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Crismeire Isbaex e Sebastião Renato Valverde

Doutoranda e Professor de Engenharia Florestal da UF-Viçosa

Op-CP-43

As duas faces da certificação florestal
Os avanços tecnológicos da silvicultura e o manejo florestal sustentável fizeram com que o País se tornasse referência no mercado florestal internacional, exigente por produtos que não procedam de desmatamento ilegal e, de preferência, que venham de processos certificados. A certificação florestal (CF) é um processo voluntário em que o produtor se dispõe a seguir princípios e critérios (P&C) estabelecidos pelas certificadoras. Além disso, ela é uma excelente ferramenta gerencial, principalmente para planejamento e controle, um guia que possibilita maior competitividade, facilitando conquista de novos mercados.
 
A CF também é um instrumento de marketing, que garante um diferencial no mercado, provendo eficiência e conformidade com as expectativas do campo organizacional. Dificuldades à parte e independente da certificação, a busca da consolidação no mercado faz com que as empresas invistam em práticas mais sustentáveis, fazendo também com que elas se destaquem ao informar que seus produtos possuem origem sustentável.
 
Como todo processo de certificação, a CF veio para dar transparência e cristalinidade à procedência do produto florestal. A diferença entre a CF e demais processos de certificação é que estes nascem no elo inicial da cadeia produtiva – dos produtores –, como forma de ordenar um mercado desorganizado, ou seja, de separar o “joio do trigo” (por exemplo, os segmentos da produção de café, cachaça, etc.), enquanto aquela, dos elos finais – o segmento comercial das grandes redes atacadista e varejistas florestais. Logicamente, toda cadeia participa do processo de construção e revisão dos padrões da certificação junto às suas câmaras.

No entanto os precursores desse processo são os representantes comerciais. Nesse aspecto, a CF passou a ser também uma commodity lucrativa para as certificadoras. Em que pese às vantagens acima da CF, ela não deixa de ter seu lado negativo. A obtenção do selo tem sido morosos e onerosos processos de conformidade. Obviamente, o custo dela é inversamente proporcional à performance organizacional de uma empresa. De qualquer forma, não é um processo barato.

A alternativa para as empresas de menor porte driblarem esses altos custos seria a união por meio de associações. Mesmo assim, ainda enfrentariam o viés burocrático da CF, sobretudo quando ele se sobrepõe ao processo de licenciamento ambiental, algo que poderia ser dispensado quando o empreendimento for certificado, dado que as exigências da certificação ultrapassam as da legislação. No entanto ressalta-se que a certificação é um processo voluntário da esfera privada (entidades normatizadoras), e o licenciamento, uma exigência legal (normas de caráter obrigatório).

A CF foi muito estratégica até deflagrar a crise de 2008, quando os principais mercados consumidores de produtos florestais, norte-americano, japonês e europeu, valorizavam produtos de origem certificada. Mas, como a crise financeira global pegou em cheio esses países, restou o emergente mercado menos exigente dos países asiáticos e do BRIC. Praticamente, não há diferença nos preços dos produtos florestais entre o “bom” e o “mal” mercado. Nenhum deles está disposto a pagar mais por um produto diferenciado social e ambientalmente. O que vale é o menor preço. Daí, vende mais quem colocar o produto no mercado ao menor custo.

 
Talvez para a celulose, a CF ainda possa estar fazendo alguma diferença porque, como ela, não é obstáculo financeiro. Para esse segmento, só não se certifica quem não quiser. Sendo assim, também não há mais o diferencial em termos de marketing. Entretanto, para produtos sólidos da madeira, como serrados e laminados, pode ser que a CF esteja prejudicando as empresas certificadas.

Haja vista que o que importa é o menor preço, há uma concorrência desleal a favor das empresas não certificadas por adquirirem matéria-prima mais barata, dado que pode vir de desmatamento, sendo que isso é uma “não conformidade” maior perante os P&C da certificação. Talvez seja essa a razão pela qual quase todas as indústrias madeireiras da região Norte, outrora certificadas, ou faliram ou perderam o selo.

 
Outro problema da CF são os excessos de zelo, preciosismo ambiental, tratado em alguns P&C, que podem comprometer a competitividade das indústrias florestais, inclusive da de celulose. Um exemplo é o da proibição da sulfluramida: embora se tenham cobrado alternativas para o uso dela, ainda não apareceu substituto. Outros exemplos são sobre plantios de eucalipto transgênico e uso de determinados defensivos. Essas perturbações criam obstáculos para o produtor e intensificam as inconformidades. Nesse aspecto, a CF é muito mais uma moeda de negociação das ONGs do que, de fato, um instrumento de gestão e marketing.

Dado o sofisma ambientalista, é inaceitável que o setor florestal fique refém de exigências surreais fundamentadas em preconceitos ideológicos etno-ambientalistas. Além disso, essas imposições esdrúxulas da CF podem sair como um “tiro pela culatra”, gerando uma debandada das empresas certificadas, a partir do momento que perceberem que a CF já não é mais um diferencial de mercado e que tais imposições mais atrapalham que ajudam. 

 
Outro ponto importante é que, apesar da CF não garantir o sobrepreço no produto, grandes grupos industriais podem usá-la para dificultar a entrada de novos concorrentes. Por exemplo, pode haver a formação de um mercado oligopolizado para alguns segmentos, como o de papel para impressão, que é constituído de médias e grandes empresas. A exigência da certificação, morosa e onerosa, fecha as portas para empresas de menor porte, que são forçadas a ir para mercados periféricos, reservando para as grandes os melhores mercados.
 
Dessa forma, atentar intensamente para esse âmbito não traz desenvolvimento nenhum, tudo é uma questão de equilíbrio e de discernimento de cada limitação. Além do propósito de desenvolvimento sustentável – ambientalmente correto e socialmente justo –, a CF deveria ser um instrumento que facilitasse o acesso de qualquer produtor, independente da escala. Nesse aspecto, merece destaque o trabalho que vem sendo feito para inserir na certificação os produtores dos programas de fomento, pois de nada adianta uma grande empresa ter a certificação, se seus fomentados possuírem irregularidades em questões trabalhistas e ambientais, no uso de EPIs, na falha de descartes corretamente das embalagens, etc.