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José Luiz Stape

Professor de Pós-Graduação da UNESP-Botucatu

OpCP72

Mudanças climáticas e a produtividade florestal brasileira
Os ganhos de produtividade alcançados pelo setor florestal brasileiro, notadamente na eucaliptocultura, entre o final da década de 1960 e década de 1990, foram expressivos, saltando de uma média de 15 m³/hectare/ano para mais de 45 m³/hectare/ano. Esses ganhos são creditados tanto ao aprimoramento do manejo (preparo e fertilização de solo, proteção contra ervas daninhas e pragas) quanto ao melhoramento genético (via florestas seminais ou clonais). 

Nesse período, as experimentações focavam apenas na produtividade final (abordagem determinística), sem grandes delineamentos ou hipóteses sobre o processo de crescimento das florestas (abordagem ecofisiológica), e obtiveram êxito pois o ciclo florestal era rápido e havia ainda sobra de recursos ao crescimento dos genótipos.

Após a primeira década de 2000, notou-se uma “estagnação”, ou mesmo queda, na produtividade florestal, o que freou as “expectativas” de ganhos crescentes do setor, impondo uma realidade já alardeada pela área de modelagem ecofisiológica desde o início da década de 1990 com estudos sobre irrigação e fertilização de florestas e sua modelagem processual. 

Felizmente, o setor florestal havia, via programas cooperativos BEPP e TECHS (Ipef), iniciado desde o ano de 2001 a busca real dos controles de crescimento da floresta, seja genético ou de recursos abióticos disponíveis (água, temperatura, nutrição, radiação) ou dos fatores bióticos prejudiciais (pragas e doenças).

Tais projetos identificaram claramente que, salvaguardada a adequada escolha, preparo e fertilização do solo, recai sobre os recursos hídricos (déficit hídrico) e térmicos (altas temperaturas) as principais causas da restrição ou queda da produtividade florestal, e que há extrema e significativa interação Genótipo versus Ambiente (G x A). 

Paralelamente, projetos cooperativos de proteção florestal como PROTEF (Ipef) registraram o efeito na queda de produtividade de florestas com clones susceptíveis a novas pragas e doenças, principalmente exóticas. Esses estudos evidenciaram, assim, o quão necessário é uma “Rede Experimental” para compreender como os fenômenos ambientais afetam os clones, agora mapeados até nível genômico. 
 
Assim, novas redes surgiram, como a Rede G2M2P2 (Stape et al 2019, 2023) testando mais de 200 clones de eucaliptos em 18 regiões edafoclimáticas do Norte, Nordeste e Sudeste. A figura ao lado mostra que em todos os 18 sítios estudados, há sempre clones mais produtivos que o clone I-144 (o mais plantado no Brasil), evidenciando que há potencial de melhoria da produtividade nacional, sob o clima atual, desde que haja o devido compartilhamento e correta alocação G x A. 
 


Com redes tão amplas, é possível ainda realizar estudos com variáveis ambientais de forma “contínua” e seus efeitos sobre os genótipos, indo ao encontro às novas linhas de pesquisa em G x A associada à espacialização dos resultados via uma malha genômica, o “Enviromics” (Resende et al. 2019). 
 
Esses desafios técnico-científicos, e operacionais, da manutenção, ou aumento da produtividade, que já existem “sob o clima atual” se tornam ainda mais complexos quando incorporamos a incerteza futura do ambiente climático em que as futuras florestas crescerão. As chamadas mudanças climáticas representam o aumento da energia na atmosfera com o aprisionamento de mais calor pelos gases de efeito estufa, acarretando mudanças nos padrões de clima (chuva, temperatura, vento, umidade relativa) e no aumento de suas variações extremas. Independentemente da causa, seja antrópica (por efeito de desmatamento e uso de combustíveis fósseis) ou natural, o importante do ponto de vista florestal é saber como tamponar seus efeitos quando e onde ocorrerem. 

Os mapas da América do Sul, na página anterior, ilustram o que significa espacialmente uma mudança climática “drástica” no Brasil, dentre os vários modelos e cenários possíveis, evidenciando a expansão dos tipos climáticos Koppen mais secos e erráticos como os do semi-árido (BSh, BWh) e os tropicais com período seco (Aw, Am) sobre os subtropicais, indicando situações de maiores estresses hídricos e térmicos.

Dessa forma, a expectativa e previsibilidade da produtividade se tornam mais espaço-específica (onde?) e tempo-específica (quando?) e ambas associadas às probabilidades de cenários. Assim, parece-nos que não há muito o que se possa pragmaticamente fazer. Mas há, e é a uma ampla Rede Experimental G x A. Assim uma Rede Experimental, bem desenhada em termos de abrangência genética (número de clones ou parentais) e ambientais (número de sítios edafoclimáticos) irá propiciar não só a caracterização do desempenho dos materiais genéticos nos ambientes atuais (mostrados na primeira ilustração também da página anterior), mas propiciar a “interpolação” ambiental entre os sítios. 

A imagem acima, derivada da rede TECHS (Ipef), mostra que o sítio identificado como ponto preto se moveria climaticamente em direção a diferentes sítios se houver redução de precipitação (-P), aumento de temperatura (+T) ou ambos (+T-P). Com isso, se saberia quais clones passariam a ser “não mais recomendados no sítio” e quais clones passariam a ser “recomendados no sítio”.

Tudo parece simples, mas não é. Um planejamento e administração de uma rede assim requerem conhecimento científico forte do ambiente-manejo, e do melhoramento-genômica, com união dessas áreas feitas necessariamente pela fisiologia das árvores e ecossistema, via modelos ecofisiológicos, os quais estão cada vez mais completos e mais bem parametrizados. 
 
E cremos, sem dúvida, que se há um país com enorme capacidade de trabalho conjunto, cooperativo, é o Brasil. Porém, estamos carecendo de mais ciência e educação florestal para que saibamos usar e interpretar os enormes bancos de dados hoje já disponíveis, e os maiores ainda que virão com delineamentos poderosos como esse. 

Finalmente, um grande facilitador para as validações desses modelos e iniciativas é o manejo orbital, ou seja, o rastreamento contínuo sob diferentes canais óticos do dossel de nossas florestas, captando seu estado de desenvolvimento, estresse e sanidade, e que retroalimentam e aceleram os conhecimentos espaciais que necessitamos para enfrentarmos de forma preventiva, racional e objetiva as mudanças climáticas. A importância do setor florestal é tal que, é nossa opinião, não podemos protelar ainda mais esses grandes planejamentos experimentais a nível nacional.