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Rogério Ribeiro de Oliveira

Professor do Departamento de Geografia da PUC-Rio

Op-CP-28

O machado e a floresta

Uma pesquisa recente feita no interior do Parque Estadual da Pedra Branca, localizado na zona oeste do Rio de Janeiro, revelou, em plena floresta, a presença de vestígios de 170 antigas carvoarias. Localizadas em uma área de cerca de 200 hectares, o fato não teria maior repercussão se elas não estivessem localizadas no meio de uma densa floresta atlântica.

Onde se julgava ser uma floresta madura, na verdade, trata-se de uma área que havia sido intensamente desmatada no século XIX. Os carvoeiros eram, em sua maioria, ex-escravos. Sem a subsistência provida pelos seus donos, esses ex-escravos se viram, de uma hora para outra, tendo que sustentar suas famílias. Sem acesso à terra ou aos meios de produção, um caminho “fácil” foi se tornar carvoeiro.

Para isso, tudo o que precisavam para fabricar o carvão era de um machado e de fósforos. A proximidade desse maciço com a cidade do Rio de Janeiro foi responsável por transformar a floresta em um polo de fabricação de carvão.

Mas qual a finalidade de tanto carvão? Junto com a lenha, ele era a matriz energética da cidade do Rio de Janeiro, de meados do século XIX até o início do século XX. Além do consumo doméstico (para cozinhar e passar roupas), o carvão alimentava também as caldeiras a vapor das indústrias e das locomotivas, que começavam a aparecer.

Na cidade, carruagens e bondes eram puxados por cavalos e burros, que usavam ferraduras. Estas eram feitas nas ferrarias de fundo de quintal, cujas forjas funcionavam a carvão. Mas havia também outro uso pouco conhecido, que consumiu muito mais carvão: a construção civil. Até hoje, o centro histórico da cidade, assim como numerosos bairros, tem suas calçadas de pedra, além dos pórticos e fachadas dos sobrados antigos.

A quantidade de carvão usado nessa arte é gigantesca. Por exemplo, para se construir um metro linear de um pórtico, o artesão usa uma marreta e cerca de 30 ponteiros de ferro, que ficam rapidamente cegos e não podem ser afiados em esmeril para não perder o fio. Têm que ser levados à forja para serem malhados na bigorna. Essas forjas, alimentadas a carvão, se multiplicaram para dar conta do crescimento da construção civil da cidade na virada do século XIX.

A reforma Passos, feita em 1903, representou uma vigorosa mudança na malha urbana da cidade. Avenidas e centenas de edificações surgiram no centro, dando o seu atual contorno. No entanto um pilar (no sentido mais literal da palavra) foram os trabalhos em pedra. As fachadas, os portais e as calçadas eram todos feitos por esses artesãos, demandando quantidades gigantescas de carvão para afiar suas ferramentas. Não era, portanto, desprezível o consumo de carvão no Rio de Janeiro do fin de siècle.

No entanto as implicações ecológicas da exploração da lenha para a produção de carvão não apresentaram efeitos negativos expressivos. A floresta retomou, de forma vigorosa, as áreas desmatadas pelos carvoeiros, a ponto de justificar a criação, em 1974, do Parque Estadual da Pedra Branca. Se utilizarmos o jargão de hoje, poderíamos dizer que se tratava de uma produção sustentável, uma matriz energética baseada no uso da biomassa.

Mas há um desfecho nessa história ligado à sustentabilidade. Apesar do desmatamento, a sustentabilidade ecológica do período de fabricação do carvão foi um fato. Mas e a sustentabilidade social dessa atividade? São pouquíssimas as informações disponíveis sobre os carvoeiros, esses atores sociais que forneciam energia à cidade do Rio de Janeiro.

Poucos se beneficiaram do seu trabalho, enquanto muitos lucraram com ele. A grande maioria de seus descendentes habitam as favelas do Rio de Janeiro. São, até hoje, invisíveis do ponto de vista social. As florestas naturais sempre foram as principais fornecedoras de matéria-prima para energia.

A atual busca de alternativas de plantio sustentável das chamadas florestas para produção de energia deve atentar para o fato de que sustentabilidade é um conceito plural: que sustentabilidade se busca? A ecológica? A social? A econômica? A história desses carvoeiros ilustra uma história de injustiça social, maquiada por uma aparente “exploração sustentável”. Levou progresso, mas não trouxe desenvolvimento à cidade, pois a sustentabilidade ecológica seguiu caminho diverso da sustentabilidade social.