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Hilton Thadeu Zarate do Couto

Professor de Bioestatística da Esalq-USP

Op-CP-57

O desafio dos novos sistemas
Em uma das visitas que fiz ao Centro de Tecnologia e Desenvolvimento do Serviço Florestal Norte-Americano, em Missoula, Montana, fui apresentado às mais modernas tecnologias disponíveis no momento para a área de inventário e monitoramento florestal (drones, sensores hiperespectrais, LiDAR, espectrômetros portáteis de alta resolução, etc.). 
 
Após a apresentação e durante o almoço, comentei com os presentes que, a continuar esses avanços tecnológicos, não mais precisaríamos de trabalhos de campo. Para minha surpresa, foi unânime a resposta de que os trabalhos de campo deveriam agora ser muito mais intensos e detalhados, pois toda a tecnologia precisaria de calibração, já que todas as medições são indiretas e as mudanças contínuas das florestas (ritmo de crescimento, pragas e doenças, novos matérias genéticos, mudanças climáticas) não prescindiriam de trabalhos de campo periódicos. 
 
Durante muito tempo, acompanhei o desenvolvimento da Agricultura de Precisão, que, traçando um paralelo com a área florestal, serve igualmente para o monitoramento e o manejo das culturas agrícolas. Na década de 1990, as previsões eram que, a partir do ano 2.000, praticamente todos os produtores rurais nos Estados Unidos estariam usando essa tecnologia. Entretanto, no ano 2.000, nos Estados Unidos, apenas 10% a 15% dos grandes produtores rurais usavam alguma tecnologia ligada ao pacote chamado de Agricultura de Precisão (monitores de colheita, VRT, aplicação localizada, etc.). Em 2010, ainda nos Estados Unidos, um dos maiores produtores de grãos no mundo, 48% dos produtores usavam monitores de colheita nas suas colheitadeiras. 
 
Entretanto isso não significava que os dados obtidos nesses monitores de colheita eram utilizados de forma eficiente. No Brasil, ainda hoje, o uso dessas tecnologias ainda é baixo. Abastecer uma indústria ou manejar uma floresta sem a ajuda de um sistema de Inventário Florestal confiável (sem viés e com precisão de 10% da média com 95% de probabilidade) é praticamente impossível. Por isso todas as empresas florestais e produtores de madeira possuem ou contratam e utilizam informações oriundas de um sistema de inventário florestal.

Assim como a produção de mudas florestais clonais que pode parecer uma atividade simples e sem segredos, os inventários ainda precisam ser aprimorados antes do uso de tecnologias mais sofisticadas, que prometem informações sobre a floresta, sem trabalhos de campo. Acompanho o uso de tecnologias, principalmente o uso de sensoriamento remoto, desde 1972, quando fui apresentado às primeiras imagens em preto e branco do satélite Landsat. De lá para os dias de hoje, muita tecnologia surgiu com promessas espetaculares e quase sempre não cumpridas. Entretanto continuo a defender incentivos a pesquisas de novas tecnologias ou aprimoramentos das já existentes, para que os custos sejam ainda mais reduzidos e os trabalhos de campo sejam otimizados. Estratificar florestas com o uso de sensores auxilia, em muito, a localização de parcelas no campo. 
 
Não poderia deixar de mencionar a importância de futuros desenvolvimentos das técnicas de inventário florestal, tanto para florestas plantadas como para florestas nativas plantadas ou em regeneração natural. Estão dentro dos sistemas de inventário florestal os modelos de crescimento para planejar o futuro abastecimento ou a transação comercial de madeira. As mudanças climáticas merecem um papel de destaque, interagindo com o material genético e as operações de manejo.

Muito ainda se pode evoluir nos modelos de crescimento e de rendimento de madeira para incluir o fator clima. Os modelos ditos mecanicistas não passaram no crivo dos especialistas em inventário, pois são complexos e utilizam informações que ainda precisam de muita pesquisa no longo prazo. Algumas pessoas utilizam esses modelos usando, por exemplo, para plantios de eucalipto clonal no Brasil, fatores de florestas plantadas com E. globulus na Austrália.

As equações de biomassa que são importantes para prever a qualidade da madeira e também a remoção de gases do efeito estufa apresentam muita pesquisa a ser feita, principalmente quanto aos modelos que ainda não estão pacificados assim, como a coleta de dados com variáveis auxiliares (densidade básica da madeira, por exemplo). 

Uso de espectrômetros portáteis de campo, para caracterizar as propriedades da madeira, sem a necessidade de coleta de amostras e custos laboratoriais deve ser pesquisado. Planejar o abastecimento com madeira com alta homogeneidade (inferior a 3% entre amostras de um mesmo lote) permite ganhos extras no rendimento do processo de polpação, por exemplo. Mesmo as equações de volume devem ser revisitadas, assim como os sistemas de processamento e entrega de informação devem ser mais abertos e permitam que os engenheiros florestais possam desenvolver novos modelos, assim como gerar relatórios que sejam mais customizados e com maior rapidez.
 
Para concluir, o Brasil desenvolveu, nas décadas de 1970 e 1980, um sistema de inventário florestal com sólidas bases científicas, o qual, até hoje, não apresentou grandes implementações ou melhorias. Uma “melhoria” que implementada foi a mudança de parcelas retangulares de tamanho variável e número fixo de árvores por parcelas circulares com área fixa. Isso foi feito sem um estudo mais detalhado do possível viés que essa mudança poderia ocasionar. Transformar todas as informações de um inventário, inclusive o recebimento da madeira na fábrica em massa, pode ser o grande desafio de um novo sistema de inventário florestal.