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Mário Donizetti de Sousa

Diretor de Assuntos Corporativos, Meio Ambiente, Segurança e Saúde Ocupacional da Arauco do Brasil

Op-CP-36

Trazendo a sustentabilidade para o dia a dia

Acabei de googlear a palavra “sustentabilidade” e encontrei 9,5 milhões de resultados. Para "sustainability", 42 milhões. Busquei na internet algumas entrevistas de líderes de negócios, líderes sindicais, líderes sociais, representantes de ONGs e políticos e, invariavelmente, lá está a expressão “sustentabilidade”, em todo contexto possível e imaginável.

Tal qual como já mencionado pelo comentarista da CBN Max Gehringer, existem palavras ou expressões que parecem chiclete, ou seja, podem ser esticadas em qualquer direção e grudadas em qualquer lugar. Segundo a consultoria internacional Mckinsey&Company, em sua pesquisa How companies manage sustainability: McKinsey Global Survey results, de 2010, a maioria das companhias pesquisadas não está ativamente gerenciando o tema sustentabilidade, apesar de grande parte dos executivos o considerar relevante para seus negócios.

A falta de uma definição clara sobre sustentabilidade para os negócios é apontada como uma das razões. De fato, faz todo sentido: todos nós que trabalhamos em companhias privadas sabemos que, sem definições claras e, portanto, sem o envolvimento dos principais executivos, sem sistematizações, sem processos definidos, sem responsabilidades designadas e sem follow up, qualquer iniciativa terá chance zero de perdurar em uma organização – estará mais para “discurso chiclete” do que iniciativa estratégica.

“Fazer a sustentabilidade acontecer” requer, portanto, um entendimento básico do que isso significa para cada companhia em particular. Algumas grandes empresas, através de erros e acertos, já encontraram um caminho claro para a aplicação do conceito de sustentabilidade em suas operações, o que já é considerado uma vantagem competitiva, segundo a pesquisa da Mckinsey. Para a maioria das empresas, no entanto, o trabalho de casa ainda é extenso e começa pelas definições mais básicas.

Não existe, naturalmente, uma receita pronta de sustenta-bilidade e que sirva a todos, mas, a partir das experiências boas e não tão boas daquelas empresas que avançaram primeiro, podemos considerar alguns elementos básicos que deveriam ser considerados em qualquer estratégia séria.

Diversas publicações e conceitos estabelecidos por pensa-dores contemporâneos seriam de grande ajuda nessa cons-trução, e, portanto, usarei alguns poucos, porém importantes, apenas para um adequado embasamento das principais perspectivas aplicáveis a esta discussão, a qual está limitada a processos e operações.
 
Considerações econômicas e sociais: Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia de 1976, em seu artigo de 1970, no jornal The New York Times, afirmou que a única responsabilidade social de um negócio seria aumentar seus lucros sempre dentro das regras do jogo, ou seja, envolvendo-se em competição aberta e livre, sem enganação ou fraude.

Muitos discutiriam se essa seria realmente a única responsabilidade social de um negócio, mas o cumprimento das “regras do jogo” apontado por Friedman é a base irrefutável para um modelo de governança minimamente sólido, ainda hoje perseguido por várias companhias. Peter Drucker, em 1992, se bem concordando que a perfor-mance econômica seria a primeira responsabilidade de um negócio, avança sobre a argumentação de Friedman e expande o conceito de responsabilidade de um negócio para além do retorno aos acionistas.

Já Michael Porter e Mark Kramer, em seu trabalho sobre valor compartilhado na Harvard Business Review, ao início de 2011, reconfiguram o conceito de responsabilidade das empresas no que chamam de reinvenção do capitalismo e caminho para inovação e crescimento através de políticas e práticas que melhoram a competitividade das companhias, enquanto, simultaneamente, trazem progressos econômicos e sociais para as comunidades onde operam.

Considerações ambientais: Em 1987, o relatório da ONU Our common future popularizava a definição conceitual de desenvolvimento sustentável: “satisfazer as necessidades atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfação de suas próprias necessidades”. Fundamentalmente, é o objetivo mais direto do que hoje chamamos de sustentabilidade.

Os objetivos do milênio, lançados posteriormente no ano 2000 pela ONU, estão intimamente relacionados a esse conceito. A temática ambiental, que já era vista como importante, passou a ganhar ainda mais força em todo o mundo após a intensificação dos estudos sobre mudanças climáticas na década de 1990.

Mas, de fato, os discursos inflamados não se tornaram, necessariamente, ações ambientais eficientes. Anthony Giddens, sociólogo inglês, defende, desde a última década, que as políticas ambientais precisam ser incorporadas ao dia a dia da política real, fazendo com que os temas ambientais sejam parte das estruturas de direitos e responsabilidades que constituem o contrato de cidadania entre governos e cidadãos.

Também inglês, o naturalista David Attenborough, famoso apresentador de documentários da vida selvagem, trouxe tons mais escuros à temática ambiental em uma entrevista ao jornal britânico The Telegraph, em janeiro de 2013, ao afirmar que "a raça humana é uma praga na Terra e que a limitação do crescimento populacional seria uma ação necessária".

