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Paulo Sadi Silochi

Produtor Rural

Op-CP-47

Eu fui testemunha desta história
Foi com surpresa que recebi o convite do editor-chefe da Revista Opiniões para ser articulista desta edição. Afinal, já se vão três anos que deixei o setor florestal, onde estive por quase 4 décadas. Agora sou produtor rural. Produzo café e, obviamente, madeira de eucalipto, em Capelinha, no Vale do Jequitinhonha-MG. Na conversa inicial, ele me sugeriu que escrevesse sobre a história da mecanização da colheita florestal em Minas Gerais – da qual fui testemunha. Aceitei o desafio.

Espero que a leitura seja agradável aos que a ela se dispuserem. Tive a honra de trabalhar, por 36 anos, em uma empresa siderúrgica de Minas Gerais que produz aço verde a partir de carvão vegetal, oriundo de floresta plantada de eucalipto. Essa empresa era estatal. Em 1992, foi privatizada. O corpo diretivo da agora empresa privada estabeleceu que a transformaria em uma corporação de primeiro mundo, na qual não haveria espaço para o modelo, terceiro mundista, de produção de carvão vegetal praticado pela subsidiária florestal.

O carvão vegetal, matéria-prima da indústria, em breve seria substituído pelo coque. Estava aí estabelecido o desafio para a empresa florestal: ou se reinventava ou desapareceria. Esse foi o ponto de partida para a antiga Acesita Energética se tornar a primeira empresa florestal de Minas Gerais a mecanizar a colheita florestal.
 
Formou-se uma equipe de planejamento estratégico, multidisciplinar, com os principais técnicos da empresa, os quais saíram em busca de soluções. Neste artigo, vou me ater às soluções da colheita florestal, que é o foco desta edição. Foram visitadas todas as principais empresas florestais do País, tanto as de base siderúrgica como as de celulose.

A equipe viajou para os Estados Unidos, Canadá, Suécia e Finlândia, países de forte economia florestal e com variados sistemas mecanizados de colheita de madeira. Lá foram visitadas inúmeras empresas, pequenos e grandes produtores e fábricas de equipamentos florestais de várias marcas. A presença em feiras como a Demo, no Canadá, e a Elmia, na Suécia, era obrigatória.
 
A cada viagem, ficava claro que os países visitados possuíam um adiantado sistema operacional e uma sólida economia de base florestal, mas com enorme barreira. As florestas de lá levavam até 70 anos para chegarem ao ponto de corte e nem por isso deixavam de ser plantadas novamente por quem as colhia. No Brasil, atingiam esse mesmo estágio com sete anos. Nos países escandinavos, a colheita florestal era feita por fazendeiros, com suas próprias máquinas, e a madeira, entregue na indústria.

Esses fazendeiros se deslocavam para as frentes de trabalho em automóveis Volvo e Scania que até hoje a maioria da nossa população não têm condição de adquirir. Como o produto final deles ia para o mesmo mercado que o nosso, sempre ficou claro que, no futuro, o Brasil teria um custo imbatível e seria muito competitivo. Só não é mais pelo nosso sistema político fiscal e pela falta de infraestrutura, enfim, o custo Brasil.
 
As viagens empreendidas permitiram a seguinte convicção: em um futuro breve, a exemplo dos países mais desenvolvidos, aconteceria uma escassez de mão de obra no Brasil. As novas gerações não se submeteriam mais a trabalhos manuais extenuantes. Os filhos de operadores de motosserra, carvoeiros e outros profissionais jamais seguiriam os passos dos pais. Ventos do neoliberalismo sopravam forte, e estudos mostravam que, em breve, o salário mínimo chegaria à casa dos US$ 100 mensais, tornando o uso intensivo da mão de obra proibitivo. Esses indicadores mostravam que a mecanização imediata era imperiosa.
 
O modelo de produção definido como o mais apropriado foi o de colheita de madeira em grandes volumes, com módulos compostos por feller buncher, skidder e garra traçadora. A indústria nacional não fabricava nenhum desses equipamentos. A importação era proibitiva. Optou-se, então, por iniciar testes com o feller de roda, que era mais acessível e já usado com sucesso em São Paulo pela área de celulose. Com pouco tempo de uso do feller de roda, o sistema mostrou-se viável e já pedia melhoria. 
 
Partiu-se, então, para a substituição do feller de roda pelo de esteira. A importação continuava proibitiva. Conseguiu-se, então, um parceiro nacional, que passou a fabricar, em Piracicaba, escavadeiras adaptadas ao serviço florestal. 
 
Com a máquina básica nacional, tornou-se viável a importação dos cabeçotes de corte, garras traçadoras e garras de movimentação de madeira. Foi a redenção da colheita mecanizada. Com as mudanças econômicas do País, foi possível, mais tarde, importar as máquinas de colheita diretamente dos fabricantes. Simultaneamente, desenvolveram-se fornecedores nacionais para as ferramentas de corte, carga e descarga de madeira. 
 
Implantar um sistema de colheita mecanizada no Vale do Jequitinhonha, uma região afastada dos grandes centros comerciais, longe de qualquer fornecedor, era outro desafio. Foi necessário desenvolver equipes de manutenção própria, qualificar os mecânicos e operadores. A logística de abastecimento dos equipamentos e de deslocamento dos mesmos foi outra barreira vencida. Como não existiam simuladores para formar os operadores, a missão ficou com os instrutores florestais. A forma de consolidar a nova cultura mecanizada foi erradicar a motosserra da empresa para não se ter um plano “B” e evitar o efeito serrote e a tentativa de, perante as dificuldades, voltar à antiga rotina.
 
Os ganhos com a mecanização da colheita foram enormes. Os custos caíram na mesma proporção em que o sistema ia se consolidando. O trabalho em três turnos no campo igualou a empresa rural à indústria. A qualificação dos empregos melhorou. A exigência de maior escolaridade dos operadores facilitou as implantações dos controles informatizados. Esse pessoal passou a ser elite e a gerar novas demandas no mercado local, passando a ser também geradores de empregos. A mecanização da colheita e das outras atividades produtivas, a melhoria genética dos plantios e um inovador manejo florestal permitiram a sobrevivência da empresa, pois ficou competitiva e desbancou o uso do coque em favor do carvão vegetal. 
 
A adoção de certificações internacionais foi uma consequência e serviram de aval para um trabalho executado com responsabilidade social, ambientalmente correto e economicamente viável. O processo de melhoria contínua e de qualidade total também foram fundamentais para a equalização do projeto.
 
O segredo para o sucesso da transformação de uma empresa florestal em uma corporação de primeiro mundo foi o planejamento estratégico que definiu aonde e como se queria chegar em dez anos. Estabeleceu cada passo da jornada, com constantes correções de rumo. A busca de conhecimento e troca de informações com as empresas congêneres foi outro pilar de sustentação. O setor florestal brasileiro tem uma característica única, que contribuiu para seu imenso crescimento e torná-lo imbatível: a livre troca de informação entre as equipes de produção das grandes empresas, as visitas constantes entre elas, os seminários e a interação com o meio acadêmico.
 
Com o avanço das tecnologias, o desafio a ser posto para os atuais planejadores estratégicos das empresas florestais e fabricantes de equipamentos é como colocar a inteligência artificial a serviço da colheita florestal.