Me chame no WhatsApp Agora!

Jorge L Colodette e Fernando J Borges Gomes

Professor Titular da UF-Viçosa e Professor Produtos Florestais da UF-Rural do Rio de Janeiro, respectivamente

Op-CP-49

Oportunidades de integração
O grande desafio da civilização para se tornar uma sociedade mais sustentável está não somente na intensificação do uso de recursos renováveis em substituição aos combustíveis fósseis, mas também em como utilizá-los de forma racional e integral. Nesse contexto, surge o conceito de biorrefinaria, que visa a conversão de biomassas em uma gama de produtos, tendo como premissas o baixo desperdício e as mínimas emissões. 
 
Esse conceito é idealmente aplicado à indústria que processa matérias-primas obtidas de fontes renováveis (cana-de-açúcar, madeira, bambu, etc.) em produtos de maior valor agregado (combustíveis avançados, materiais e produtos químicos). Esse conceito é, portanto, análogo ao praticado nas refinarias convencionais, as quais obtêm múltiplos produtos a partir do petróleo. 
 
Assim como o que ocorre nas petroquímicas, ao se obter múltiplos produtos a partir de uma matéria prima em comum, há uma maximização do valor desta, o que aumenta a sustentabilidade industrial e também colabora para a saúde financeira dos empreendimentos.
 
Uma visão comum dos setores acadêmicos e industriais é a de que um dos segmentos mais adequados à implantação das plataformas de biorrefinaria é a indústria de polpa celulósica, pelo fato de possuir grande experiência e consolidadas tecnologias na produção, colheita, transporte, armazenamento e no processamento de grandes volumes de biomassa lignocelulósica (madeira).
 
Além disso, as unidades industriais de conversão da madeira em polpa celulósica já possuem a infraestrutura para a desconstrução da biomassa por processos químicos que estão dentro de padrões e normas consolidados internacionalmente. Mas, para que a indústria de polpa celulósica se transforme de fato em uma plataforma de biorrefinaria, ainda é necessário modificá-la, tornando a sua infraestrutura ainda mais complexa e convertendo-a em uma verdadeira unidade de desconstrução de biomassas com múltiplas possibilidades e rotas tecnológicas.
 
Baseando-se no modelo de uma indústria de polpa celulósica, na qual a madeira é a principal matéria-prima, é possível criar um exemplo de plataforma de biorrefinaria, que contemple mínimas perdas de biomassas e obtenção de múltiplos produtos. Para isso, toda a logística de industrialização da madeira deve ser contemplada, incluindo usos de resíduos oriundos da colheita e do pré-processamento da madeira, bem como resíduos dos processos fabris.

Envolvendo assim, a composição majoritária da madeira – celulose, hemiceluloses, lignina e extrativos – e os potenciais usos de seus componentes, utilizando-se do conceito da biorrefinaria florestal. O aproveitamento integral da madeira já começa na colheita florestal na qual uma fração significativa de resíduos (pontas, galhos, cascas etc.), hoje mal aproveitados, poderá render produtos de alto valor agregado.
 
No pré-processamento da madeira são também geradas quantidades substanciais de resíduos que hoje são utilizados para produção de vapor/energia por queima direta, mas que teriam potencial para aplicações de maior expressão. Os cavacos industriais como conhecemos hoje, ou de uma outra forma e tamanho, a depender do processo de desconstrução de biomassa escolhido, passarão por uma unidade de desconstrução com vistas a separar de maneira pura os principais componentes da madeira.

Essa unidade seria o coração da unidade industrial, mas até o presente não existe uma técnica concreta e eficiente para vencer tal desafio. As técnicas conhecidas e comprovadas de polpação da madeira, que são basicamente aquelas desenvolvidas no curso de mais de 100 anos de pesquisas, certamente não fazem muito bem a separação completa dos componentes da madeira. 
 
Ao fazê-la de maneira ineficiente, deixam grandes quantidades de resíduos que podem, em princípio, ser aproveitados de forma eficaz, utilizando-se do conceito de biorrefinaria. Naturalmente, as técnicas de separação dos componentes da madeira têm evoluído muito nos últimos anos com o desenvolvimento dos líquidos iônicos, dos solventes eutéticos (DES) e outros solventes verdes tais como a gama valerolactona (GVL), com enorme potencial de separar os componentes da madeira de forma seletiva, porém ainda figuram como promessas.

Uma vez desenvolvidas técnicas seletivas de separação dos componentes principais da parede celular, seria em princípio possível praticar os mesmos conceitos hoje empregados nas petroquímicas, tendo como material base a madeira em vez do petróleo. No caso da celulose, o componente principal da parede celular, é possível a obtenção de materiais em escalas micrométricas e nanométricas tais como filamentos de celulose (CF), celulose nanofibrilada/microfibrilada (CMF/CNF) tradicional e modificada por oxidação (TCMF/TCNF) e por lignina (LCMF/LCNF), celulose nanocristalina (CNC), etc. 
 
