Me chame no WhatsApp Agora!

Fernando Carazza

Professor de Química Orgânica da UF-MG

Op-CP-12

As riquezas das fumaças do carvão vegetal

As crises geradas pelos constantes aumentos dos preços do petróleo trouxeram para a humanidade uma consciência aguda da precariedade do nosso modus vivendi, fundamentado sobre fontes energéticas não renováveis. Na esteira dos problemas energéticos surge também preocupações com os insumos para a indústria química.

De novo, a biomassa é lembrada como uma fonte alternativa renovável a ser explorada e, como pontos proeminentes desta alternativa, ressaltam as florestas cultivadas. As plantas lenhosas são constituídas, principalmente, pela celulose, hemicelulose e lignina, concentrados de tal modo, que é fácil recolhê-los sob a forma de troncos das árvores.

Os troncos podem ser guardados e constituem uma forma adequada de armazenar energia solar e matéria-prima orgânica. O primeiro processo químico desenvolvido pelo homem para o aproveitamento desta energia foi a fabricação do carvão vegetal, usado pelos primitivos como combustível, sem fumaça. A carbonização é fundamentalmente um processo de decomposição térmica dos constituintes da madeira, na ausência de oxigênio. No início do aquecimento, a madeira é apenas secada.

Com o aumento da temperatura, as estruturas da celulose, hemicelulose e lignina começam a se decompor, dando origem a uma grande variedade de substâncias voláteis e um sólido - o carvão vegetal. Em média, apenas 30% da massa é convertida em carvão e os 70% restantes são lançados na atmosfera, sob a forma de fumaças.

A recuperação e utilização de subprodutos presentes nas fumaças remontam aos tempos do Egito dos faraós. A carbonização da madeira era utilizada não só para produzir carvão, mas também o alcatrão e o ácido pirolenhoso, sendo este usado nos embalsamamentos. Houve um tempo em que produtos, como ácido pirolenhoso, alcatrão, ácido acético, metanol, acetona, etc., foram produzidos industrialmente, por destilação da madeira, e comercializados com bons lucros, apesar das instalações primitivas das indústrias.

Após o início da produção do metanol e do ácido acético sintéticos, houve um grande esforço no desenvolvimento dos processos de recuperação e purificação eficiente dos subprodutos; entretanto, foi impossível vencer a concorrência. Atualmente, o metanol e o ácido acético, oriundos da carbonização, não têm expressão comercial. O Brasil, com uma produção anual de 35 milhões de m3 (8,75 milhões de toneladas) de carvão vegetal (AMS/2006), tem, neste processo, um potencial significativo para o uso racional da biomassa.

Para isto, bastaria recuperar os subprodutos, principalmente o alcatrão, que pode ser usado como insumo energético renovável. À proporção de 200 kg/t de carvão vegetal produzida, poderiam ser geradas 1.750 mil toneladas de alcatrão/ano. Considerando a densidade do alcatrão igual a um, a produção seria de 1.750 milhões de litros, ou seja, cerca de 11 milhões de barris de alcatrão/ano.

Sendo que a energia contida no alcatrão, 65% daquela apresentada pelo petróleo, poderia ser obtida em uma quantidade de energia equivalente a 7,15 milhões de barris de petróleo, os quais gerariam uma receita de 858 milhões de dólares/ano, nos preços praticados ultimamente (US$ 120). Embora os dados do exercício acima sejam animadores e o uso do alcatrão como combustível seja de fácil desenvolvimento, a produção de carvão vegetal é bastante dispersa e a cultura de recuperação do alcatrão é muito pouco difundida e incentivada.

A idéia do uso do alcatrão vegetal como combustível exigirá a criação de plantas, onde fosse concentrada a produção e realizada a desidratação do mesmo. Com a produção de 8,75 x 106 t de carvão, poderiam ser recuperados o alcatrão (1.750 x 106 t) e, aproximadamente, 2,6 milhões de toneladas de ácido pirolenhoso. O ácido pirolenhoso é uma solução aquosa, contendo cerca de 10% de compostos orgânicos ácidos, carbonílicos e fenólicos.

Com composição comparável a uma solução de matéria (ácidos húmicos e fúlvicos) orgânica ultradecomposta, vem sendo usado como insumo agrícola. De fato, estudos confirmam as atividades quelante, fungicida, aleloquímica etc., do ácido pirolenhoso. Sendo ácido, é recomendado como redutor de pH de caldas e seu uso correto é uma forma possível para minimizar custos na agricultura.

O alcatrão in natura praticamente não tem outra aplicação, a não ser o uso como insumo energético. Entretanto, como o petróleo, pode ser fracionado e utilizado como insumo químico pelas indústrias químicas, farmacêuticas e de alimentos. Os primeiros fracionamentos do alcatrão levaram a cinco frações: uma aquosa, três oleosas e uma residual, denominada piche vegetal.

A primeira contém o ácido pirolenhoso, com acidez controlada, permitindo uma formulação mais adequada dos produtos destinados à agricultura. As frações oleosas, com seus aromas característicos, pungente, adocicado e “bacon”, vêm sendo utilizadas na formulação de aromas de fumaças, usados em produtos com sabor de defumado.

Com uma das frações oleosas, é preparado o “creosoto vegetal”, usado no Japão no tratamento distúrbios intestinais; em laboratório, foram obtidas quase uma centena de substâncias novas, a partir de constituintes do alcatrão. Já o piche vegetal vem sendo usado como veículo em produtos veterinários e na produção de refratários. Pesquisas mostram que o piche pode ainda ser utilizado no preparo de elastômeros, espumas flexíveis, revestimentos e fibras de carbono. Os fatos relatados mostram que os esforços para introduzir a recuperação de subprodutos, iniciados em Minas Gerais, durante primeira crise do petróleo, e mantidos até hoje pela V&M do Brasil, Biocarbo e UFMG, podem, neste novo momento de crise, ser aplicados para o uso mais racional da biomassa.