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Marina Silva

Presidente do Instituto Marina Silva

Op-CP-28

Sustentabilidade real

Uma das novidades mais visíveis atualmente é a revolução no comportamento e nas relações humanas que a tecnologia da informação tem provocado.  As plataformas que aproximam milhões de pessoas nas redes sociais criam inúmeras oportunidades para o avanço e o aperfeiçoamento da democracia, para o controle social e para os processos educativos.

Sinais promissores de tempos que a humanidade jamais viveu. Mas esses bons ventos colidem com densas nuvens que pairam sobre nosso horizonte comum, num contexto também inédito para a humanidade.

Assim como os rios menores de uma bacia hidrográfica convergem para formar o rio principal, experimentamos vários tipos de crises que convergem e conformam o que eu chamo de crise civilizatória.  A crise social é denunciada pelos mais de 2 bilhões de pessoas que agonizam com menos de 1 dólar por dia no mundo. Desses, 15 milhões no Brasil.

A crise econômica solapa empregos e recursos públicos, tornando ainda mais vulneráveis as economias nacionais. A crise ambiental tem sua maior expressão na perda de biodiversidade e no aquecimento global, que ameaçam produzir profundas alterações nas condições de vida na Terra.

Vivemos também uma crise sinalizada por movimentos espontâneos em todo o mundo como uma reação à estagnação da política, que exilou os sonhos dos jovens e se transformou em mero projeto de poder pelo poder.

Mas a melhor explicação para todas essas crises está numa outra crise mais profunda e potente, a crise dos valores.  É ela que nos faz desconsiderar o impacto de nossas ações sobre o próximo e sobre as condições que sustentam e promovem a vida no planeta. É, aparentemente, mais fácil falar de sustentabilidade em termos pragmáticos. Mas acho que precisamos pensar nesse conceito sob a perspectiva correta, a dos valores.

O que esse termo representa para cada um de nós? Oportunidade de negócios? Uma bandeira de contestação? Será que temos consciência crítica do impacto de nossas ações sobre o planeta? Estamos dispostos a mudar? Entendo sustentabilidade como um ideal humano a nos orientar agora e no futuro.

O ser sustentável do século XXI precisará fazer as melhores escolhas pensando no coletivo e não apenas na maximização de seus benefícios. A empresa sustentável persegue o lucro admirável e não o que impõe danos à natureza e à sociedade.

Como podemos traduzir tudo isso? A discussão sobre o futuro das florestas no Brasil é uma ótima ilustração do conceito de sustentabilidade na prática, ou da falta dele. A conservação e o uso sustentável das florestas é condição fundamental para que nosso país se desenvolva com sustentabilidade social, ambiental, econômica e cultural.

Desde que os levantamentos da FAO começaram a ser feitos na década de 60, conseguimos resultados expressivos na luta contra a destruição das florestas no mundo, e foi o Brasil o país que mais contribuiu para esse resultado.

A redução de quase 80% nas taxas de desmatamento da Amazônia desde 2004 é o resultado de uma política pública erigida sobre os fundamentos da sustentabilidade, que resultou no Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia. Nunca antes dominamos tão bem as técnicas de silvicultura para produzir de forma sustentável tantos bens e serviços das florestas como atualmente.

No entanto nunca antes se presenciou tão forte mobilização econômica e política para reverter a tendência de fortalecimento da governança socioambiental. O processo de mudança do Código Florestal foi uma claríssima demonstração desse conflito.

No momento em que escrevo este artigo, não sei qual será a decisão da presidente Dilma quanto ao projeto de lei que altera o Código Florestal. Centenas de jovens de todas as idades estão em frente ao Palácio do Planalto, fazendo uma simpática e cívica serenata para embalar a mente e o coração de nossa presidente para ajudá-la a contribuir para que a sustentabilidade seja um valor a orientar nossa caminhada rumo a uma sociedade desenvolvida, justa e fraterna.

Curiosamente, o setor florestal, que deveria exercer uma ação proativa na defesa da sustentabilidade, não se posicionou claramente em favor das florestas e sua conservação. A sustentabilidade é um conceito prático, tangível e auditável. Portanto é muito simples verificar sua observância nas condutas individuais, coletivas, empresariais e institucionais.

Como é que o setor de florestas plantadas pautará sua expansão para o nordeste brasileiro e como lidará com os remanescentes do bioma cerrado em estados como Piauí e Maranhão? O que a experiência de expansão da cultura de eucalipto em outras partes do Brasil nos ensina em termos de sustentabilidade?

Será que não deveria ser o próprio setor a estar defendendo a realização do zoneamento do eucalipto, para que, num processo democrático e transparente, se estabeleça a zona de expansão dessas culturas, observando a segurança alimentar e a biodiversidade? Não seria coerente se o próprio setor de florestas plantadas assumisse o compromisso voluntário de desmatamento zero?

Não seria uma postura sustentavelmente coerente se o governo obrigasse os bancos oficiais a regulamentar a cobrança da taxa de juros de 4,5% prevista em lei para o exercício da atividade florestal? Não seria bom se houvesse um investimento público expressivo no desenvolvimento de silvicultura de espécies nativas, na qual se pudesse gerar atividades econômicas, emprego, renda e divisas, de forma sustentável?

E que tal investir para que o Serviço Florestal Brasileiro seja uma instituição robusta, com grande poder de fomentar o crescimento do setor florestal sustentável no País? Afinal, temos ministérios e secretarias de peso voltadas para a pesca, a agricultura, a indústria, mas e para as florestas, que representam 65% do território nacional?

Costumo repetir quase como um mantra as instigantes palavras da psicopedagoga gaúcha Nádia Bossa, “a realidade responde na língua em que é perguntada”. Acho que essas são algumas perguntas que não podem deixar de ser feitas à realidade de nosso tempo. A história do setor de florestas plantadas do Brasil é uma das boas provas de que, quando as perguntas são feitas na linguagem certa e comprometida, a realidade sempre está apta a nos dar a resposta.

A sustentabilidade não é apenas um conceito prático. Ela nos induz a fazer novas perguntas e a buscar novas respostas. A sustentabilidade é também um estilo, um ideal de vida, é mais que um simples modo de fazer, é uma maneira de ser, que se realiza quando se torna exemplo de vida prático, dos negócios à política.