Neste artigo, que discorre sobre “uma nova rota para o cluster de florestas plantadas”, apresentaremos, primeiramente, um breve histórico da evolução do setor, seguido de uma discussão sobre seu contexto e, finalmente, as recomendações sobre o que entendemos serem os ajustes necessários para que o setor tenha um novo ciclo virtuoso. Vamos iniciar cada uma dessas partes com “palavras-chave”, para o leitor ter uma ideia da mensagem.
UMA HISTÓRIA DE SUCESSO, MAS...: Não vou gastar o precioso tempo do leitor enumerando os indicadores do setor brasileiro de base florestal, todos disponíveis do site da Ibá. Mas é importante destacar que nossa área plantada com florestas saiu praticamente do zero, em meados da década de 1960, para aproximadamente 7,9 Mha, em 2018.
Pessoalmente, acredito que essa base seja maior e esteja mais próxima da área informada pelo IBGE, que é de 9,85 Mha. Essa base florestal possibilitou construirmos uma indústria de base florestal expressiva em termos globais. Mais especificamente, somos o 1º produtor de celulose de fibra curta (19,6 Mt/ano), o 9º produtor de papel (10,3 Mt/ano), o 8º produtor de painéis reconstituídos e o maior produtor de carvão vegetal para fins industriais (5,5 Mt/ano). Por dispor tanto do mercado interno quanto externo, ambos expressivos, a indústria de base florestal é muito resiliente. Prova disso é que as exportações brasileiras crescem a uma taxa de 8% ao ano desde 2003.
Apesar de nossa posição de destaque em termos mundiais, devemos avaliar o passado para corrigir erros e identificar oportunidades de melhoria. O Uruguai fez isso ao analisar a experiência alheia – brasileira e argentina. Seu programa de desenvolvimento florestal tem sido um sucesso, com destaque para o zoneamento de solos, as zonas de exportação e um investimento mais eficaz (hectares plantados por 1.000 US$). Em um breve período de tempo, nossos vizinhos conseguiram viabilizar duas plantas de celulose e uma terceira deve estar operacional por volta de 2024. Claro que houve também insucessos, como a não viabilização de uma indústria de processamento mecânico, deixando a silvicultura refém da indústria de celulose e das exportações de toras.
Em relação ao Brasil, também tivemos uma série de contratempos. Por exemplo, o Mato Grosso do Sul somente entrou para o cenário florestal na segunda onda silvicultural. Poderíamos ter uma razão maior entre “área plantada” e “capital investido”. O mercado de madeira, principalmente o de Eucalyptus, caracteriza-se por um desequilíbrio expressivo devido ao poder de barganha da indústria. Há importantes “polos florestais” sem indústrias, “sites industriais” com déficit estrutural de madeira e muitas regiões com significativa demanda silvicultural sem “plantios”.
Há três anos, estimamos que, aproximadamente, 1 milhão de hectares de plantios florestais estavam “destruindo o valor investido”; hoje, temos evidências claras que confirmam essa estimativa. Especificamente em relação à indústria de base florestal, sua contribuição para a balança comercial brasileira tem sido muito significante há muitos anos (12% somente em 2017), a despeito de ser significativamente menor que as principais indústrias exportadoras, como a agroindústria e a de metais.
Entretanto, apesar do seu potencial estratégico, sem puxar a brasa para a nossa sardinha, o Brasil não tem uma política efetiva para fomentá-la. Os grandes players (celulose e painéis reconstituídos) são autossuficientes, porém as dezenas de milhares de pequenas indústrias (serrados, compensados, laminados, móveis e carvão) sempre estão “vendendo a janta para comprar o almoço”. Tenho certeza de que teríamos crescido muito mais se houvesse ação política. Vejam que não estou falando de incentivos, subsídios e medidas protetivas. Estou falando de ação diretiva.
O ETERNO RETORNO: Olhando o passado, tanto o distante quanto o recente, com um alcance de 35 anos, tempo em que labuto no setor, o meu sentimento é de déjà vu. A história se repete de tempos em tempos. Gosto de dizer que, se a TV repetir um “Jornal Nacional” de um ano atrás, poucas pessoas vão perceber. No nosso setor, ocorre o mesmo.
