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Luiz Ernesto George Barrichelo

Especialista Florestal (em férias)

OpCP45

Entrei de férias!
Convidado, inicialmente, pelo William, editor-chefe da excelente Revista Opiniões, para preparar um artigo para esta edição, respondi que, apesar de agradecido, sentia muito, pois “estava de férias definitivas”. Perspicaz e ligeiro, respondeu: “Coincidência. O artigo para o qual eu estou convidando o senhor a escrever tem exatamente este título: Entrei de férias.” Proposta irrecusável!
 
Antes de mais nada, “estar de férias definitivas” é um estado de espírito. Ou seja, precisa de muita presença de espírito para responder a perguntas como: “Não acredito. Como você consegue?”, “O que você está fazendo?”, e outras mais ou menos lisonjeiras, tipo “Como você aguenta?” ou “Não sente saudades”?
 
Dessa pequena amostra de uma lista razoável, sem demérito de datas e locais, instituições e gratos amigos, queria focar na vertente “saudades” e, em especial, no início dos meus contatos com a realidade florestal brasileira há 52 anos. Exatamente nos primórdios da área de silvicultura na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” e na gênese e consolidação do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais.
 
Nessas memórias, cito alguns colegas – muitos falecidos – como preito de admiração e gratidão a todos os amigos conquistados durante minha carreira docente.
 
Formado agrônomo, minha turma ingressou em 1962, ano em que foi aprovado o desdobramento da Cadeira de Horticultura e nasceu a Cadeira de Silvicultura, através de seu arquiteto, Prof. Helládio do Amaral Mello (Esalq, turma de 1943). Passou a engatinhar e dar os primeiros passos (com tombos e trombadas) com “ótimas companhias” da iniciativa privada: Champion e Duratex. Isso porque seu “pai” era muito amigo de colegas esalqueanos, a saber, Asdrúbal Silveira Alves (turma de 1940) e Antonio Sebastião Rensi Coelho (turma de 1954), o primeiro da Champion e o segundo da Duratex. 
 
Iniciava-se, assim, uma ação entre colegas para uma coisa inimaginável na época, que hoje é batizada com o pomposo nome de Integração Universidade-Empresa. Essa ação foi o ponto de partida para a criação do IPEF, seis anos depois. Por essas “coincidências florestais”, ambas as empresas tinham o eucalipto como uma das mais promissoras matérias-primas para seus produtos industrializados. 
 
Voltando ao início... Após meu ingresso na Esalq, comecei a estagiar na Cadeira de Química Analítica, na qual permaneci até início de 1964, quando migrei para Cadeira de Silvicultura, a convite do Prof. Ronaldo Algodoal Guedes Pereira, do qual guardo excelentes lembranças, e muito aprendi com seus exemplos de dedicação, determinação, entusiasmo e, sobretudo, visão de longo alcance. 
 
Quando cheguei ao novo “laboratório de química”, ele dispunha de duas bancadas, duas pias, uma pipeta, uma bureta, um copo becker, uma espátula, uma pinça e um bico de búnsen . Mas havia uma novidade estrondosa: a Fapesp acabara de doar um laboratório completo para produção, processamento e testes de celulose. Fato inédito numa Escola de Agronomia. Começava a nascer a liderança das pesquisas de celulose no Brasil, a despeito das escolas de química, engenharia química e aparentadas. 
 
O agrônomo (e o futuro engenheiro florestal) começava a desenvolver competência numa área da qual “até Deus duvidava” naqueles tempos. Convidado para permanecer como professor, assumi meu posto de “assistente” do mestre Ronaldo, e uma das primeiras missões foi ajudá-lo na tese que vinha preparando e que defendeu em 1969 (Estudo comparativo das propriedades físico-mecânicas da celulose sulfato de madeira de Eucalyptus saligna, E. alba e E. grandis.). 
 
No ano anterior, o Prof. Helládio já tinha “inaugurado” a sequência de teses com a sua de Professor Catedrático (Aspectos do emprego de fertilizantes minerais no reflorestamento de solos de cerrado do estado de São Paulo com Eucalyptus saligna.). Em paralelo, o Prof. Mário Ferreira, em 1968, defendia sua tese de doutorado (Estudo da variação da densidade básica da madeira de Eucalyptus alba e E. saligna) e, aproveitando o embalo, em 1970, trabalhou com uma continuação para a livre-docência (Estudo da variação da densidade básica da madeira de povoamentos de Eucalyptus grandis).
 
