É um desafio prazeroso escrever sobre algo relacionado à atuação profissional, principalmente quando o assunto tem sua evolução assistida de “ponta a ponta”, isto é, do início da carreira até as vésperas de passar o bastão. Acompanhar e testemunhar a evolução da eucaliptocultura no Brasil foi uma grande experiência profissional, mais ainda quando o profissional é parte dessa história.
A oportunidade de registrar na Revista Opiniões essa história poderá encorajar os profissionais que estão chegando ao mercado a encarar novos desafios na busca de alternativas mais eficientes de produção, porque vale a pena. Assim foi com a genética e o melhoramento florestal, pelo salto de produtividade e de tecnologias ocorrido desde a década de 1970, com grandes reflexos para o setor e para a economia do País.
Naquela época, não se tinha materiais genéticos melhorados adaptados às diferentes condições edafoclimáticas do Brasil, e muito menos se tinha certeza da espécie mais adequada, dentre as cerca de 600 espécies botânicas conhecidas, compreendidas em oito subgêneros (Blakella, Eudesmia, Gaubaea, Idiogenes, Telocalyptus, Monocalyptus, Symphyomyrtus e Corymbia), sendo que esta última passou a gênero, onde está, por exemplo, o citriodora (Corymbya citriodora).
Os plantios em escala econômica eram feitos a partir de sementes, na grande maioria, importadas da Austrália e ilhas vizinhas, região de origem dos eucaliptos, portanto, em estado selvagem, sem nenhum grau de melhoramento, resultando em florestas de baixo rendimento, da ordem de 15 m3/ha/ano e com grande heterogeneidade.
Diante dessa situação, nos anos de 1980, houve um grande esforço das empresas do setor e da Embrapa para estabelecer um programa de seleção de espécies e procedências para as diferentes regiões ecológicas do Brasil, considerado este o marco do melhoramento florestal de eucalipto no Brasil, rumo às produtividades atuais. Tratava-se também da era da descoberta da propagação vegetativa por estaquia (1978), que muito contribuiu para um salto de produtividade, por proporcionar a multiplicação de materiais genéticos selecionados fenotipicamente, no seu inteiro valor genético.
Com o advento da propagação vegetativa, os programas de melhoramento genético começaram a ser estruturados com base na seleção de árvores de alta performance nos plantios comerciais supostamente híbridos, proporcionando a multiplicação em escala desses indivíduos para suprimento dos plantios comerciais e também para a composição das populações de melhoramento, proporcionando salto significativo de produtividade nas décadas de 1980 e 1990. Não se poderia deixar de citar também a formação de massa crítica na área, visto que o número de melhoristas de formação não “enchia uma mão” até 1980.
Assim, a implementação dos programas de pós-graduação nas universidades e a formação de pessoal capacitado, com conhecimentos de genética e melhoramento, particularmente genética quantitativa, somados ao desejo das empresas no aumento da produtividade e da qualidade, proporcionaram grandes avanços na eucaliptocultura na década de 1990.
Evidentemente que outras áreas também deram sua contribuição, particularmente solos e nutrição, que sempre andaram lado a lado com o melhoramento genético, mas também pode-se citar proteção (pragas, doenças e incêndios), dentre outras, proporcionando sistemas de manejo ajustados para cada condição edafoclimática.
Mas, no tocante ao melhoramento genético, pode-se estabelecer que a década de 1990 foi o divisor de águas com o estabelecimento de programas de melhoramento genético clássicos, a produção de híbridos controlados, com estabelecimento de testes de progênies, a seleção genotípica, a clonagem, os testes clonais e os plantios clonais, proporcionando aumentos contínuos de produtividade, chegando aos dias de hoje na ordem dos 40 m3/ha/ano como média nacional, mas tendo casos de produtividades de até 60 m3/ha/ano.
A contribuição da genética para essa produtividade continuou avançando para tecnologias mais eficientes de seleção pelo domínio de novas tecnologias, como os marcadores moleculares e bioquímicos, a cultura de tecidos, que evoluiu aos dias atuais para micropropagação, permitindo reproduzir, em grande escala, os materiais genéticos selecionados; o melhoramento convencional, tendo como ferramenta a genética quantitativa, de baixo custo e marcadores moleculares de alto custo.
