Uma pauta tão importante como a evolução, ou a revolução, que o sistema florestal brasileiro sofreu nas últimas duas décadas poderia ser tema para algumas edições da Revista Opiniões. Aliás, se o leitor atento buscar edições anteriores, comprovará esse salto, seja no conteúdo e na amplitude dos temas, no porte dos anunciantes, na gama de articulistas convidados e na história que já foi contada.
Ou seja, o sistema se modernizou, e a pujança do setor florestal é sentida pelo peso que esse setor tem na economia, na geração e no compartilhamento de renda, na preservação da biodiversidade e no leque de biopossibilidades que as árvores podem prover, como costumamos falar na Suzano. Mas, como nada vivo pode ser estático, temos alguns desafios, e o ”sistema” precisa constantemente se modernizar.
Nesse sentido, pretendo discorrer um pouco sobre o que chamo de ”início da cadeia”, mais especificamente no sistema de produção e comercialização de mudas florestais, que, na minha opinião, precisa de um olhar atento, seja pelos próprios produtores de mudas, do mercado consumidor (de grandes e médias empresas florestais até os clientes pessoa física), passando também pelo necessário sistema de regulação e fiscalização.
A produção e a comercialização de mudas são reguladas pela Lei de Sementes e Mudas, Lei Nº 10.711, editada em agosto de 2003 (importante citar que a primeira Lei Federal sobre o tema foi a Nº 4.727, de julho de 1965), sendo que sua concepção se deu num momento em que o setor de florestas plantadas já era muito relevante, mas não tão bem articulado como hoje. Além disso, uma característica importante dessa Lei é que ela nasceu muito mais focada na questão de regulação do mercado de sementes agrícolas e menos em mudas.
Parte desse foco inicial no setor agrícola, além da enorme pirataria de sementes que já existia na época, poderia se justificar pela aparente facilidade de controle, uma vez que o número de players é bem mais reduzido quando comparado com o mercado de mudas, que conta com uma dispersão geográfica e um número de espécies vegetais muito maiores que o mercado de sementes.
Assim, considerando a relevância do agronegócio para a economia brasileira e algumas vulnerabilidades, como a citada pirataria de sementes, era urgente regular esse mercado, incluindo mecanismos de controle da produção e sistema de punição da ilegalidade. Esse legítimo movimento já era visto com "bons olhos", para a modernização necessária, para dar as garantias de que o sistema necessita.
Entretanto, quando colocamos lupa no maior mercado de mudas florestais, de pínus e eucaliptos, notamos uma primeira, grande e fundamental diferença em relação aos sistemas de culturas agrícolas: no caso das espécies florestais, temos um processo quase totalmente verticalizado, em que as empresas são desenvolvedoras e detentoras dos materiais genéticos, possuem estruturas próprias de produção de mudas, quase exclusivamente essa produção de mudas é voltada para o consumo próprio e, por fim, a madeira produzida visa atender e abastecer suas próprias fábricas. Esse modelo é completamente diferente da maior parte das sementes e mudas do agronegócio, onde se tem claramente atores distintos, inclusive com poder econômico e político bastante desbalanceado.
Um pouco posterior à elaboração da Lei de Sementes e Mudas, outra importante discussão sobre o tema se desenvolveu, culminando com a promulgação da Lei de Proteção de Cultivares (Lei Nº 9.456/1997). O objetivo, à época, era de garantir os direitos para quem investia em inovação e no desenvolvimento de novas cultivares vegetais, garantindo os direitos dos detentores dos materiais genéticos. Guardadas as devidas diferenças, podemos dizer que a proteção de cultivares equivale a patentes, porém voltadas a plantas.
A questão de proteção de cultivares traz uma segunda diferença entre espécies florestais e agrícolas: enquanto o mercado de sementes agrícolas busca retorno através de royalties, o mercado de mudas florestais procura, através da proteção dos cultivares, garantir vantagens competitivas para quem investiu 15 ou 20 anos e alguns milhões de dólares no desenvolvimento de cultivares superiores. Considerando apenas os componentes de verticalização dos negócios e o custo e o tempo até a proteção de cultivares, dá para presumir que são poucos os detentores de cultivares de pínus e eucalipto atualmente.
Entretanto, como já aprendemos com vários articulistas que passaram pela Revista Opiniões, o setor florestal brasileiro continua crescendo. É bem verdade que andou de lado alguns anos atrás, mas os investimentos em novos empreendimentos florestais e novos aumentos de capacidades nas fábricas de celulose, energia e produtos de madeira voltaram a crescer. Só a Suzano, em 2022, está com um programa de plantio de 800.000 mudas por dia. Isso mesmo! É o maior programa de plantio que uma empresa já fez até hoje, no mundo todo.
E de onde vem tanta muda?
Obviamente, as empresas se modernizaram e aumentaram suas capacidades de produção de mudas, mas, cada vez mais, são incluídos viveiros parceiros na cadeia de suprimentos de mudas. Além de estratégico e comercialmente viável, é também uma forma de compartilhar o valor gerado. E esse ponto, de incluir viveiros parceiros, carece de um olhar atento no quesito modernização.
Há alguns anos, as únicas preocupações sobre o mercado de mudas florestais eram a disponibilidade e, algumas vezes, a qualidade. A situação mudou radical e drasticamente. Uma primeira grande preocupação diz respeito à origem do material genético e se ele é protegido ou não. Alguns casos de violação da propriedade intelectual de cultivares de eucalipto vieram à tona nos últimos anos, e o sistema reagiu com robustos contratos de produção de mudas, que buscam garantir que os clones desenvolvidos por uma determinada empresa não sejam compartilhados com terceiros.
Mas isso apenas não basta! Algumas empresas que terceirizam parte da produção de mudas criaram procedimentos baseados em controle de qualidade por análise de DNA, garantindo que recebem mudas dos clones certos. Isso gera um custo adicional para as empresas, mas existe a garantia de não ”comprar gato por lebre”. Esse ponto é muito sério, para evitar que uma empresa, por desconhecimento, compre mudas de clones protegidos de terceiros.
Outro ponto crítico diz respeito à sanidade das mudas. A qualidade, que antes era restrita a padrões visuais da muda (altura, homogeneidade e sanidade aparente), agora exige padrões de produção muito mais elevados, garantindo que as mudas sejam isentas de fungos, insetos, bactérias e vírus, que avançaram muito nas diferentes fronteiras florestais do País. Há casos de viveiros terceiros que servem como referência e modelo, até para muitas empresas do setor, mas isso não é regra.
A autorregulação do sistema de produção de mudas, que precisa de um suporte inicial do governo, também precisa se modernizar. Talvez falte muito pouco para que o principal insumo florestal, as mudas, seja tratado com a importância e o rigor que merece, mas já se avista uma articulação, trazendo luz ao tema. Aguardemos, para que a modernização comece do começo!