Como se não bastasse, o Prof. João Walter Simões contra-atacava, em 1968, com sua tese de doutorado (Métodos de produção de mudas de eucalipto), e o Prof. Antonio Paulo Mendes Galvão, no mesmo ano de 1968, com sua dissertação de mestrado (Características da distribuição de alguns preservativos hidrossolúveis em moirões de  Eucalyptus alba tratado pelo processo de absorção por transpiração radial).
 
Para não ficar muito atrás, aventurei-me na minha tese de doutorado em 1971 (O uso da madeira de Eucalyptus saligna na obtenção de celulose pelo processo bissulfito-base magnésio). A isso, somaram-se ainda outras não relacionadas à “Grande Famiglia Mirtacea”, a saber: doutorado do Prof. Walter Suiter Filho em 1971 (Propagação vegetativa de coníferas do gênero Pinus por enxertia.), livre-docência do Prof. João Walter Simões em 1972 (Efeitos da omissão de nutrientes na alimentação mineral do Pinheiro do Paraná cultivado em vaso) e M.S. do Prof. Celso Edmundo Bochetti Foelkel em 1973, (Unbleached kraft pulp propertiesof some of the brazilian and US Pines). Com isso, registre-se que o período 1968-1973 foi o mais profícuo, com relação à geração de teses, da Cadeira de Silvicultura, depois Departamento de Silvicultura e, hoje, Departamento de Ciências Florestais. 
 
Voltando ao eucalipto, devo um agradecimento especial a esse mal falado gênero que, inclusive, me propiciou algo nunca antes sonhado: o Prêmio Moinho Santista (hoje Prêmio Bunge), recebido em 1994, às vésperas da aposentadoria. A justificativa da concessão ressaltava as pesquisas desenvolvidas pela equipe da Esalq com o eucalipto para a produção de celulose. 
 
Mas nem só de eucalipto “vivíamos” naqueles saudosos dias. Corria o ano de 1976, e o Prof. Helládio sentiu que, com o crescimento do Departamento, estava ocorrendo uma dispersão de horizontes dos professores. Aí teve a brilhante ideia de identificar um projeto que agregasse todos os colegas. Nascia o projeto USP/Esalq/Bnde/Funtec nº 305/76, também conhecido como Projeto de Pesquisa Tecnológica para Melhoria dos Pinheiros Tropicais. 
 
Registro com satisfação que o relatório “Celulose kraft de madeiras de pinheiros tropicais” faz parte do primeiro Boletim Informativo editado, e foi, a partir dele, preparada minha tese de livre-docência (Estudo das características físicas, anatômicas e químicas da madeira de Pinus caribaea var. hondurensis Barr. e Golf. para a produção de celulose kraft).
 
Mas recordemo-nos um pouco do Ipef. A história do IPEF – Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais –, constituído em 1968 como sociedade civil sem fins lucrativos, está intrinsecamente ligada à história do Departamento de Ciências Florestais da Esalq/USP. Conforme cito no início destas reminiscências, em 1962, a Congregação da Esalq aprovou a criação da Cadeira 22 – Silvicultura, tendo como primeiro catedrático o Prof. Helládio do Amaral Mello, que, em viagem de estudos à Escola de Florestas da Universidade da Carolina do Norte, EUA, tomou conhecimento de um programa de cooperação entre a universidade e setores empresariais, visando ao desenvolvimento de pesquisas na área de melhoramento florestal. 
 
Nascia, assim, a intenção e o compromisso pessoal da implantação de um modelo inédito de pesquisa e extensão para o setor florestal brasileiro. O apoio para a implementação desse novo sistema cooperativo no Brasil veio da Champion Celulose (hoje, International Paper do Brasil), com a qual, desde o início da década de 1960, o Prof. Helládio realizava trabalhos conjuntos para melhorar a qualidade das plantações florestais ainda incipientes à época. A Duratex, logo a seguir, se engajou no novo projeto e depois outras três empresas que se constituíram nas fundadoras do Instituto, em abril de 1968, a saber: Cia. Suzano de Papel e Celulose (na época Indústria de Papéis Leon Feffer), Indústrias Madeirit e Rigesa Celulose, Papel e Embalagens.
 
A missão do Instituto, desde sua fundação, consiste no planejamento, na implementação e na coordenação de ações e gerenciamento de recursos, destinados a estudos, análises e pesquisas na área de recursos naturais, com ênfase na ciência florestal. Às vésperas de completar 50 anos de existência, continua sendo um dos principais exemplos de sucesso na sempre atual integração universidade-empresa. Férias... Lembranças... Saudades.
 
Nota: A mania de carregar a caneta no bolso ainda continua. Mas, com o passar do tempo, pretendo aposentá-la.