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Rudolf Woch

Diretor da Apoiotec

OpCP69

Galileu não inventou o telescópio
Quando fui convidado a abordar o tema modernização do sistema florestal, pensei logo na inovação do manejo de plantas daninhas, por dois motivos: o primeiro é o fato de cerca de 30% dos custos de implantação ou reforma de florestas estarem relacionados a ele; o segundo (e mais óbvio) é que se trata da minha área de atuação há mais de 30 anos.

Relembrando a evolução tecnológica nesse período, e creio que alguns dos leitores se unirão a mim, gostaria de remeter à segunda metade dos anos 1980, quando ainda se usava capina manual com enxadas para livrar as mudas transplantadas da competição com as plantas daninhas. Mais recentemente, porém, vemos a adoção de técnicas de geoprocessamento para mapear a presença de plantas daninhas com o uso de satélites e ainda aplicações com drones de pulverização.
 
Pois bem, de lá pra cá, o que mudou? Qual o estado da arte do desenvolvimento tecnológico no manejo de plantas daninhas? E, mais do que isso, quais os caminhos esperados para o futuro? É comum que se veja inovação como um grande passo, uma mudança de tecnologia revolucionária que abrirá novos caminhos e soluções nunca vistos. E isso não está errado, mas representa apenas um dos modelos possíveis, de uma inovação tida no mercado como radical, em que se adota uma nova tecnologia em um novo mercado ou para um novo uso. Mas, embora importante no processo, é um modelo mais raro.
 
Existe, também, a aplicação de novas tecnologias para executar ações ou usos já conhecidos, no que comumente se reconhece uma inovação disruptiva. Como exemplo, podemos indicar a pulverização de herbicidas (uso já bem conhecido) com drones de pulverização (nova tecnologia).

Mas as tecnologias bem conhecidas não deixam de ter seu papel no processo de modernização, às vezes de modo decisivo. Vamos a um exemplo: com o aumento da pressão de pragas e doenças florestais, as desfolhas têm crescido nos últimos anos em várias regiões no Brasil. Sempre que isso ocorre, há uma mobilização intensa no manejo das pragas, o que é natural. Por outro lado, a desfolha permite o aumento de radiação solar em pontos da floresta antes fechados, o que favorece o aparecimento de plantas daninhas. Com isso, a floresta, que já sofreu com o ataque de pragas, passa a sofrer competição com plantas daninhas. 
 
A recombinação de conhecimentos de fisiologia vegetal, dinâmica de plantas no ambiente, características físico-químicas dos herbicidas disponíveis no mercado e tecnologia de aplicação com barras curtas proporcionam novas soluções para controle em pré-emergência de daninhas em florestas altas. Ou seja, um novo uso para tecnologias conhecidas.

A  lei 13.243 (2016), do novo marco legal da ciência, tecnologia e inovação, propõe uma definição para extensão tecnológica que, em termos mais amplos, valida o emprego incremental de tecnologias já conhecidas em usos também já conhecidos. O uso de controladores eletrônicos de pulverização, que permitem ajustes de pressão em tempo real, para manter as taxas de aplicação, apesar de variações de velocidade, é um bom exemplo de inovação incremental.

É uma tecnologia disponível já há bastante tempo, contudo ainda se vê muito no campo o acionamento de pulverização com o ligar e desligar de bombas, que aumentam as variações, piorando a qualidade. Pontos ainda mais simples, como sistemas de agitação bem dimensionados, também são exemplos de tecnologias dominadas, com espaço para inovações incrementais.
 
Peço licença para citar um comentário de Luis Gabatelli, subeditor da HSM Management, em um artigo de setembro de 2021. Ele fala da necessidade de articular inovação com a proposta de criação de cadeia de valor, de acordo com as suas entregas. Concordo: é preciso pensar a inovação considerando a cadeia de valor e também a sustentabilidade. 
 
A inovação sempre é feita de pessoas para pessoas, ou seja, todo o produto ou processo é usado para atender a uma necessidade do ser humano. Então, me sinto à vontade com o conceito de que, para avançar em todos os modos que discuti, a inovação deve ser tratada como uma transformação cultural e social, o que traz um paradoxo: a tecnologia em geral é o meio para o avanço, contudo a inovação tem menos a ver com a tecnologia e mais com relacionamento, experiência e mudança de modelo.

Em alguns trabalhos de construção de Procedimentos Operacionais e Instrução Técnica, nos últimos anos, pude presenciar que, de fato, as pessoas abraçam o que criam e ninguém cria nada sozinho. Quando os projetos têm a participação de todos os envolvidos – e, por que não dizer? –, comprometidos com os procedimentos e instruções, a sua adoção é mais rápida e fácil.

Estamos andando a passos largos com novos modelos de inovação disruptivos, como a transformação digital, o Agro 4.0, a internet das coisas, uso de drones, monitoramento remoto, geotecnologias e manipulação de dados em ambientes de nuvem – que popularizou o uso de inteligência artificial em várias áreas. Além de tecnologias com produtos biológicos, microrganismos ou seus exsudados, melhorando de modo significativo a região da rizosfera. 

Nesse cenário, é preciso implantar uma transformação cultural criando uma jornada não com um fim, mas com vários, identificando as necessidades das pessoas. Quais atividades executam? Quais são os problemas do dia a dia? Quais ganhos esperam com a inovação? 

Tenho trabalhado em alguns pontos da cadeia produtiva com resultados animadores. Aqui vão dois exemplos para pontuar os novos caminhos. O primeiro é o uso de produtos biológicos, através dos quais microrganismos são inoculados no solo ou raízes do eucalipto, criando relações simbiontes e trazendo resultados, como a disponibilização de fósforo não lábil ou incremento da taxa de sobrevivência em condições de déficit hídrico. O segundo está em revisitar as sequências de atividades na implantação das florestas, com objetivo de aumentar a capacidade de armazenamento de água nos sistemas produtivos. Essa estratégia está ligada às mudanças climáticas, tendo em vista que a distribuição de chuvas pode ser modificada, também impactando a dinâmica de plantas daninhas e herbicidas.

A inteligência artificial associada a geotecnologias e sensores remotos possibilitarão, em breve, definir melhores tratamentos para controle de plantas daninhas e redução do uso de herbicidas e custos para seu controle. O manejo integrado de plantas daninhas passa a ter um sentido ainda mais amplo, e o processo de inovação deve ser encarado com olhar acurado, pensando na cadeia de valor e sustentabilidade.
 
E, para quem se pergunta “o que tudo isso tem a ver com Galileu?”, agora eu respondo: de fato, ele não inventou o telescópio. Mas foi aquele que o apontou para o céu, e, com muita paciência, observou o movimento dos planetas ao redor de uma estrela. E, a partir de então, esse campo da ciência seria completamente transformado, com impactos até hoje, séculos mais tarde. Encerro, assim, com este pensamento: a inovação mais estratégica pode estar na capacidade de se manter o olhar curioso e aberto à descoberta, captando novos ângulos e oportunidades a cada situação que se apresente.