Por outro, com uma celulose mais pura seria possível avançar para além de seus derivados tradicionais tais como éteres, ésteres e xantatos utilizados na indústria têxtil e de filamentos, ampliando-se largamente o uso da celulose de madeira na indústria têxtil. Os grandes avanços, porém, deverão surgir na utilização da celulose como uma fonte de glicose para inúmeras aplicações na indústria química, com a produção de produtos de alto valor agregado tais como os químicos (GVL, HMF, ácidos succínico, levulínico, lático e propiônico, aerogéis), e também produtos de menor valor agregado tais como os biocombustíveis (etanol, butanol e biojet fuel). 
 
Das hemiceluloses, quando extraídas na forma polimérica, será possível preparar aditivos para a fabricação de papel, produzir biofilmes, carboximetilxilanas, hidrogéis, etc. Quando extraídas na forma monomérica/oligomérica as hemiceluloses podem ser usadas na fabricação de produtos químicos de alto valor tais como furfural (um produto que não é fabricado de derivados de petróleo), xilitol e outros produtos químicos valorosos. 
 
Por outro lado, os oligômeros derivados de hemiceluloses podem ser usados em aplicações de alto valor nas indústrias farmacêutica e nutracêutica. Monômeros de hemiceluloses tais como xiloses, manoses e galactoses podem também ser usados na fabricação de biocombustíveis. A lignina, por sua vez, já ocupa um papel de destaque nas estratégias de biorrefinaria, principalmente devido ao seu amplo espectro de utilização e grande volume de estudos já realizados. 
 
Para alguns tipos de lignina, como a obtida pelo processo de polpação sulfito e denominada de lignosulfonatos, já há um mercado consolidado com “1001” aplicações. Para a lignina kraft há também uma grande possibilidade de aplicações que contemplam usos na obtenção de materiais (fibras de carbono, carbonos técnicos, bioplásticos, adesivos, etc.), produtos químicos (lignosulfonatos e dispersantes, fenóis, BTX,  etc.), combustíveis (syngas, bio-óleos, bioquerosene, etc.) e como ligante na produção de materiais energéticos (pellets, briquetes, etc.), por exemplo. 
 
Essas inúmeras aplicações de alto valor têm encorajado empresas a investirem em instalações para extração de lignina do licor negro kraft mundo afora, com três unidades já em funcionamento e uma em fase de construção no Brasil, com previsão para o ano de 2018. 
 
Note que para fazer tantos produtos a partir da lignina kraft é necessário que ela seja grandemente modificada, utilizando-se técnicas de fracionamento e purificação, despolimerização, remoção de odor, remoções de sódio e enxofre, descoloração, melhoria de solubilidade, etc. Muitos avanços científicos são ainda necessários para viabilizar a lignina em grande escala.
 
Por fim, os extrativos também possuem uma ampla gama de utilizações já consolidadas no mercado, bem como possibilidades de novas aplicações, e isso se deve principalmente à sua composição química muito complexa e variada (ácidos graxos, terpenos, álcoois, açúcares, etc.). Exemplos de algumas classes de extrativos que já possuem aplicações industriais são a terebintina, breu, taninos, suberina, látex, etc. Com novos produtos a serem obtidos dos extrativos, por exemplo, é possível a obtenção de biocombustíveis como o biodiesel. 
 
Na verdade, existe uma planta em operação na Finlândia produzindo o biodiesel (BioVerne) a partir do tall oil extraído de madeiras de coníferas, cuja resina permite também a obtenção do dimetil éter (DME).  O DME poderá ser um importante substituto para o diesel derivado do petróleo.

Outros produtos de grande valor obtido das resinas de coníferas são os ácidos graxos e resinosos que, quando separados, podem gerar produtos de altíssimo valor agregado. Álcoois graxos são também de grande valor para a indústria de cosméticos e farmacêutica. A venda do CTO (tall oil cru) proveniente das madeiras de coníferas – popular sabão –, é uma prática da nossa indústria que precisa ser evitada, em favor de usos mais tecnológicos. 
 
De fato, o que observamos hoje junto à indústria de polpa celulósica é um olhar atento a todas as possibilidades que a integração das plataformas de biorrefinaria pode proporcionar, já sinalizado por meio de plantas demonstrativas e até mesmo em escala industrial, somando esforços para aumentar a eficiência energética e minimizar perdas; contudo, essas iniciativas são ainda muito isoladas e fechadas.

Espera-se que, em um futuro próximo, as indústrias de polpa celulósica possuam uma tecnologia mais aberta, focando em parcerias que tenham premissas inovadoras e possam promover um uso mais eficiente dos recursos renováveis, incluindo o uso de todas as perdas potenciais e a obtenção de produtos de alto valor agregado que maximizem o retorno e a sustentabilidade dos empreendimentos.