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José Leonardo de Moraes Gonçalves

Professor de Solos e Nutrição Florestal da Esalq-USP

OpCP70

Manejo ecológico do solo florestal
Nas últimas quatro décadas, houve grandes inovações nas áreas de conservação e manejo de solos, com importantes contribuições para a sustentabilidade das cadeias de produção florestal. Entre elas, destacam-se a consolidação do cultivo mínimo do solo, os avanços no conhecimento da nutrição florestal e a calibração das recomendações de fertilizantes. A grande lacuna científica e tecnológica a ser desenvolvida é a do manejo ecológico do solo.
 
Quando se remove a vegetação nativa e se estabelece uma monocultura, ocorre no solo uma intensa alteração dos seus organismos (microbiota e fauna), com proliferação de novos predadores e patógenos, que, antes, estavam em equilíbrio com os demais organismos. Algumas doenças e pragas do sistema radicular ou da parte aérea das árvores, que têm algum estádio do ciclo de vida no solo, só atingem níveis de dano econômico, em grande parte, por causa desse desequilíbrio ecológico. 

Atualmente, entre as doenças, as que causam as murchas vasculares, são as principais: o fungo Ceratocystis fimbriata, as bactérias Ralstonia solanacearum e Erwinia psidii; e, entre as pragas, Gonipterus platensis, Costalimaita ferruginea, Iridopsis panopla, Apatelodes sericea, Glena unipennaria e G. bipennaria, entre outras. Para se fazer o controle biológico de pragas que têm algum estágio de vida no solo, têm sido testados nematoides entomopatogênicos. Em uma dissertação de mestrado defendida por Luana Faria, em 2020, orientada por Silvia Wilcken, na Unesp/FCA, verificou-se que a espécie de nematoide Steinernema puertoricense teve boa eficiência no controle de pré-pupas de Gonipterus platenses.

O uso de práticas silviculturais que beneficiam a biota do solo é essencial para manter a sustentabilidade das plantações. Entre elas estão 1) o cultivo mínimo do solo, 2) as práticas com impacto reduzido nos atributos físicos do solo, 3) o plantio multiespecífico de essências florestais e 4) a manutenção de sub-bosque nos povoamentos. 

Por meio do cultivo mínimo, se evita a desestruturação física do solo, se mantêm ou elevam os aportes de C e se cria um microambiente de temperatura, umidade e aeração favorável à biota na camada superior do solo. O uso de máquinas com rodado de baixo poder compressivo, nas práticas de implantação, manutenção e colheita, também contribui para a manutenção da integridade física da estrutura do solo. Entre as práticas de colheita, o baldeio da madeira com skidder é prejudicial à atividade biológica do solo e deve ser evitado, porque esse equipamento promove uma varredura do solo, arrastando grande parte dos resíduos vegetais para a borda do talhão. Mais de 50% da área de solo fica descoberta, diminuindo os aportes de C ao solo e dessecando a camada superior. 

O plantio multiespecífico de essências florestais é convencionalmente usado nas áreas de conservação da vegetação nativa, o que gera ao solo grande aporte de substrato orgânico de diversas fontes vegetais, beneficiando a proliferação de uma gama variada de organismos. 

Quanto ao controle de plantas daninhas, é conveniente evitar sua exterminação total, ao menos após o fechamento de copas das árvores, pois também contribui para a adição diversificada de substrato orgânico ao solo e, consequentemente, intensifica sua atividade biológica. 

Algumas dessas espécies de plantas têm a capacidade de fixar N. Por exemplo, as braquiárias têm associadas à sua rizosfera bactérias do gênero Azospirilum, capazes de fixar N2 atmosférico. Também elevam os teores de matéria orgânica do solo e melhoram sua estrutura. Certamente que a quantidade mantida de sub-bosque deve ficar abaixo do nível de dano econômico para a plantação florestal. 
 
