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Paulo Yoshio Kageyama

Professor de Ciências Florestais da Esalq-USP

Op-CP-07

Paradigma: restauração da floresta tropical

Um dos sonhos de um florestal ambientalista sempre foi o de entender a floresta tropical, com toda a sua biodiversidade e complexidade, visando restaurar essas áreas, quando degradadas, o que é prioridade em grande parte de nossos biomas. Nesse momento atual, quando o bombástico Relatório do IPCC chama-nos a atenção para as ações antrópicas pregressas, que provocaram impactos quase que irreversíveis para o nosso planeta, mais prementes parecem ser essas ações de restauração.

No início desse processo de pesquisa no Brasil, essas ações eram denominadas de recuperação, recomposição, revegetação, revegetalização, rematamento, etc, até que o termo internacional restauração parece ter sido consagrado. Nesse sentido, muitas tentativas foram feitas no passado, em nosso país, no intuito de refazer um ecossistema o mais próximo do original e, neste contexto, podemos chamar à memória a majestosa Floresta da Tijuca, que foi restaurada ainda na época do império, no final do século 19, com a força de trabalho escravo.

Estão lá as grandiosas jaqueiras que, sendo exóticas, são testemunhas de que se trata mesmo de uma floresta plantada. Quando vemos toda essa diversidade de espécies dos ecossistemas tropicais e as interações de suas plantas com a fauna, na polinização, na dispersão de sementes e na predação, perguntamo-nos: será que toda essa biodiversidade tem sentido?

Vemos que tem, e muito, ao sacarmos uma dessas espécies nativas para nosso uso, na forma de plantação pura, e constatamos que quase sempre não temos sucesso, atacadas que são essas plantas por pragas e doenças. No entanto, quando adentramos em nossas matas tropicais, vemos que a floresta natural é toda muito verde, sem nenhum sinal de danos por insetos e microrganismos, apesar de estes serem a maioria na mata. O que isso nos mostra?

Aponta claramente que a biodiversidade é necessária para o equilíbrio ecológico nos trópicos, fazendo com que as mais de uma centena de árvores de uma floresta tropical, em um só hectare, vivam em harmonia com as dezenas de milhares de espécies de animais e microrganismos. Kriecher parece ter tido um insight correto, quando aponta que a evolução dos trópicos foi um embate entre plantas e animais/microrganismos, com estes últimos tentando devorar as plantas, e estas criando ferramentas para se defenderem.

O autor conclui que as plantas venceram na evolução e mantêm a fauna sob controle, às custas de compostos secundários químicos (100 em média, para cada uma das 250 mil espécies de plantas tropicais), que são, sem dúvida, a grande riqueza de nossa biodiversidade, nas quais a indústria biotecnológica tem estado de olho gordo.

Dessa forma, restaurar uma floresta tropical, a partir de uma área já degradada, implica em compreender o significado dessa biodiversidade, a sua evolução e mesmo o que faz a sua integridade e equilíbrio. Isso significa avançarmos para um novo paradigma, no conceito de Kuhn, onde o novo entendimento necessita não só de novos conceitos, mas também de novos ferramentais, tanto de análise, como de metodologias de ações.

Os conceitos de biodiversidade, de sucessão ecológica, de equilíbrio de ecossistemas e de interação entre espécies, aliados aos de silvicultura de plantações de espécies nativas, mostram que é possível fazer crescer um grande número de árvores nativas, quando plantadas juntas, segundo alguns preceitos estabelecidos. As experiências, nesses últimos 20 anos no Brasil, têm revelado que, com modelos apropriados de associação de grupos ecológicos, tem se conseguido o desenvolvimento de um conjunto de 100 espécies arbóreas, ou mais, juntas num hectare, numa forma similar à da floresta tropical.

Porém, como bem apontado por Reis, A., na Mata Atlântica do Vale do Itajaí, as árvores, que são a estrutura da floresta, representam somente 34% das espécies vegetais; as epífitas e lianas, que crescem sobre as árvores, e os arbustos e ervas, que ficam embaixo das árvores, conjuntamente, totalizam os 66% das outras espécies vegetais não árvores.

As preocupações somente com as árvores, no início dos programas de restauração, deveram-se a: primeiro, muito mais conhecimento sobre as árvores do que sobre os outros vegetais não árvores; segundo, por ter se considerado que esses outros organismos, como associados às árvores, poderiam ter facilidades de regeneração natural; e terceiro, pela dificuldade de tecnologia para implantação das lianas, epífitas, arbustos e ervas, à maneira das árvores.

O mais importante é que nesses 20 anos muito pouca preocupação houve com os organismos vegetais não árvores, somente se tendo tomado consciência de sua importância, quando os levantamentos nos plantios de restauração, com idades acima de 15 anos, revelaram pouca regeneração natural para os vegetais não árvores. Certamente, até agora, detivemo-nos somente nas espécies vegetais; pouco se tem referido aos outros organismos não plantas, ou os animais e os microrganismos que, como já nos referimos, somam cerca de 100 vezes o número de espécies vegetais.

Se tivermos que colocar na restauração, por exemplo, 100 espécies de árvores num hectare, deverão ser mais outras 200 espécies, incluindo as lianas, epífitas, arbustos e ervas (300 espécies de plantas ao todo); afora a preocupação com mais 30.000 espécies de animais e microrganismos, completando toda a diversidade de espécies na floresta tropical.

Assim, duas grandes linhas de pesquisa vêm surgindo no avanço do conhecimento do tema restauração com espécies nativas:

1. Inserir técnicas de inclusão da maior parte dos organismos da biodiversidade na restauração; e
2. em seguida à implantação das árvores, incluir, sucessivamente, após maior conhecimento, os outros organismos não árvores e não vegetais. Ou, talvez, a junção das duas, ou mesmo outras novas propostas. Assim é a ciência, sempre avançando para novos paradigmas.