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Eric Bastos Gorgens

Professor de Manejo de Nativas e Otimização Florestal da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

OpCP64

Nossas origens, nossos dilemas
Em 1713, na cidade alemã de Leipzig, foi publicado o tratado sobre silvicultura econômica pelo então administrador de minas Hans Carl von Carlowitz, marcando, assim, o início do profissional da floresta. A publicação era uma resposta a um momento tenso. As minas da Saxônia estavam a todo vapor, e muita madeira era necessária para sustentar a atividade de mineração, especialmente na fundição do minério.

O problema é que, para regiões que, em boa parte do ano, se encontram em temperaturas negativas, a madeira também era fundamental para a sobrevivência da população, sendo frequentemente comparada ao “pão do dia a dia”. A madeira tinha importância central na vida das pessoas, seja para a construção civil, seja para o aquecimento das casas e da comida. De forma inovadora para a época, o tratado de silvicultura econômica estabeleceu, pela primeira vez, de maneira formal, a regra fundamental que norteia o profissional das florestas: para garantir a continuidade e perpetuidade dos recursos florestais, é necessário balancear o plantio, o crescimento e o corte de árvores.

O profissional florestal nasce na Alemanha, mas rapidamente começa a se espalhar pela Europa. Já no século XVIII, os florestais franceses deram um grande impulso à ciência florestal. A Inglaterra, o principal país industrializado da época, exporta a profissão para a Ásia e transforma grande parte das florestas da Índia britânica em propriedade da coroa. As florestas eram vistas como estratégicas para os planos industriais da coroa britânica e passaram a ser manejadas por “profissionais”, em detrimento das populações locais. 
 
A visão industrialista, focada na maximização produtiva e econômica, muda a forma de enxergar as florestas. Na Europa, a multiplicidade de espécies que coexistem numa aparente desorganização começaram a dar lugar a florestas cada vez mais e mais homogêneas, aproximando o manejo florestal da percepção agrícola do cultivo. Como veremos mais adiante, esse conceito seria logo exportado para outros países, como, por exemplo, o Brasil.
 
Apesar de a origem do Brasil estar intimamente ligada à exploração dos recursos florestais, o profissional das florestas demorou a aportar por essas terras. Algumas espécies foram notoriamente lastro para o desenvolvimento do País, com destaque para as reconhecidas: pau-brasil (Paubrasilia echinata), araucária (Araucaria angustifolia), jacarandá (Dalbergia nigra), cedro (Cedrela fissilis), mogno (Swietenia macrophylla) e de menos reconhecidas, como aroeira (Astronium urundeuva) e braúna (Schinopsis brasiliensis). Digo menos reconhecidas, pois foram espécies que sustentaram a intensa urbanização e colonização das terras do ouro e do diamante. Até aqui, no Brasil, nada ou muito pouco se falava da necessidade de se  desenvolver uma ciência florestal nacional. 
 
A percepção predominante na época era inequivocamente extrativista. A natureza era pródiga, o Estado brasileiro era imenso. A percepção da escassez não estava presente, a não ser em alguns poucos intelectuais e estudiosos. É importante reconhecer o quanto tardia foi a criação da primeira escola de florestas. A temática florestal ora ou outra surgia em nosso país, como, por exemplo, com os regulamentos sobre as madeiras de “lei”, em 1698, com a criação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em 1808, com a criação do Serviço Florestal do Brasil, em 1921 (não confunda com o atual
 
Serviço Florestal Brasileiro), com a criação do Conselho Florestal Federal e do primeiro código florestal, em 1934, e com a criação do Instituto Nacional do Pinho, em 1941. Somente em 1960, ocorreu a criação da primeira Escola Nacional de Floresta em Viçosa-MG, que, logo depois, migraria para Curitiba-PR. A visão industrialista marcava a época, tendo seu auge em 1956, com a eleição do mineiro Juscelino Kubitschek para a presidência da república, com um slogan de ”Cinquenta anos em cinco”.

O Brasil pautou seu crescimento e desenvolvimento em direção ao Centro e Norte do País, abrindo estradas e ocupando o interior do País. Fábricas foram abertas aos montes, trazendo a percepção de que o País ia logo fazer parte do seleto grupo de países desenvolvidos.

