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José Henrique Tertulino Rocha

Professor de Solos e Nutrição da FAEF - Faculdade de Ensino Superior e Formação Integral

Op-CP-57

Nutrição florestal: ciência x prática
Em 1968, o Prof. Helládio do Amaral Mello, fundador do IPEF e do curso de Engenharia Florestal da Esalq, defendeu sua tese de Livre docência cujo objetivo principal era responder à seguinte pergunta: É viável adubar plantações de eucalipto?

Atualmente, não há dúvida sobre a viabilidade e a importância da fertilização em plantações de Eucalipto e de outras culturas florestais, visto que essa prática resulta em ganhos médios de produtividade na ordem de 30% a 50%. São poucos os solos que possuem fertilidade suficientemente elevada para dispensar a fertilização, mas é crescente o número de áreas em que, sem fertilização, não é possível estabelecer uma plantação florestal. A importância do conhecimento da nutrição e da fertilização cresce concomitantemente à produtividade das plantações e ao aumento da intensidade da colheita florestal.
 
No âmbito da pesquisa, os estudos evoluíram muito desde a publicação da tese do Prof. Helládio. A importância da adubação para a produtividade e a sustentabilidade da produção florestal já é bem conhecida, embora ainda haja divergências quanto ao método de recomendação de fertilizantes. Estudos recentes estão focados em entender os seguintes aspectos:
1) importância da nutrição na qualidade da madeira;
2) importância da nutrição na tolerância ao ataque de pragas e doenças;
3) importância da nutrição na adaptação dos materiais genéticos às condições edafoclimáticas encontradas nas novas fronteiras florestais, que são mais desafiadoras; 
4) relação entre nutrição e expressão genética dos materiais plantados;
5) produção de fertilizantes com maior eficiência agronômica e melhores propriedades físico-químicas;
6) importância da fertilidade biológica do solo na nutrição e produtividade das florestas, dentre outros.

A nutrição pode afetar a qualidade da madeira e a tolerância das plantas ao ataque de pragas e doenças. De modo geral, elevadas doses de fertilizantes, especialmente os nitrogenados, aumentam a concentração de açúcares nas folhas, deixando as plantas mais susceptíveis ao ataque de pragas e doenças. 

Além disso, altas doses de fertilizantes podem elevar demasiadamente o índice de área foliar da floresta, aumentando o risco de mortalidade em condição de déficit hídrico prolongado. Altas taxas de crescimento também podem resultar em redução na densidade básica da madeira. Em contrapartida, uma equilibrada nutrição, com macro e micronutrientes, aumenta a tolerância das plantas ao ataque de pragas e doenças. 

Micronutrientes, como o B e o Cu, estão relacionados com a biossíntese da lignina; macronutrientes, como o K e o Mg, estão associados ao controle estomático e à proteção do aparato fotossintética, respectivamente.

Na edição Op-CP-43 da Revista Opiniões, o Prof. José Leonardo de Moraes Gonçalves, discorrendo sobre os avanços científicos na área de nutrição florestal, destacou dois pontos: um relacionado à lixiviação de nutrientes e parcelamento da fertilização e outro relacionado à importância do B para a expressão de alguns genes relacionados à adaptação de árvores de eucalipto ao déficit hídrico. O artigo do Prof. Leonardo foi publicado em 2016 apresentando resultados de pesquisas publicados desde 2010, mas esses temas ainda são frequentemente discutidos nas reuniões sobre fertilização florestal, e muitos silvicultores, receosos em aplicar esses resultados na prática, continuam parcelando a fertilização de cobertura em 2 a 4 aplicações. 

