Coautor: José Cola Zanuncio, Professor de Entomologia da UFV
A certificação florestal surgiu como uma tentativa de garantir que as florestas fossem manejadas de maneira sustentável, buscando o equilíbrio na parte econômica, ambiental e social. O Forest Stewardship Council – FSC, foi o primeiro sistema de certificação, criado em 1993, e conta com mais de 180 milhões de hectares de florestas e plantios certificados.
O Brasil tem a maior área certificada pelo FSC na América Latina, com cerca de 7,3 milhões de hectares (60% de plantios florestais). Para se certificarem, as empresas devem seguir as regras dentro dos 10 princípios e 56 critérios do FSC, que abordam o relacionamento com comunidades vizinhas, leis trabalhistas e ambientais, preservação da biodiversidade, planejamento florestal e manejo dos plantios florestais.
Dentro dos princípios e critérios, existe a “Política de Pesticidas”, onde é feita a identificação e a prevenção do uso de pesticidas considerados pelo FSC como “altamente perigosos” e, portanto, proibidos em empreendimentos certificados. Essa política também promove métodos “não químicos” e o uso adequado dos pesticidas para o manejo de pragas.
O FSC publica, periodicamente, uma lista indicando quais são esses pesticidas, e sua última versão foi divulgada em 2015. Nessa lista, estavam inclusos deltametrina, fipronil e sulfluramida, os princípios ativos que compõem os inseticidas mais utilizados no manejo e no controle de formigas-cortadeiras e cupins pelas empresas florestais brasileiras.
Os produtores florestais brasileiros encontram dificuldade ao adaptar a essa proibição, devido à falta de alternativas viáveis para o controle dessas pragas, principalmente para as formigas-cortadeiras. As formigas-cortadeiras (Atta spp. e Acromyrmex spp.) são tidas, por unanimidade, como as principais pragas florestais brasileiras, pois desfolham intensamente (podendo matar), praticamente, qualquer espécie florestal plantada, nativa ou exótica.
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São insetos sociais com colônias funcionando como um superorganismo e, por isso, possuem uma série de adaptações que tornam seu manejo e controle mais complexos do que qualquer outra praga florestal. Entre essas adaptações, temos: ninhos com estrutura complexa, comportamento de forrageamento, cultivo do fungo simbionte fornecendo alimento a elas, alto nível de higiene da colônia e organização social.
Logo, táticas de controle que matem apenas algumas formigas operárias não controlam ou comprometem a sustentabilidade da colônia. O controle químico, com iscas formicidas à base de sulfluramida e fipronil, é o único método com viabilidade técnica, econômica e operacional para controlar formigas-cortadeiras.
A termonebulizac?a?o representava um método complementar às iscas, para uso em situações bastante específicas, como em períodos chuvosos, mas, hoje, não há produtos sendo comercializados para esse método.
Portanto pode-se dizer que o FSC proibiu o único método viável no controle de formigas-cortadeiras, já que todos os pesticidas registrados se encontram proibidos em sua política. O controle mal-feito ou não controlar as formigas-cortadeiras pode afetar drasticamente a produtividade e rentabilidade florestal e, até mesmo, inviabilizar um empreendimento.
O produtor ou empreendimento florestal que precisar usar algum produto proibido pelo FSC, devera? pedir uma derrogação. No pedido, deve ser demonstrado que aquele princípio ativo é a única forma econômica, ambiental, social e tecnicamente viável para controlar uma praga que causa danos aos plantios florestais.
O FSC, com a aprovação da derrogação, lança uma lista de condicionantes e alternativas que devem ser usadas e o comprometimento dos produtores em encontrar novas soluções. A sulfluramida, fipronil e deltametrina já estão em seu segundo pedido de derrogação nos plantios brasileiros (validade de cinco anos para cada pedido).
Apesar disso, nenhuma alternativa proposta pelo FSC ou disponível no mercado é eficaz no controle das formigas como são as iscas formicidas (principalmente a base de sulfluramida). Essas alternativas visam ao controle de poucos indivíduos e não a toda a colônia e as densidades de formigas-cortadeiras remanescentes, continuando sendo prejudiciais.