De fato, a visão produtivista não era exclusividade do Brasil. Essa visão foi amplamente difundida principalmente no esteio do argumento de que projetos florestais teriam um efeito multiplicador na economia, proporcionando um intenso desenvolvimento social. As ciências florestais se aproximavam, cada vez mais, da percepção de cultivar das ciências agronômicas e se distanciavam da noção original de manejar. Esse contexto irá pautar o constante conflito vivido e vivenciado pelos profissionais florestais: o produtivismo enraizado na formação do florestal (florestas de produção e silvicultura industrial) com o conservacionismo, enraizado na percepção social.

Esse dualismo vai se refletir dentro da própria formação do florestal no Brasil, onde persistem divisões quase antagônicas, como ”plantadas” versus ”nativas”. Se olharmos pelo viés político, o setor florestal fica eternamente na queda de braço entre o Meio Ambiente e a Agricultura. É curioso como grande parte dos alunos chega ao curso de engenharia florestal pelo viés da conservação. Não é rara a confusão entre engenharia florestal, engenharia ambiental, biologia e outras formações voltadas para o meio ambiente. O profissional da floresta, embora tenha nascido do desafio da busca pela sustentabilidade, ainda não reconheceu que o grande valor da sua profissão está justamente na sustentabilidade, seja qual for a área de atuação escolhida. 
 
Da década de 1960 para cá, o setor florestal associado à silvicultura industrial decola. Uma grande quantidade de empresas florestais despontam em setores que vão da celulose à energia. Esse setor se consolida não só do ponto de vista técnico, mas do ponto de vista político e econômico. Logo os profissionais da floresta se descolam da agronomia, que, durante os primeiros anos, sustentaram e emprestaram ao setor florestal grande parte da credibilidade de seus pesquisadores e estruturas.

O setor florestal passa a colecionar características singulares que vão cada vez mais se distanciando da agronomia, como o alto capital imobilizado, a longevidade dos projetos, a percepção ambiental das florestas, o uso de terras marginais, a tecnificação, entre outras. Chega o momento em que até a representatividade de classe passa a ser questionada, materializando-se na proposta de separação no âmbito do Confea do grupo da agronomia, que historicamente é dominada pela agronomia.

Socialmente, a associação ambiental com florestas é muito forte. A certificação surge como um reflexo da Eco-92 para tentar ajudar nesse diálogo entre setor florestal e sociedade. Inicialmente voltado para florestas nativas, logo o setor de plantadas embarca nessa iniciativa e passa a ser um grande demandante por tais selos de boas práticas sociais, ambientais e econômicas. Novas preocupações começam a rondar o florestal, como uso múltiplo da floresta, a agrossilvicultura, a integração lavoura-floresta-pecuária, o plantio direto, a conservação da água, a adubação verde e a conservação do solo. Se a sustentabilidade estivesse, de fato, enraizada no setor florestal, a certificação seria desnecessária. 
 
A certificação nos ajuda a comunicar o esforço de um setor que se equilibra entre o conservacionismo e o produtivismo. Essa é a navalha sobre a qual se equilibra, até hoje, o profissional florestal. O século XXI traz a quarta onda, que atinge com força um setor florestal maduro e tradicional. Acordamos com um novo linguajar: floresta 4.0, internet das coisas, startup, dashboard, BI (Business inteligence), inteligência artificial e programação.

As escolas florestais de bacharelado, que hoje chegam a 75, começam a se deparar com um novo e interessante dilema: como incluir todas as habilidades e competências necessárias ao futuro profissional na formação do florestal? Em meio a disputas por nichos da atuação profissional (ex.: engenharia florestal vs biologia), discutem-se mudanças nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Engenharia Florestal. Discutem-se quais disciplinas devem integrar a grade básica da formação dos futuros profissionais. Discutem-se quais as habilidades e competências necessárias ao profissional da floresta.

Nos defrontamos com muitas questões interessantes, que certamente nos fazem refletir sobre o futuro do profissional da floresta. Não é o momento de fingirmos que tudo está bem. É hora do diálogo entre os setores. É hora de entendermos nossa história e enfrentarmos nossos dilemas. Na academia, é hora de repensarmos a sala de aula e os métodos de ensino; na empresa, é hora de repensarmos os estágios e os processos seletivos. É hora de repensarmos como deve ser a relação entre academia e empresa. É hora de repensarmos como as florestas plantadas se relacionam com as florestas nativas. O fato é que temos uma profissão atual e relevante. Uma profissão que nos ensina que é possível conciliar produção com conservação, por meio de uma palavra simples, mas que carrega o peso da nossa história: manejar!