Mas os pesquisadores descobriram que as duas linhas poderiam andar juntas, de forma complementar, proporcionando maior eficiência na seleção. Isso permitiu chegar aos dias atuais a processos de seleção altamente eficientes, denominados “seleção assistida”, em que se pode identificar o valor genético do indivíduo em fase de plântula, encurtando substancialmente o ciclo de seleção, de cerca de 10 anos, nos métodos convencionais, para cerca de dois a três anos, nos métodos avançados.
O Brasil conta, atualmente, com laboratórios equipados e pesquisadores capacitados para operar essas tecnologias, em fase de consolidação, pelo estabelecimento de protocolos genotípicos capazes de proporcionar a sua aplicabilidade. Isso em operação será uma grande contribuição para os ganhos advindos do encurtamento do ciclo de seleção e o aumento do grau de confiabilidade no valor genético dos indivíduos selecionados e na produtividade das florestas resultantes.
Fica evidente o avanço das tecnologias aplicadas ao melhoramento, e, como nem tudo são flores, ou seja, a cada avanço, novos desafios aparecem, surge, na era atual, o fantasma das mudanças climáticas, com secas severas, principalmente nas regiões do cerrado brasileiro.
Podendo-se citar a perda de milhares de hectares de florestas de eucalipto nessas regiões, requerendo ações para desenvolvimento de materiais genéticos capazes de sobreviver e de crescer em níveis satisfatórios de produtividade, em condições de estresse hídrico. Nesse sentido, esforços estão sendo implementados na busca de novas espécies adaptadas a essas regiões, assim como na implementação de programas de cruzamentos daqueles materiais genéticos melhorados, que vêm suportando essas adversidades com produtividade satisfatória, com vistas à obtenção de matérias genéticos tolerantes à seca e que sejam de alta produtividade.
Mais uma vez andam juntos a genética, o solo e a nutrição, mas também outras áreas que poderão auxiliar no entendimento do mecanismo de tolerância ao estresse hídrico, para que, com as tecnologias avançadas de genética, possam ser selecionados os indivíduos verdadeiramente tolerantes, de alta eficiência nutricional e, consequentemente, de alta produtividade.
Evidentemente, existem também regiões do Brasil que apresentam outros problemas para a produtividade das florestas de eucalipto, como as geadas e os excessos de água na época das chuvas, que igualmente requerem ações de desenvolvimento de materiais genéticos adaptados e de alta produtividade, porém são áreas específicas, numa escala bem menor do que o que está acontecendo com o déficit hídrico. Além do mais, essa problemática está presente desde o início da eucaliptocultura nessas regiões, sendo, portanto, monitoradas e contornadas em certo grau, diferentemente com a seca, razão por que não será abordada.
Cabe destacar a necessidade de estudos envolvendo equipes multidisciplinares, para o entendimento de todos os fatores envolvidos na produção das florestas, não se desprezando o meio ambiente, para estabelecer protocolos de manejo ajustados a cada microbacia, para a sustentabilidade do ecossistema e a manutenção da produtividade nos níveis a que se atingiu, para cada ambiente ecológico do território nacional.
Na abordagem do tema produtividade, deve-se considerar também a variável para sua medição ou avaliação. Num primeiro momento, pensa-se em volume (m3/ha/ano), e isso vem desde o início da eucaliptocultura no País, fato esse que está mudando nos dias atuais, tendo a biomassa como o fator de referência, seja na indústria de base florestal (carvão ou celulose) ou na de chapas ou madeira maciça, indicando que a qualidade da madeira também é importante para o produto final.
Assim, para a celulose, é importante o rendimento de celulose por hectare, e, na siderurgia, o teor de carbono fixo no carvão e as características físicas do mesmo; portanto, não basta avistar a produtividade volumétrica como fator determinante, mas sim o atributo densidade, capaz de traduzir o valor da floresta com mais eficiência ao que se destina, na idade de corte e consequente eficiência no processo de transformação, ou seja, biomassa por tonelada de aço ou tonelada de celulose por hectare.