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Mario Mantovani

Diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS-Mata Atlântica

Op-CP-44

A mata Atlântica como ativo econômico
Originalmente, a Mata Atlântica cobria mais de 131 milhões de hectares do território nacional. Desse total, restam, hoje, 16 milhões de hectares (12,5%) do que um dia foi floresta. Os motivos para tamanha devastação recontam a própria história do Brasil. Desde o início da colonização, em 1500, passando por todos os ciclos econômicos, da cana-de-açúcar à industrialização e à urbanização, a história do desenvolvimento do País é também a história da devastação da Mata Atlântica. Há 30 anos, quando iniciamos o monitoramento do bioma, já conhecíamos essa relação entre um modelo equivocado de desenvolvimento e desmatamento, mas acreditávamos também que era algo que tinha sido deixado para trás. 
 
Entretanto, logo no primeiro levantamento, que analisou o período de 1985 a 1990, percebemos que estávamos errados. De lá para cá, tivemos suscetíveis quedas nos índices de desmatamento, fruto da mobilização da sociedade aliada à criação de importantes marcos regulatórios para a proteção da floresta, com destaque para a Lei da Mata Atlântica, promulgada em 2006, depois de 15 anos de tramitação no Congresso Nacional. Mas ainda não viramos essa página. 
 
Dados do último Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, divulgados no dia 25 de maio de 2016 pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mostram como o desmatamento da Mata Atlântica ainda é uma história contemporânea. O estudo tem patrocínio de Bradesco Cartões e execução técnica da empresa de geotecnologia Arcplan.
 
O Atlas apontou o desmatamento de 18.433 ha, ou 184 km², de remanescentes florestais nos 17 estados da Mata Atlântica, no período de 2014 a 2015, um aumento de 1% em relação ao período anterior (2013-2014), que registrou 18.267 hectares. Minas Gerais, que vinha de dois anos de queda nos níveis de desmatamento, voltou a liderar o ranking, com decréscimo de 7.702 ha (alta de 37% na perda da floresta). A vice-liderança ficou com a Bahia, com 3.997 ha desmatados, 14% a menos do que o período anterior. Já o Piauí, campeão de desmatamento entre 2013 e 2014, ocupa agora o terceiro lugar, após reduzir o desmatamento em 48%, caindo de 5.626 para 2.926 ha. 
 
A exemplo dos últimos anos, os três estados se destacam no ranking por causa do desmatamento identificado nos limites do cerrado. O Piauí abriga o município de Alvorada do Gurguéia, responsável pela maior área desmatada entre todas as cidades do Brasil. Entre 2014 e 2015, foi identificado decremento florestal de 1.972 ha no local. Os municípios baianos de Baianópolis (824 ha) e Brejolândia (498 ha) vêm logo atrás, seguidos pelas cidades mineiras de Curral de Dentro (492 ha) e Jequitinhonha (370 ha), localizadas na região conhecida como triângulo do desmatamento, que abriga ainda Águas Vermelhas (338 ha), Ponto dos Volantes (208 ha) e Pedra Azul (73 ha). 
 
Em Minas, a principal perda de florestas é devido à atividade de mineração. Um fato marcante foi o registro de um desmatamento de 258 ha na cidade de Mariana, 65% deles (169 ha) decorrentes do rompimento das barragens da mineradora Samarco, em novembro do ano passado. Em maio, a Fundação SOS Mata Atlântica entregou relatórios de desmatamento do município e de qualidade da água do Rio Doce a uma comitiva formada pelo Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, pelo prefeito de Mariana, vereadores e autoridades locais, durante visita à região. 
 
Mapas compilados em parceria com o INPE mostraram o impacto do maior desastre ambiental já ocorrido na Mata Atlântica. Além de Minas Gerais, Piauí e Bahia, o Paraná também se encontra em estado de atenção. Enquanto os três primeiros lideram a lista geral, o Paraná foi o que apresentou o aumento mais brusco, de 116%, saltando de 921 ha de florestas nativas desmatadas entre 2013-2014 para 1.988 ha no último período. O retorno do desmatamento nas florestas com araucária é o principal ponto de alerta, responsável por 89% (1.777 ha) do total de desflorestamento no estado. Hoje, restam somente 3% das florestas que abrigam essa espécie ameaçada de extinção.
 
Para piorar, nessa edição do Atlas, todos os 17 estados apresentaram desmatamento. Enquanto o levantamento anterior apresentou 9 estados no nível do desmatamento zero, ou seja, com menos de 100 hectares de desflorestamento, neste ano, há apenas 7 nessa situação: São Paulo (45 ha), Goiás (34 ha), Paraíba (11 ha), Alagoas (4 ha), Rio de Janeiro (27 ha), Ceará (3 ha) e Rio Grande do Norte (23 ha). 
 
Importante destacar que os 17 estados do bioma são signatários da carta “Nova História para a Mata Atlântica”, no qual as Secretarias de Meio Ambiente assumiram, em maio de 2015, o compromisso de investir em restauração florestal e alcançar o desmatamento ilegal zero até 2018. Passado o primeiro ano do pacto, os dados apresentados apontam o quanto ainda precisa ser feito para que essas metas se tornem uma realidade.  
 
A perda das florestas e dos serviços que prestam, como a conservação de recursos hídricos, tem impacto negativo e direto sobre a qualidade de vida dos moradores das cidades. Considerando que 72% dos brasileiros habitam a região originalmente coberta pela Mata Atlântica, preservar o que restou e restaurar o que se perdeu tornou-se uma questão de sobrevivência. 
 
O fato é que a Mata Atlântica que ainda resta de pé é um ativo econômico cada vez mais importante para o Brasil. A prestação de serviços que vão da polinização à conservação da água e da estabilidade dos solos também faz da floresta uma importante aliada da agropecuária, atividade da qual ainda dependem muitos dos estados da Mata Atlântica. E o bioma, o mais próximo dos grandes centros urbanos, traz ainda uma série de oportunidades para o ecoturismo, um potencial ainda pouco aproveitado no País.
 
Também não basta apenas contermos a destruição da floresta, agora é a hora de recuperar o que perdemos. Na SOS Mata Atlântica, temos investido nesse sentido. Nossos programas de restauração florestal plantaram 36 milhões de mudas que recuperaram 21 mil hectares, uma área equivalente à cidade de Recife. Mas essa é apenas uma contribuição, pois o desafio é coletivo. 
 
Só quando a agenda ambiental estiver no centro das decisões políticas, sociais e econômicas do País é que daremos um passo estratégico para que o Brasil se desenvolva de forma sustentável. Como aponta a carta “Nova História para a Mata Atlântica”, a sociedade não admite mais que o desmatamento de nossas florestas, um patrimônio nacional, seja o preço a pagar pela geração de riqueza. Do mesmo modo como nossa história se confunde com a da Mata Atlântica, nosso futuro também depende dela.