Encontrar novos inseticidas sintéticos menos tóxicos não é fácil. Um inseticida ideal para as iscas deve agir por ingestão, não ser repelente, ter ação tóxica lenta, ser letal em baixas concentrações e paralisar a atividade de corte pouco tempo após a aplicação. O setor florestal foi pioneiro na substituição das iscas à base de dodecacloro, consideradas altamente tóxicas, pelas de sulfluramida, menos tóxicas. A sulfluramida age lentamente e tem baixa persistência no meio ambiente.
O próprio FSC se contradiz em seus indicadores de periculosidade, incluindo a sulfluramida na lista de químicos “altamente perigosos”, em 2007, pelo seu potencial de bioacumulação, já que a sulfluramida apresenta um coeficiente de partição octanol/água elevado. O coeficiente de partição octanol/água (Pow), também designado Kow, consiste no quociente entre a solubilidade de uma substância em n-octanol e em água, em condições de equilíbrio.
O logaritmo de Pow é utilizado como indicador de potencial químico de bioconcentração pelo seu potencial de bioacumulação. Esse indicador não é adequado para avaliar o potencial de biocumulação em substâncias insolúveis em água, caso da sulfluramida. Por outro lado, na última lista, em 2015, a sulfluramida não é mais considerada uma substância com potencial de se bioacumular, mas sim tóxica a mamíferos e aves.
Essa mudança ocorreu apesar de o critério para uma substância ser considerada bioacumuladora ter sido mantido. As razões para essa mudança não são claras, uma vez que a sulfluramida e as iscas formicidas à base dessa substância apresentam baixa toxicidade a mamíferos, aves e outros organismos (como peixes, algas, abelhas, organismos de solo, etc.).
A DL50 oral para ratos da sulfluramida é 6.600 mg/kg e a DL50 dermal para coelhos > 2.000 mg/kg, sendo enquadrada pelos critérios de classificação toxicológica da ANVISA, como classe IV- pouco tóxica. Não é à toa que muitas empresas certificadas têm considerado essa proibição como uma barreira não tarifária a alta produtividade dos plantios florestais brasileiros.
O processo de bioacumulação e a toxicidade a mamíferos e a aves têm poucas chances de ocorrer por iscas, que são insolúveis em água, e a sulfluramida ser, praticamente, imóvel no solo e com riscos de lixiviação e deriva muito baixos. Além disso, as iscas contêm baixas concentrações do ingrediente ativo e permanecem pouco tempo expostas a organismos não alvo, pois as formigas começam a carregá-las em um curto período de tempo.
A amostragem feita em programas monitoramento, onde se determina a distribuição espacial e as injúrias causadas pelas formigas, reduz o impacto ambiental com o uso dessas iscas, previne danos e diminui a quantidade de isca utilizada, já que é utilizado somente o necessário. As técnicas alternativas que foram propostas ou que existem no mercado não apresentam eficácia em campo e em escala comercial para substituírem a utilização das iscas formicidas.
A busca, no entanto, deve continuar, pois não poderemos considerar para sempre a sulfluramida (ou outros dos inseticidas em derrogação) como a única solução no controle das formigas-cortadeiras. Esse não é o pensamento das pessoas envolvidas na pesquisa e controle desses insetos. Mas existe sim a atual necessidade de seu uso e o FSC deve manter a autorização enquanto não houver alternativas eficientes.
A certificação florestal do FSC tem feito mudanças positivas no manejo de pragas florestais, como a implementação de técnicas e decisões mais sustentáveis e melhoria na segurança de armazenamento e uso de químicos. Também aumentou o uso da amostragem, do monitoramento e da avaliação do nível de dano econômico de pragas florestais, além de ampliar a busca por alternativas.
No entanto a proibição desses inseticidas aliada ao uso de alternativas ineficientes levarão a perdas na produção, aumento dos custos e por ao colapso do manejo integrado dessa praga, algo que o FSC promove como parte essencial do plano de manejo de um empreendimento certificado. As empresas florestais brasileiras têm realizado e financiado pesquisas na busca de alternativas. Cabe ao FSC ter bom senso em suas decisões e entender que a aplicação de regras globais para a certificação do manejo florestal sustentável deve considerar a realidade de cada país ou região.