O uso de fertilizantes com maior tecnologia agregada em plantações florestais tem aumentado nos últimos anos. Diversos produtos foram lançados no mercado, e, em geral, consistem de: 
1) fontes de N de baixa volatilização (comum em ambiente florestal) e enriquecidas com S ou micronutrientes;
2) fontes de P complexadas com substâncias húmicas, objetivando a redução das perdas por fixação;
3) fontes de K menos salinas, permitindo a aplicação de toda a adubação em uma única dose, sem prejudicar as mudas;
4) misturas granuladas, ou seja, todos os nutrientes no mesmo grânulo, o que melhora as propriedades físicas dos fertilizantes e reduz o problema da segregação, sendo este de grande importância para os micronutrientes;
5) fontes de micronutrientes mais solúveis e de maior eficiência agronômica tanto para aplicação foliar (especialmente para B) quanto via solo, dentre outras. 

A chamada fertilidade biológica do solo também vem ganhando destaque nas discussões sobre nutrição florestal. Em um experimento de longa duração instalado na Estação Experimental de Itatinga, pertencente à Esalq-USP, observou-se que a remoção dos resíduos florestais após a colheita reduziu drasticamente o teor de matéria orgânica e consequente atividade biológica do solo, sem afetar a produtividade de madeira quando os nutrientes removidos com os resíduos foram repostos via fertilização.

Entretanto, na segunda rotação com remoção consecutiva dos resíduos florestais, mesmo com a aplicação de altas doses de fertilizantes, houve redução de 14% na produtividade de madeira. Isso indica que a importância da matéria orgânica do solo e da manutenção dos resíduos florestais sobre o solo vai além do fornecimento de nutrientes. 

Após duas rotações de cultivo, na área onde os resíduos florestais foram mantidos, observou-se maior teor de matéria orgânica, maior atividade biológica, maior atividade enzimática (fosfatases), maior densidade de raízes finas e, consequentemente, maior produtividade. Apesar de todos esses avanços, o tema nutrição florestal está longe de ser dado por esgotado pela ciência, há ainda muito a ser estudado. 

Após descrever brevemente o que acredito ser alguns dos grandes avanços científicos da nutrição florestal nos últimos anos, atrevo-me a fazer algumas considerações sobre o que está sendo realizado na prática. Quando analisamos o setor de florestas plantadas no Brasil, podemos identificar dois “mundos” completamente distintos: o primeiro, das empresas verticalizadas, que possuem técnicos altamente qualificados e departamentos de pesquisa, e o segundo, dos produtores florestais, que, grosso modo, possuem baixo acesso a recomendações técnicas especializadas. 
 
No mundo das empresas verticalizadas, salvo algumas infelizes exceções, vemos recomendações de fertilização feitas no nível do talhão, embasadas na análise de solo e na produtividade esperada, executadas com auxílio de implementos com tecnologia de precisão embarcada e monitoramento nutricional subsequente. Isso, quando associado ao uso de fertilizantes de qualidade, resulta em alta uniformidade de aplicação, alta eficiência agronômica, adequada nutrição e consequentemente elevadas produtividades.

Essa é a receita de sucesso utilizada por diversas empresas; entretanto problemas financeiros, metas muito ousadas de plantio ou decisões equivocadas podem fazer com que essa receita não seja seguida, o que resulta em perdas de produtividade, degradação do solo e aumento do custo de exaustão da madeira.

No mundo dos produtores florestais, também salvando as devidas exceções, comumente vemos a ausência completa da fertilização ou a aplicação de uma mesma dose em vastas áreas, sem levar em consideração a disponibilidade de nutrientes do solo e o potencial produtivo do sítio florestal (a famosa “receita de bolo”). Isso, associado ao uso de fontes de nutrientes de baixa qualidade e baixa uniformidade de distribuição, resulta em florestas pouco produtivas e pouco rentáveis, além de degradação do solo.

Além da ciência, precisamos avançar muito na extensão. Não há validade no conhecimento científico se este não resultar em mudanças tecnológicas que aumentem a rentabilidade e a sustentabilidade das plantações florestais. Precisamos melhorar a agilidade e o dinamismo na transferência de tecnologia. Mesmo em empresas verticalizadas, há uma morosidade na aplicação do conhecimento científico.