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Sebastião Venâncio Martins

Laboratório de Restauração Florestal (LARF) da Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa

OpCP74

A mudança de paradigmas
A partir do final da década de 1980 e início dos anos 90, começaram a surgir demandas e projetos de restauração florestal, inicialmente, voltados para a recuperação de matas ciliares de reservatórios hídricos. Em comum, esses primeiros projetos de restauração florestal, que sem dúvida foram de extrema importância para o desenvolvimento da ciência e prática da restauração florestal no Brasil, tiveram o uso de conceitos e técnicas da silvicultura tradicional.

A maioria desses projetos pioneiros tomou como base e fundamentação teórica o paradigma clássico da sucessão, procurando reproduzir um estágio final, ou seja, o clímax dos ecossistemas, com o plantio de espécies com ocorrência nas florestas em estágio avançado. Para isso, tudo precisava ser muito previsível e de certa forma “engessado” com muitas regras e definições padronizadas de espaçamentos, número de espécies, etc.

A partir do avanço das pesquisas em sucessão ecológica, a restauração florestal passou, nas últimas duas décadas, a ganhar uma conotação mais flexível, seguindo o paradigma contemporâneo em que o importante é garantir o avanço do processo, o ganho de diversidade com o tempo, a recuperação das funções do ecossistema e o aproveitamento do seu potencial de autorrecuperação ou resiliência.

Nessa nova abordagem da restauração florestal, a regeneração natural passou e vem sendo cada vez mais valorizada nos projetos, visando não apenas à redução dos elevados custos de implantação e manutenção do reflorestamento com plantio em área total, mas também procurando imitar os processos ecológicos que garantem o avanço natural da sucessão ecológica.

Cabe destacar que no contexto da restauração em larga escala, como os grandes projetos que envolvem a restauração ao nível de paisagem e até de territórios, uma heterogeneidade de situações é normalmente encontrada, desde áreas com elevado potencial de regeneração natural, em que o simples cercamento é suficiente para o retorno da floresta, até áreas de pastagens de baixa resiliência, ocupadas por gramíneas exóticas agressivas como a braquiária (Urochloa decumbens) e com remanescentes de florestas nativas ausentes ou muito isolados e degradados, nos quais o plantio de mudas em área é a melhor opção.

Entre esses dois extremos existem situações intermediárias, em que é mais viável adotar a regeneração natural assistida (RNA), na qual se aplicam ações de estímulo da regeneração natural, como o coroamento e a adubação de cobertura de regenerantes em pastagens, a implantação de núcleos de mudas e de sementes, o controle de espécies invasoras inibidoras da sucessão, entre outras.

Nesse cenário atual da restauração florestal, nos projetos que desenvolvemos no LARF – Laboratório de Restauração Florestal da UFV, procuramos sempre seguir a flexibilização das ações, direcionar técnicas mais adequadas para cada situação de degradação e de potencial de regeneração.

No contexto da mineração, como exemplo da aplicação tanto de regeneração natural, como da regeneração natural assistida e do plantio em área total, podemos citar o grande projeto da Fundação Renova na bacia do rio Doce, que conta com parceria do LARF-UFV em pesquisas e orientações técnicas.

Nesse, que é um dos maiores projetos de restauração florestal em larga escala do Brasil, diferentes cenários foram identificados com base no uso do solo e do potencial de regeneração, possibilitando definir com precisão as áreas destinadas ao plantio em área total, bem como aquelas em que a regeneração natural apenas ou a sua condução (RNA) são suficientes.

Situação parecida, que também conta com a parceira do LARF, é o grande programa da Vale de restauração florestal de áreas atingidas por rejeitos e de áreas compensação em Brumadinho, MG, no qual contribuímos com pesquisas de monitoramento da restauração florestal de plantios em área total, mas também com técnicas de nucleação como a transposição de topsoil e técnicas de engenharia natural ou bioengenharia de solos, via experimentos de revegetação de margem do rio Paraopeba, com plantio de estacas vivas.

Ainda na mineração, cabe destacar as iniciativas em pesquisas e inovações realizadas pela Companhia Brasileira de Alumínio – CBA-, na Zona da Mata mineira, em parceria com o LARF desde 2011. Através desse grande projeto, temos realizado pesquisas de monitoramento da restauração florestal realizada pela empresa, tanto em áreas mineradas como em áreas de compensação, mediante vários indicadores, como regeneração natural, fertilidade do solo, biodiversidade de flora e fauna, análise da cobertura florestal através de imagens, entre outros.

Além disso, várias inovações foram produzidas ao longo desses 12 anos de parceria, merecendo destaque o plantio de mudas altas (com altura média de 2 m) em larga escala, o que tem possibilitado a rápida formação de copas e cobertura do solo, superando a competição com a braquiária e reduzindo custos de manutenção, além de promover a atração da fauna, uma vez que muitas mudas já são plantadas com flores e frutos.

Como exemplo de case de sucesso com aplicação da regeneração natural assistida e outras técnicas alternativas, podemos citar o importante projeto de restauração florestal realizado pela CMPC Celulose Riograndense, no qual o LARF contribui também desde 2012. Nesse projeto, que envolve hortos florestais da empresa em diferentes regiões do Rio Grande do Sul, a parceria CMPC/LARF possibilitou a conversão do sistema de restauração florestal com plantio em área total para o plantio de núcleos de mudas, que resultou em expressiva redução de custos e na ocupação das APPs por espécies nativas regionais em poucos anos.

Nessa parceria, também, levamos para o RS a técnica do resgate de plântulas, que já usávamos em MG nos projetos com mineradoras. Assim, atualmente, a quase totalidade das mudas de espécies nativas dos núcleos implantados nas APPs pela empresa é proveniente do resgate de mudas do sub-bosque de talhões de eucalipto. Portanto, podemos concluir que a restauração florestal de áreas mineradas,   APPs e áreas de compensação não deve ser “amarrada” a uma só técnica, pois existe um cardápio de diferentes opções, sendo que a tomada de decisão deve levar em contas vários aspectos, como o estado de degradação, o recurso financeiro disponível, a resiliência local e o nível de paisagem, entre outros.