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Waldir Cintra de Jesus Junior

Professor de Fitopatologia e Patologia Florestal da UFSCar - Universidade Federal de São Carlos

OpCP70

Mudanças climáticas e doenças florestais
O aquecimento global é um dos maiores paradigmas científicos da atualidade. As evidências de que as mudanças climáticas (MC) estão ocorrendo, em função do aumento da concentração de gases de efeito estufa, têm se tornado cada vez mais consistentes e aceitas pela comunidade científica. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) prevê que a temperatura global deverá aumentar entre 1,4°C a 5,8°C nos próximos 100 anos. 
 
A preocupação com o assunto é tamanha que, periodicamente, são realizadas conferências para discutir o assunto e tentar minimizar o problema, a exemplo da 27ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP27), realizada no Egito, em novembro de 2022. 
 
No tocante a todas as atividades econômicas, a agricultura é a que apresenta maior dependência das condições climáticas. Assim, estima-se que qualquer mudança no clima poderá afetar o zoneamento agrícola, a produtividade das culturas e as técnicas de manejo, alterando o atual cenário do setor, em cada região, com sérias consequências econômicas, sociais e ambientais. Doença em planta é um processo dinâmico, no qual hospedeiro e patógeno, em íntima relação com o ambiente, se influenciam mutuamente, do qual resultam modificações morfológicas e fisiológicas. Para que ocorra doença, é imprescindível a interação de três fatores (triângulo de doença): planta suscetível, patógeno virulento/agressivo e ambiente favorável. Assim, o ambiente é um componente relevante, podendo impedir a ocorrência da doença mesmo na presença de hospedeiro suscetível e patógeno virulento/agressivo. 

As MC poderão alterar o atual cenário fitossanitário. Certamente, num futuro próximo, ocorrerão modificações na importância relativa de cada doença, assim como poderá haver maior potencial de estabelecimento de patógenos quarentenários que caso sejam relatados no país, representarão uma ameaça potencial a toda cadeia produtiva. Além disso, os patógenos oportunistas terão maiores chances de causar danos, principalmente em função do estresse da planta. 

Neste artigo, abordaremos, de forma resumida, alguns trabalhos desenvolvidos por nossa equipe sobre os impactos das MC nas doenças em espécies florestais. Vale ressaltar que temos trabalhado com a temática há 20 anos, orientando vários estudantes de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) no assunto. Também participamos ativamente da implantação do “Núcleo de Excelência em Mudanças Climáticas”, em que são desenvolvidas pesquisas na área florestal. 
 
No que se refere à distribuição espaço-temporal, nossa equipe analisou o impacto potencial das MC na distribuição de áreas de risco para ocorrência da ferrugem do eucalipto no Brasil, concluindo que haverá redução da área favorável para ocorrência da doença. 
 
Apesar dos resultados, extensas áreas continuarão favoráveis ao desenvolvimento da doença, principalmente nos meses mais frios do ano (junho e julho), de modo que o zoneamento das áreas e as épocas de maior risco de ocorrência, considerando as mudanças climáticas, tornam-se importantes conhecimentos para elaboração de modelos de previsão e de alerta para o manejo da doença. 
 
Com relação à seringueira, analisamos o potencial impacto das MC no desenvolvimento do mal-das-folhas, concluindo que será altamente favorável para a redução das áreas e favorável para a doença, bem como algumas áreas do País se tornarão mais aptas ao cultivo da seringueira, o que poderá propiciar o surgimento e/ou maior desenvolvimento de algumas novas áreas de plantio. 
 
As análises apresentadas possibilitam uma visão futura de quais regiões ou estados serão mais ou menos favoráveis às doenças.Considerando o impacto das MC nas doenças do eucalipto, tem-se que Ralstonia solanacearum, Xanthomonas sp. e Quambalaria eucalypti poderão ser favorecidas por altas temperaturas, permanecendo como as principais doenças em viveiro. 
 
No campo, Austropuccinia psidii poderá ter sua importância reduzida, porém Ceratocystis fimbriata, Oidium eucalypti, Cylindrocladium sp., R. solanacearum, Rhizoctonia solani e Xanthomonas sp. merecerão maior atenção, uma vez que são favorecidas por altas temperaturas.

Com relação ao controle químico, há o seguinte questionamento: A eficiência dos produtos químicos será a mesma em condições de elevação de temperatura e redução de umidade relativa? 

Apesar da falta de estudos sobre o assunto, inferimos que provavelmente o controle químico também será influenciado pelas MC, sendo esperados os seguintes efeitos: alterações na absorção de determinados produtos; modificações na translocação e metabolismo de fungicidas sistêmicos; alterações na dinâmica de resíduos e degradação dos produtos; redução na redistribuição dos fungicidas protetores; novo calendário de aplicação, dentre outros.
 
O controle biológico certamente será afetado. Na literatura, há trabalhos sobre o efeito da temperatura na longevidade de parasitoides de determinadas pragas. Como exemplo, citamos que a longevidade do parasitoide do percevejo-bronzeado do eucalipto é reduzida com o aumento da temperatura.

Com relação a modificações na efetividade da resistência, avaliamos o efeito da variação da temperatura e da concentração de CO2 sobre o comportamento de dois clones de eucalipto com diferentes níveis de resistência a C. fimbriata, em dois cenários climáticos, concluindo que o incremento da concentração do CO2 associado a temperaturas elevadas, representando o clima futuro, aumentaram a severidade da doença e reduziram o crescimento dos clones. Os clones se desenvolveram melhor no cenário atual, demostrando reduzida capacidade de adaptação às MC, o que tende a alterar a efetividade da resistência. Outro aspecto importante é que, com as MC, a ocorrência de distúrbios fisiológicos poderá ser intensificada. O problema já é sério, a exemplo do distúrbio fisiológico em eucalipto. 

Na análise das MC sobre as doenças, não se pode esquecer que tanto o patógeno quanto a planta hospedeira podem evoluir, dado que o processo é lento, ou seja, adaptações deverão acontecer e precisam ser consideradas antes que conclusões precipitadas e equivocadas sejam apontadas como certas. A análise dos potenciais impactos das MC é essencial para a adoção de medidas mitigadoras, como o desenvolvimento de cultivares resistentes e novas técnicas de manejo, a fim de se evitarem e/ou minimizarem perdas significativas.

Como mensagem final, gostaríamos de ressaltar os seguintes pontos: 1) É de fundamental importância a previsão, mesmo com certo grau de incerteza, do impacto das MC e como elas afetarão a produtividade; 2) É necessário antever os problemas, de modo a minimizar os prejuízos (necessidade de adaptação); 3) Somente trabalhos multidisciplinares trarão avanços no entendimento do impacto das MC no setor florestal e suas soluções; 4) As alterações causadas pelas MC trarão uma nova dimensão à área florestal; 5) Será necessário mais tecnologia e união do setor para enfrentar o problema. 
 
Não será o fim do setor florestal, mas o início de novos tempos. Devemos estar preparados. Nos colocamos à inteira disposição para o desenvolvimento de pesquisas em parcerias, de modo a contribuir para a minimização de um problema tão importante e que afetará, de forma substancial, o setor florestal.