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Paulo Henrique Müller da Silva

Pesquisador do IPEF, responsável por melhoramento genético

Op-CP-58

Um dos deveres do melhoramento: ampliar a tolerância a geada
Quando se comenta sobre tolerância a geadas, lembro-me de uma das questões das inúmeras provas que fiz durante minha graduação: “Por que o Eucalyptus grandis de Coffs Harbour NSW/Austrália não suporta a geada que ocorre na região Sul do Brasil? Apesar de ocorrerem várias geadas anualmente na região de origem da espécie”.

A resposta está relacionada ao desafio brasileiro e com o que ocorre na Austrália. A região de Coffs Harbour é de clima subtropical e independente do maior número de geadas por ano (são geadas chamadas de “branca” (white ou hoar frost), por causa da deposição do vapor d’água congelado sobre as folhas. A resposta está relacionada a alguns fatores, como a amplitude térmica das geadas que ocorrem em vários locais do Brasil, ou seja, não era apenas considerar o número de geadas, mas a intensidade delas. Parece intuitivo, mas na prática não é “tão” simples. 
 
Outro ponto importante: a inclusão de uma das mais plantadas espécies de eucalipto do mundo, o E. grandis. A espécie apresenta incremento médio anual imbatível em condições ambientais adequadas, porém possui características que devem ser melhoradas, inclusive a tolerância a geada. Responder à pergunta da prova foi fácil, mas, na “vida real”, existe a necessidade de muito trabalho e a junção de várias áreas (climatologia, fisiologia, nutrição, manejo, etc.). 
 
Na minha opinião, a tolerância a esse fator biótico é dever dos programas de melhoramento genético que atuam em condições subtropicais.  O melhoramento é a maneira mais eficaz de lidar com a maioria dos estresses que ocorrem nos plantios comerciais de qualquer cultura de importância econômica. Apesar de eficaz, demanda tempo e trabalho.

Acredito que o melhoramento clássico seja fundamental, e não estou descartando a biotecnologia (engenharia genética), que pode e deve auxiliar no processo, afinal de contas, já são conhecidos genes e rotas metabólicas que atuam nas tolerâncias das plantas. O melhorista precisa contar com as várias áreas do conhecimento para entender o processo e ter capacidade de utilizar o ferramental disponível.  
 
Vou opinar sobre o clássico, que utiliza a diversidade obtida com a evolução e que atua em combinações que não ocorreriam espontaneamente. Um ponto positivo para o melhoramento clássico são os bons resultados obtidos no nosso país e países vizinhos, nas instituições públicas e privadas, em relação à melhoria da tolerância ao frio. 
 
O primeiro passo é conhecer o ambiente. Temos ótimas condições de solo e precipitação para produção florestal. No entanto temos grande amplitude térmica nas geadas da região Sul do Brasil e também nos países vizinhos, como Argentina e Uruguai. Para exemplificar: implantamos um experimento em Curitibanos (SC), uma parceria Ipef e UF-SC, observamos grandes amplitudes térmicas diárias na média de 24 °C − a maior foi de 32,9 °C no ano de 2018. No estudo conduzido em Curitibanos, discutimos que uma geada isolada pode causar maiores danos às plantas que a ocorrência de várias geadas em sequência, pois, com a queda da temperatura abrupta, a planta não tem tempo de se “preparar” para tolerar o congelamento.
 
A escolha do material genético (gênero, espécie, procedências, etc.) é fundamental, mas devemos lembrar que a tolerância é uma das várias características de interesse. Entre os eucaliptos, podemos destacar algumas espécies, Eucalyptus benthamii, E. dunnii, E. nitens e E. viminalis, que pertencem ao mesmo subgênero das duas principais espécies trabalhadas no Brasil.

Existem muitas outras espécies, inclusive de outros gêneros, com tolerância ao frio, e nosso portfólio de espécies deve ser ampliado. Mas cabe ressaltar que é um trabalho de longo prazo e que pode ser conduzido por instituições de pesquisa. No Ipef, temos essa linha de trabalho que facilita o acesso ao germoplasma. A facilidade se deve, principalmente, ao tempo necessário para fazer a seleção e também à ocorrência do florescimento. É inviável buscar material na origem e imaginar que será inserido rapidamente nos programas de melhoramento, já que não trabalhamos com culturas anuais. 
 
As quatro espécies destacadas apresentam boa tolerância ao frio, mas existem diferentes níveis de tolerância e de outras características entre elas.  O Eucalyptus nitens e o E. viminalis deixam a desejar quanto ao crescimento na maioria dos locais. O que é comumente observado, pois espécies com tolerâncias aos estresses apresentam menor produtividade que as outras, como o E. grandis. As quatro espécies destacadas apresentam algumas características não interessantes, como enraizamento “ruim” e também florescimento mais tardio do que as mais difundidas no Brasil. Características que dificultam a adoção comercial e o melhoramento do material.
 
 Gosto do E. dunnii, talvez a espécie de menor tolerância a geada das quatro destacadas. A espécie apresenta bom crescimento e qualidade de madeira adequada para várias finalidades. Existem inúmeros programas de melhoramento da espécie. Tive a satisfação de conhecê-los em várias empresas e também na Embrapa, bem como no Inta (Argentina), sendo, entre as espécies destacadas, a mais melhorada.

O programa cooperativo de melhoramento do Ipef, em parceria com a empresa Palmasola, implantou a população em Santa Catarina, e um dos motivos foi o ambiente propício para seleção de material tolerante a geada e a ocorrência de florescimento, além de se tratar de uma excelente empresa parceira. 

Um ponto forte e que trabalhamos no Ipef é a hibridação; temos o híbrido com E. urophylla, que gerou indivíduos muito bons, com potenciais de se tornarem clones comerciais para diferentes regiões do País. O E. dunnii também apresenta bom crescimento em regiões mais quentes.  O E. benthamii despertou minha atenção pela alta tolerância ao frio, apesar da região de origem não ser as com as ocorrências das geadas mais fortes da Austrália, ou seja, se considerássemos apenas a similaridade climática, a espécie não seria escolhida.

É importante, para nós, melhoristas, não ficarmos presos a alguns conceitos preestabelecidos, ou seja, não sermos “preconceituosos”. A população implantada pelo programa de melhoramento cooperativo está também em Santa Catarina, na empresa Klabin, pelos mesmos motivos da população de E. dunnii.
 
Qual estratégia escolher para o melhoramento? O primeiro passo é ter base genética, fundamental para qualquer programa de melhoramento. O segundo passo é trabalhar com o avanço da geração de melhoramento via seleção recorrente e, em paralelo, com maior intensidade de seleção, podendo selecionar material em condições de geada (de ampla amplitude térmica). 
 
Se a espécie pura não atender à demanda do produto final (produtividade e/ou qualidade da matéria-prima), podemos trabalhar na hibridação, quando tivermos espécies compatíveis. Muitos híbridos simples podem atender à demanda comercial e ser clonados em larga escala.

No entanto, a partir da segregação obtida com os híbridos, podemos definir diferentes linhas de trabalho, como estabilizar o híbrido com novos cruzamentos, com as espécies parentais ou mesmo uma terceira espécie. Também é possível, a partir dos híbridos, pensar em populações sintéticas com o objetivo de juntar, em um único indivíduo, características de diversas espécies. 

O mais importante é destacar que as estratégias podem ser conduzidas paralelamente e que não são concorrentes. Acredito que sejam complementares, pois quanto maior o leque de opções para o melhorista, maior a chance de obter êxito, mas é claro que não podemos perder o foco e muito menos a base genética.