que era de custo muito alto e, mesmo assim, não garantia a isenção total de defeitos. O controle estatístico de processo, que enfoca uma abordagem preventiva, promoveria mudanças profundas nas organizações.
 
O período pós Segunda Grande Guerra propiciou considerável avanço da qualidade de produtos e organizações, principalmente para o Japão. A força de ocupação americana no trabalho de recuperação da nação japonesa, através do Plano Marshal, enviou os senhores Deming e Juran ao Japão, para que treinassem membros das administrações de empresas e órgãos do governo, a fim de que utilizassem a qualidade em suas organizações como ferramenta de melhoria. 
 
Nessa época, o produto japonês era de péssima qualidade e considerado descartável. O povo japonês vislumbrou, então, a possibilidade de recuperar seu país, através de intenso investimento em qualidade. Desencadeou-se, então, um processo vigoroso nesse sentido, e foram ministrados cursos em escolas, fábricas, universidades e rádios. Surgiram muitas publicações a respeito do assunto, e, até em bancas de jornal, eram encontrados materiais sobre cursos de qualidade.
 
Na década de 1960, os produtos japoneses começaram a fazer diferença no mercado, com o aumento da competitividade. Mas ainda precisavam caminhar um pouco mais. Assim, um grande estudioso da qualidade, Professor Ishikawa, criou os Círculos de Controle de Qualidade – CCQ, movimento que integrou o operário ao sistema produtivo, melhorando significativamente seus produtos. No Brasil, o conceito dos CCQ foi introduzido pelas indústrias farmacêutica e aeronáutica, ainda na década de 1960. 

No setor florestal, o conceito de qualidade começou a ser trabalhado a partir do início dos anos de 1980, com o trabalho pioneiro na Champion Florestal. A base do trabalho apoiava-se em um sistema de auditoria, quando equipes de auditores vistoriavam as frentes operacionais, comparando os resultados obtidos com as recomendações estabelecidas em normas técnicas. 

Quando detectado um desvio operacional, o responsável pela atividade era notificado. Esse responsável apresentava uma justificativa na própria notificação, e as outras vias eram encaminhadas para as chefias imediatas. Essa metodologia refletia na qualidade das operações, mas causava atritos dentro da empresa, pelo caráter de polícia que assumia. Certamente, por isso, esse processo sofreu um “esfriamento”.

A partir desse sistema, algumas empresas começaram a adequar o seu processo, principalmente aquelas que possuíam uma equipe de pesquisa e que sentiam que as recomendações repassadas à área operacional nem sempre eram seguidas. 
 
Porém, a redução e o término dos incentivos fiscais e a necessidade de sobrevivência das empresas no mercado fizeram com que as áreas de pesquisa fossem reforçadas e que implementassem programas que objetivassem a qualidade. Esse movimento foi iniciado em várias empresas, podendo citar algumas delas: Copener, CAF, Cimetal, Mannesmann, Ripasa, dentre outras. Mas, apesar de tudo, o conceito de auditoria com caráter de polícia foi praticamente mantido em todos os programas implantados até 1986 e, ainda hoje, algumas empresas empregam essa sistemática de controle.

Vale ressaltar a experiência que tivemos na empresa em que trabalhávamos. Em 1987, na tentativa de se conseguir uma alternativa menos danosa à empresa, introduzimos o conceito de autocontrole ou autogestão. Na verdade, descobriu-se o óbvio, ou seja, quem deveria controlar a qualidade do trabalho seriam os próprios executores. Na ocasião, na empresa, a estrutura de qualidade era composta por 12 técnicos, divididos em quatro regionais. 

Depois de muito desgaste dessa equipe e do pessoal de operação, chegou-se à conclusão de que o controle de qualidade deveria ser de total responsabilidade do pessoal operacional, que aceitou essa proposta. A aceitação pelo pessoal operacional foi imediata, pois já não suportavam tantos problemas e atritos com a equipe de controle de qualidade da empresa.
 
Então, transferiu-se a responsabilidade da qualidade para quem de direito deveria se preocupar e, praticamente, toda a equipe de auditores de qualidade foi assumida pelas regionais, ficando apenas duas pessoas como apoio e facilitadores do processo de qualidade na empresa. Ainda em 1987, foi publicada a norma ISO-9000 no Brasil, iniciando, assim, um processo de maior exposição dos conceitos de qualidade. Foi a partir dessa época que se começou a entender um pouco mais o que seria qualidade.
 
Até então, o que existia na área florestal era muito incipiente. Havia muita informação na área industrial, mas ainda sem aplicação prática na atividade florestal. A partir do início da década de 1990, foram defendidas várias monografias, dissertações de mestrado e teses de doutorado, apresentados diversos trabalhos em congressos e escritos inúmeros artigos técnicos e livros abordando a qualidade na área florestal. 

Durante mais de trinta anos, temos trabalhado esses conceitos e técnicas com foco na sua ampliação, na grande maioria das empresas florestais e no meio acadêmico. Tivemos a grata satisfação de desenvolver, junto às áreas operacionais, procedimentos e controles de qualidade, possibilitando a criação de indicadores de performance e de qualidade. 

A preocupação com a qualidade é crescente nas empresas florestais, mas ainda há longo caminho a percorrer até que seja desenvolvida uma cultura de qualidade. Os resultados evidenciam que vale o esforço empreendido e que os ganhos são sempre compensadores.