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Silvio Frosini de Barros Ferraz

Professor de Manejo de Bacias Hidrográficas da Esalq-USP

OpCP67

Engenharia do futuro: convergência de visões deve formar o profissional que a sociedade precisa
O mundo precisa de árvores! 

Não de espécies exóticas, melhoradas geneticamente, que são altamente produtivas e garantem o abastecimento sustentável de uma cadeia industrial. Nem de espécies nativas da Mata Atlântica que compõem o habitat para fauna, sob risco de extinção. O mundo precisa de todas as árvores, de todos os tipos, não importa se exóticas, nativas, se crescem mais rápido ou devagar, se possuem madeira nobre ou não, se estão em talhão de produção, na área urbana ou em uma mata ciliar.

Todas as árvores são importantes para o planeta, e a sociedade não quer escolher entre uma ou outra, ela precisa de todas! Neste momento, é fundamental integrar as visões sobre a importância das árvores (e das florestas) para o mundo. Somente o engenheiro florestal pode fazer isso.

A engenharia florestal foi concebida na Alemanha, no início do século XIX, sob a visão utilitária da floresta para o homem, principalmente visando à produção de madeira e a seu processamento, para obtenção de bens e produtos que estão na vida cotidiana de todas as pessoas. 

Sob esse propósito, nesses 200 anos, um pouco mais da metade deles foram dedicados ao desenvolvimento tecnológico da exploração, produção ou processamento dos produtos oriundos da floresta. No Brasil, por exemplo, o final do século XX foi marcado por grande avanço tecnológico na área da silvicultura, envolvendo desde a tecnologia de sementes e mudas até processos de digestão da celulose e reengenharia de novos bioprodutos. 

Todo esse desenvolvimento da engenharia propriamente dita foi acompanhado, principalmente, nos últimos 50 anos, de grande evolução na sustentabilidade dos processos produtivos, desde a redução de impactos diretos das operações no campo, aumento de eficiência em todos os níveis, atendimento de diferentes regulações de mercado ou governamentais, até o ponto de a silvicultura industrial no Brasil se tornar um exemplo de investimento em ESG para a indústria e o setor agrícola. Por outro lado, ainda existem desafios a serem vencidos na adoção dos avanços socioambientais e das tecnologias já existentes em pequenas propriedades, tanto na área de silvicultura como na exploração de florestas nativas tropicais.

No mesmo período, o surgimento de bases teóricas para a conservação e a preocupação da sociedade com a sustentabilidade se intensificaram devido ao aumento de problemas ligados à poluição, à redução das florestas nativas, às mudanças climáticas, à crise hídrica, à perda de biodiversidade, etc. Dessa forma, a perda dos outros serviços ecossistêmicos em detrimento da provisão de bens elevou a importância das florestas nativas para o equilíbrio do planeta. 

A defesa dos biomas florestais ganhou força, sistemas de monitoramento e grande apoio da sociedade, que passa a se interessar mais sobre o tema. O desenvolvimento da área de conservação também passou por um amadurecimento em que o radicalismo inicial da preservação de per si vem sendo substituído por uma visão de conservação, que contempla o uso dos recursos naturais e entende o homem como parte da natureza. 

Se, por um lado, a visão original da profissão mais ligada à produção agora contempla a necessidade de maior equilíbrio ambiental e entende a importância dos demais serviços ecossistêmicos, por outro, a visão mais conservacionista também consegue olhar para a importância da produção florestal sustentável, até mesmo como instrumento de substituição e, por consequência, de conservação de florestas nativas. 

Dessa forma, neste momento, é nítido o caminho de fusão das duas perspectivas para uma visão única: toda floresta é importante, tem seu lugar e precisa ser manejada de forma adequada para oferecer os serviços ecossistêmicos fundamentais para a vida e o equilíbrio do planeta. É um momento de convergência, em que não há mais espaço para visões estreitas de produção ou conservação, sendo necessária uma visão intermediária, integrada, holística, que entende o componente florestal como essencial para o equilíbrio do planeta e para a vida cotidiana da sociedade. 

O engenheiro florestal necessário no momento presente é aquele profissional que consegue manter a visão intermediária; para isso, pode utilizar uma ampla caixa de ferramentas, incluindo desde o planejamento da conservação em áreas naturais,  a restauração de florestas nativas, a manutenção de sistemas de produção/conservação até a introdução de plantios mistos e/ou plantios homogêneos.

As ferramentas são adequadas de acordo com as condições socioambientais locais para uma ampla gama de serviços ecossistêmicos, como técnicas de conservação de florestas nativas para a produção de água ou fixação de carbono, até o manejo de florestas monoclonais de alta produtividade para a indústria de celulose e seus bioprodutos derivados. 

Somada a essa visão holística desmistificada da floresta, que deve ser o foco dos cursos, assim como toda escola de engenharia moderna, a preparação dos alunos deverá focar em três aspectos principais: um forte embasamento teórico (não tecnológico), amplas oportunidades para vivência prática e exercício da realidade e estrutura de ensino, dentro e fora da sala de aula, que possibilite o fortalecimento das habilidades pessoais (soft skills).

Para atingir esse modelo, os cursos precisam ter excelência no conteúdo essencial, propiciar oportunidades para treinamento, especialização, estágios, vivências dos problemas reais da sociedade, além de criar um ambiente universitário para o autodesenvolvimento pessoal em termos de iniciativa, liderança, independência, comunicação e inteligência emocional.
 
A estrutura dos cursos no Brasil é baseada nas diretrizes curriculares do MEC, mas também influenciada pelos conselhos regionais de engenharia, limitando um pouco as possibilidades de alterações do currículo. No entanto, é possível atender a todos os requisitos da legislação e conselhos profissionais, ajustando o foco dos cursos, enfatizando os aspectos essenciais e, principalmente, reformulando a forma de ensino e as oportunidades oferecidas extraclasse aos alunos.

A reformulação do currículo da engenharia florestal da Esalq-USP vem sendo realizada nessa direção após uma ampla discussão entre alunos, professores, egressos e profissionais de mercado. Finalmente, parece que se está aproximando do que o nosso maior patrono e visionário Luiz de Queiroz já enxergava mais de 100 anos atrás (ver artigo do Prof. Luiz Carlos Estraviz Rodrigues nesta edição). 
 
As universidades precisam se preparar para formar esse profissional, que poderia, até mesmo hoje, ser denominado engenheiro de serviços ecossistêmicos, pois não enxerga a floresta somente sob uma perspectiva e entende suas múltiplas funções, não carrega preconceitos e vieses de professores formados em outras realidades do passado, mas entende seu papel ativo no futuro como o profissional das florestas, sejam quais forem, para quaisquer finalidades, pois o mundo precisa de mais árvores e de quem saiba manejá-las, e não há mais espaço para visões estreitas no mundo moderno.