Alguns microrganismos podem proteger e/ou promover o crescimento das plantas. Entre eles, estão as rizobactérias simbiontes ou saprófitas de vida livre, que vivem na rizosfera: uma fina camada de solo ao redor das raízes finas. Assim, as plantas fornecem um habitat (ou nicho) para que esses microrganismos possam adquirir água, nutrientes e fontes de energia, como carbono e aminoácidos, além de metabólicos secundários. Entre as rizobactérias benéficas, são mais estudadas as espécies Pseudomonas fluorescens, Pseudomonas putida, Azospirillum brasilense, Serratia marcescens, Bacillus subtilis, Bacillus megaterium, Rhizobium, Bradyrhizobium, Arthrobacter, Enterobacter, Azotobacter, entre outras. As bactérias do gênero Pseudomonas têm especial destaque, porque possuem grande capacidade de suprimir patógenos do solo, têm ampla dispersão natural e alta população, além de produzirem grande variedade de antibióticos, sideróforos e hormônios de crescimento vegetal. 
 
Contudo, para propósitos práticos de uso no campo, as bactérias do gênero Bacillus apresentam algumas vantagens em relação às do gênero Pseudomonas: são mais resistentes à dessecação, formam endósporo e apresentam maior capacidade de sobrevivência quando formuladas com polímeros e inertes diversos. Dentre os fito-hormônios produzidos pelos microrganismos, estão as auxinas e as citocininas. Diretamente na planta, elas induzem o crescimento, o alongamento celular e a resistência aos estresses abióticos e estimulam a reprodução e colonização de microrganismos benéficos. Indiretamente, regulam a resposta imunológica da planta aos agentes patogênicos. 

Atualmente, com os riscos de oferta reduzida e com o aumento dos custos dos fertilizantes convencionais, têm se intensificado os estudos e os testes com fontes alternativas de nutrientes. Entre elas, está a aplicação a lanço ou a incorporação no solo de pó de rochas ricas em K (ex.: nefelina-sienito e sienito) ou P (fosfatos naturais). Os microrganismos contribuem para a solubilização dos nutrientes contidos nesses produtos. As bactérias e os fungos solubilizadores de K e P realizam este processo por meio da exsudação de ácidos orgânicos, cátion H+, exopolissacarídeos, sideróforos e enzimas (ex.: fosfatases). Conseguem também liberar o P adsorvido em óxidos de Fe e Al e mineralizar o P-orgânico, tornando-os disponíveis às plantas.

Entre as principais bactérias solubilizadoras de P, estão as dos gêneros Bacillus, Micrococcus, Pseudomonas, Burkholderia, Rhizobium, Agrobacterium, Azotobacter e Erwinia, e, entre os fungos, os dos gêneros Aspergillus e Penicillium. Recentemente, a Embrapa, em parceria com a empresa Bioma, lançou o inoculante BiomaPhos, composto por microrganismos solubilizadores de P. O produto desenvolvido pela equipe liderada pela Dra. Christiane A. O. Paiva, pesquisadora da Embrapa, é composto por cepas BRM 119 (Bacillus megaterium) e BRM 2084 (Bacillus subtilis). É vendido em forma líquida, indicado para aplicação via jato em sulco ou para tratamento de sementes.

O monitoramento dos organismos do solo constitui um bom indicador ecológico do nível de contaminação ambiental por agrodefensivos ou metais pesados. Os organismos bioindicadores atuam como espécies-sentinelas de mudanças precoces no ambiente. Não morrem por causa dessas alterações, apenas respondem a elas por meio de reações comportamentais ou metabólicas mensuráveis. Entre eles, as minhocas têm sido muito usadas, porque possuem papel destacado na decomposição da matéria orgânica e no transporte de microrganismos nos canais formados por sua escavação. Os teores de poluentes contidos em seus corpos têm relação direta com o grau de contaminação do solo e da serapilheira que ingerem. 

Enfim, a implementação de práticas efetivas de manejo ecológico do solo constitui mais um importante passo rumo ao estabelecimento de uma silvicultura regenerativa. Como se viu, a intensificação da atividade biológica do solo recupera e/ou mantem processos ecológicos essenciais, que contribuem para a nutrição mineral, a proteção fitossanitária, o crescimento e a sobrevivência das árvores. Esse é um ramo da ciência e da tecnologia que precisa ser mais estudado. Entre as diretrizes necessárias de P&D, podem-se relacionar:
1) a caracterização dos microbiomas do solo e da planta sob diferentes condições edafoclimáticas;
2) a avaliação espacial e temporal da influência das práticas de implantação, manutenção e colheita nos processos ecológicos do solo;
3) a introdução de novas práticas silviculturais que intensificam e diversificam a atividade biológica do solo;
4) o desenvolvimento de bioinoculantes capazes de melhorar a nutrição e a proteção fitossanitária das árvores.