Digerindo essas perspectivas em um contexto empre-sarial: Mais do que contradições entre Friedman, Drucker e Porter, suas teorias podem ser vistas como etapas que devem ser percorridas pelas empresas em sua busca contínua pela sustentabilidade. Nenhum deles abandona o fato de que a performance econômica é a primeira responsabilidade de uma empresa, ou, como diria Drucker: “um negócio que não apresenta lucro no mínimo igual ao seu custo de capital é socialmente irresponsável.

Desperdiça recursos da sociedade”. Porter e Kramer destacam, por sua vez, que a criação de valor compartilhado tem, como pré-requisito a conformidade legal e com padrões éticos, assim como a mitigação de qualquer impacto indesejado causado pelo negócio. Em resumo, o cumprimento das regras do jogo é uma etapa inegociável em qualquer contexto e serve como alicerce para novas e mais amplas iniciativas.

Na perspectiva ambiental, há de se entender o conceito original de desenvolvimento sustentável exatamente como uma missão: o propósito de todos nós engajados em uma visão futura de um planeta sustentável. Giddens nos alerta que o assunto ainda não “aterrissou” na agenda diária de governos e cidadãos, e Attenborough, por outro lado, expressa o sentido de urgência, em razão da nossa imobilidade e ineficiência nesse assunto.

A mensagem é clara: se a primeira responsabilidade ambiental de uma empresa é a gestão de seus próprios impactos, não há como se isolar do mundo externo.  A partir da análise das perspectivas econômicas, sociais e ambientais e das experiências de grandes empresas, podemos considerar três etapas típicas para a operacionalização da sustentabilidade (não levando em conta as especificidades de cada organização):

 

  • Liberdade para operar: é, sem dúvida, o que deve vir primeiro e significa permanecer dentro das regras do jogo. Trata-se do conjunto de ações necessárias para assegurar a perenidade de um negócio, ou seja, da satisfação dos requerimentos mínimos de todas as partes fundamentalmente interessadas (acionistas, autoridades, funcionários, clientes e comunidades). Para isso, é requerido o cumprimento disciplinado de um arcabouço extenso e complexo de leis, códigos e práticas relacionados à condução responsável de um negócio e a identificação, a avaliação e a mitigação dos impactos causados ao meio ambiente e à comunidade local.
     
  • Gestão da área de influência: uma vez alcançado um nível adequado de conformidade dos aspectos mais básicos para a perenidade de um negócio, cabe à empresa considerar o avanço da sua área imediata de influência, assegurando que o mesmo esforço requerido em sua busca pela “liberdade para operar” seja também realizado por toda a sua cadeia de fornecimento, o que, convenhamos, traz consigo uma complexidade relevante, já que, em geral, inclui outras empresas em estágios diversos de desenvolvimento e interesses. Nessa fase, espera-se, também, uma ação mais ativa da empresa junto à comunidade local, integrando-se e entendendo melhor os problemas, dificuldades e potencialidades e participando das discussões para o desenvolvimento local. Seria o momento, também, de assumir o compromisso de cumprimento do Pacto Global da ONU e de definir metas, tanto para a redução continuada de emissões quanto para o uso racional de recursos naturais. Além disso, a empresa já poderia começar a exercer uma função mais atuante em suas respectivas associações de classe, fomentando a busca do diálogo com governo e sociedade para definição de uma agenda séria da temática ambiental em todos os segmentos.
     
  • Iniciativas de valor compartilhado: nesse estágio, uma empresa está em condições de considerar a adoção do modelo definido por Porter e Kramer, ou seja, de buscar a criação de valor compartilhado para a região onde opera. Essa etapa implica uma forte simbiose entre empresa, comunidade e administração pública e tem como premissa um forte trabalho conjunto, um engajamento e uma racionalidade de gestão que, em geral, são ainda pouco comuns no cenário nacional. Trata-se de algo muito novo, e os primeiros cases estão justamente começando a ocorrer. O tempo se encarregará de mostrar a eficiência do modelo e os caminhos que as empresas deverão considerar no futuro.

Essas etapas, se bem sequenciais, aceitam sobre-posições, e a decisão do momento correto de sua aplicação dependerá de avaliações precisas dos times executivos de cada empresa. Não é possível, no entanto, iniciar a etapa seguinte sem alcançar um nível mínimo de maturidade e robustez no passo anterior.

Com esse roteiro básico recebendo os ajustes requeridos em cada empresa, bastará conduzir sua implantação através das etapas formais que todos nós conhecemos: compromisso dos acionistas e altos executivos, envolvimento de todos os funcionários, inserção do tema no planejamento estratégico e sistemas de gestão e, por fim, aplicação de uma forte disciplina de seguimento. Dessa forma, será possível abandonar o “discurso chiclete” e passar a trabalhar a sustentabilidade como uma iniciativa estratégica... de verdade.