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Carlos Roberto de Lima

Professor de Tecnologias de Produção Florestais da UFCG - Universidade Federal de Campina Grande

Op-CP-38

Quais investidores se habilitam?

A produção e utilização de energia (calor) a partir da biomassa florestal (madeira, lenha) acompanha a humanidade desde os seus primórdios. Portanto é um ente cultural e econômico de grande importância histórica e presente na atualidade. Hoje, quer no Brasil ou no mundo, podemos afirmar que, “de cada duas árvores colhidas, pelo menos uma seguramente será destinada para alguma finalidade energética”.

No Brasil, a lenha tinha uma participação majoritária em nossa matriz energética até meados da década de 1970, quando foi suplantada pelo petróleo e pela energia hidroelétrica. Uma análise mais detalhada de nossa matriz energética nos permite observar que houve muito mais crescimento da participação dessas duas fontes (petróleo e hidroeletricidade) que decréscimo na participação da lenha.

Isso são reflexos de uma política e de um planejamento energético que têm priorizado, há mais de seis décadas, essas duas fontes e relegado a lenha ao último plano. Como resultado dessa política, tem-se, ao longo desse horizonte temporal, a queda continuada da participação relativa da lenha, embora, por méritos próprios e por obra do mercado, a sua participação quantitativa tenha variado entre 25 e 32 milhões de toneladas equivalentes em petróleo (tep).

Possuímos enormes vantagens comparativas para uma maior participação da biomassa florestal em nossa matriz energética; vejamos algumas: temos amplo território, grande parte com terras ociosas e/ou degradadas passíveis de alguma recuperação, sendo os plantios florestais uma ótima opção; muito sol e água em grande parte desse território; tecnologias de produção florestal e mão de obra, especializada ou não, à vontade; com tais plantios, poderemos, ainda, reduzir erosões de solos, melhorar o regime hidrológico das bacias hidrográficas e realizar sequestros de carbono (CO2).

Falta-nos a definição de uma política e de um planejamento para a produção florestal para fins energéticos, tal como a que ocorreu dos anos 1960 a 1980 com a base florestal para fins industriais (matéria-prima). Se tivermos isso, podemos almejar que a biomassa florestal (lenha) volte a ter uma participação em nossa produção e oferta de energia primária da ordem de 20 a 25%.

Outra questão muito importante tem a ver com o ensino sobre usos energéticos da biomassa florestal nos cursos de engenharia florestal existentes no País. Cabe uma análise um pouco mais aprofundada dessa questão, quem sabe por meio de um fórum de discussão entre os professores dessas disciplinas nas instituições de ensino superior. Mas a leitura que faço da atualidade é esta: não existem disciplinas obrigatórias na área de energia em todos os cursos; nos cursos onde existe como disciplina optativa, não é dada uma maior orientação aos discentes sobre a importância desse tema na atuação do profissional, mesmo porque, se tal importância existe mesmo, a disciplina deveria ser obrigatória.

Diante de tal panorama, costumo dizer que estamos formando engenheiros florestais “sacis”, porque eles conhecem, e muito bem, toda a produção de madeira para matéria-prima industrial, mas desconhecem quase totalmente as suas utilizações como insumo energético, ou seja, a produção de energia a partir da biomassa florestal (lenha), que possui uma versatilidade de formas e de processos de conversão e de utilizações.

Se, de cada duas árvores colhidas, pelo menos uma terá destinação para energia, e os nossos formandos pouco conhecem sobre essa possibilidade de utilização, portanto conhecem uma perna (matéria-prima industrial) e não a outra (usos energéticos), então se confirma a teoria da formação dos engenheiros florestais “sacis”. Reforçamos a necessidade de melhor formação e de mais conhecimentos sobre a utilização de biomassa florestal como insumo energético, inclusive para a inserção do profissional da engenharia florestal na área de política e de planejamento energético no Brasil e no mundo.

Existe a questão da sustentabilidade ligada às questões energéticas e a utilização da lenha para fins energéticos. Técnicos ligados ao petróleo e/ou à hidroeletricidade e ambientalistas menos esclarecidos costumam afirmar que a utilização da lenha causa desmatamentos. Cabe colocarmos as seguintes informações:

a. desmatamentos são causados, em sua grande maioria, por projetos de usos alternativos do solo (área) para as mais diferentes finalidades;
b. a utilização da biomassa florestal resultante de tais desmatamentos só irá ocorrer, principalmente para fins energéticos, se estivermos dentro de um raio econômico de transporte, caso contrário, ela será toda queimada a céu aberto e sem nenhum aproveitamento econômico.

Devemos sempre promover a produção sustentada da biomassa florestal (lenha), por meio de planos de manejos florestais sustentados – PMFS, quando da existência de remanescentes florestais nativos ou de reflorestamentos com finalidades produtivas em áreas degradadas, sempre casando tais possibilidades de produção de biomassa com a sua utilização em equipamentos e processos energéticos que nos propiciem uma maior eficiência energética, isto é, que demandem um menor consumo de lenha para produzir a mesma quantidade de energia útil ou serviço.

Nesse sentido, devemos sempre utilizar a lenha em sistemas de cogeração de energia, ou seja, em sistemas em que podemos produzir mais de um vetor energético de uso final a partir de uma única fonte. Exemplos disso são as usinas termelétricas (UTEs) à biomassa, que geram energia elétrica e ainda permitem a utilização da energia térmica residual do processo de geração em processos industriais que demandam calor de processo.

Em Lajes-SC e em Itacoatiara-AM, há exemplos dessas unidades funcionando comercialmente a partir dos resíduos de serrarias, produzindo energia elétrica para as empresas e excedentes para comercialização, bem como o vapor residual (calor) é utilizado no processo de secagem das madeiras processadas nas serrarias. Nesses arranjos produtivos, podemos aumentar a eficiência da UTE em cerca de 30 a 35%, quando da geração simples de energia elétrica, para cerca de 80 a 85%, quando em processo de cogeração de energia.

Isso corresponde a dizer que, se apenas gerando energia elétrica, aproveitamos somente cerca de 350 kg de cada tonelada de lenha colocada na caldeira, quando passamos para a cogeração, significa dizer que aproveitamos, agora, cerca de 850 kg daquela mesma tonelada de lenha. Finalizando, podemos afirmar que, para o semiárido do Nordeste brasileiro, temos, hoje, a possibilidade concreta para a instalação de unidades dessas UTEs em regime de cogeração, nas quais o calor residual será destinado para o processo de extração de taninos vegetais, utilizando duas espécies florestais nativas aqui do semiárido. Quais investidores se habilitam?