A cada governo, seja na esfera estadual ou federal, estamos sempre tentando viabilizar uma visão estratégica, uma política florestal, uma instituição governamental responsável e uma gestão competitiva e plural. Regra geral, essas ações resultam em promessas, planos e... nenhum ou pouco resultado. Não falo isso para criticar o nosso segmento. Ao contrário, o trabalho de muitos dos envolvidos tem sido excepcional. Mas, talvez, o problema seja o “modo”. Há uma máxima que diz que sempre alcançaremos os mesmos resultados se repetirmos a mesma abordagem.
Novamente, enfatizo que as indústrias de celulose e de painéis reconstituídos cuidam de seu destino, mas as demais não. Pior ainda é a situação dos silvicultores, sem o mínimo poder de barganha. Nos últimos oito anos, os preços de madeira praticamente não se moveram, em termos nominais. Houve, sim, perda real, apesar da desvalorização cambial e do significativo aumento do preço da celulose no mercado internacional nesse último ano e meio. Além disso, os impactos cambiais também atingiram fortemente a indústria não integrada de papel. O aumento dos custos da matéria-prima celulose impactou fortemente a saúde dessa indústria.
THE ECONOMY, STUPID: O que precisamos fazer para mudar o quadro desenhado acima não é o problema. Recentemente, por iniciativa do nosso amigo e mestre Nelson Barbosa Leite, criou-se um grupo aberto de profissionais do setor, o Silviculturando-se, para elaborar uma proposta de política e ação para o setor florestal como um todo. Com mais de 100 profissionais, o grupo não teve dificuldade em atingir 90% de consenso e produzir uma proposta consistente e que reflete as necessidades do setor. Entretanto acredito que a principal questão, como disse, não é definir “o que” fazer, isso temos feito há mais de três décadas, mas definir “como” viabilizar as ações.
Se a experiência passada prevalecer, acredito que estamos fadados a um “eterno retorno ao ponto de partida”. É preciso não esquecer que tivemos um Ministério da Pesca (e Aquicultura), mas, mesmo tendo 60% de nosso território coberto por florestas, não temos ainda um Ministério Florestal. Precisamos pensar fora da caixinha.
Nesse contexto, meu ponto focal é a economia. Por isso usei a frase, de 1992, de James Carville (“É a economia, estúpido.”), então assessor de Bill Clinton, candidato à presidência dos Estados Unidos, como mensagem ao povo americano quanto a uma das três prioridades de governo.
No nosso caso, acredito que devemos priorizar o desenvolvimento industrial como mola propulsora da cadeia produtiva do setor florestal: suprindo o mercado consumidor à direita (interno e externo) e criando demanda por madeira (silvicultura) à esquerda. Assim, poderemos reverter rapidamente o processo de queima de valor pelo qual a silvicultura brasileira não integrada está passando.
Temos matéria-prima disponível para muitas novas indústrias, equivalente a 1 milhão de hectares. E, se investirmos também na modernização do atual parque industrial, obsoleto há muitos anos, teremos ainda a oportunidade de aumentar de forma expressiva a capacidade produtiva existente.
Acredito que viabilizar uma ação industrial somente irá requerer um pequeno orçamento e uma pequena equipe multidisciplinar e focada. Acredito ainda que essa ação iria contar com o apoio de muitos segmentos complementares à cadeia produtiva florestal, bem como veríamos a resistência ilógica à silvicultura diminuir significativamente à medida que estaremos trabalhando na ponta da cadeia que gera valores e empregos no curto prazo.
Há várias iniciativas como essa bem-sucedidas em outros países, normalmente fundamentadas em parcerias público-privadas, focadas na “exportação florestal”, conduzidas por pequenas equipes motivadas e com apoio “político” dos ministérios afins ao setor florestal. Vamos aprender com eles para evitar erros e identificar os atalhos.
Também é fato que a ação industrial deverá priorizar o desenvolvimento da nova indústria de base florestal, como estão fazendo os países europeus e os Estados Unidos – eles estão realizando altos investimentos no desenvolvimento de novas tecnologias e de produtos para atender às necessidades e às prioridades do século XXI e XXII.
Essa nova indústria vai disponibilizar novos mercados para os países pioneiros. Por outro lado, também vai reduzir ou eliminar vários mercados tradicionais. Vamos embarcar nesse navio? Ou vamos continuar a vender produtos de baixo valor agregado e ficar excitados com a oportunidade de exportar toras para a Ásia?