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Luiz Gylvan Meira Filho

Pesquisador Visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e Pesquisador Titular do Instituto Tecnológico Vale

Op-CP-39

O limite da previsibilidade

O clima é definido como as estatísticas dos elementos que descrevem o estado da atmosfera e que variam no espaço e no tempo. Os elementos mais importantes são a temperatura e a precipitação, incluindo ainda a pressão e os ventos. De maneira mais ampla, o sistema climático inclui não somente a atmosfera, mas também os oceanos e a biosfera. A palavra “estatísticas”, no plural, implica que a descrição do clima significa não somente a média, mas a variância e os ciclos diurno e estacional.

Numa escala de tempo mais longo, sabemos, hoje, que o processo não é estacionário, ou seja, as estatísticas mudam lentamente com o tempo e, portanto, o clima muda. Em parte, devido à variabilidade natural do clima que, na ausência de maior conhecimento, somos obrigados a admitir, é composta de variações não previsíveis com média igual a zero. E também a chamada mudança do clima, resultante do aumento antrópico da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, o que provoca sua variação num determinado sentido somente.

Dentre as variáveis climáticas de interesse direto para os seres humanos, merece destaque a disponibilidade de água doce, necessária para tantos fins que seria impensável a vida humana sem ela. Se olharmos bem, a civilização adaptou-se à distribuição do clima e, em particular, da disponibilidade de água, no tempo e no espaço. As plantas e os animais o fizeram naturalmente, e os seres humanos, de forma consciente, buscaram otimizar a convivência com os elementos ambientais.

No entanto, como resultado da ação antrópica, o clima está em processo de mudança. Isso significa que, por definição, ficaremos em posição distinta da posição ótima para as novas condições do clima. Em particular, a disponibilidade de água será afetada. Os sistemas construídos ao longo de muitos anos para a captação e a distribuição de água foram localizados e dimensionados de acordo com as estatísticas disponíveis, baseadas no que ocorreu nas últimas décadas.

Ao serem alteradas as estatísticas, os sistemas deverão ser redesenhados para se adaptarem à nova realidade. Os detalhes do clima e, portanto, da mudança do clima, são complexos e incluem interações não lineares. Nossa capacidade de simular o clima fez progressos vertiginosos nas últimas décadas, graças ao aumento da capacidade de computadores de alto desempenho (supercomputadores) e da capacidade de observação com satélites artificiais de observação da atmosfera e da superfície.

No entanto há ainda lacunas importantes em nossa capacidade de apreciar as relações de causalidade entre diferentes aspectos do clima.  Um exemplo relevante é o efeito do desflorestamento sobre a precipitação em outras regiões. É tentador o raciocínio linear, plausível, que associa o desflorestamento a uma diminuição da evapotranspiração e, portanto, a uma diminuição da precipitação em outras regiões.

No entanto, é igualmente plausível argumentar que a quantidade de vapor d’água na atmosfera aumenta devido ao aumento de evaporação para uma atmosfera mais seca, tudo dependendo da dinâmica do transporte na atmosfera, o qual, por sua vez, depende fortemente das condições de temperatura na superfície dos oceanos vizinhos. Não se deve esquecer que, por mais que ainda haja espaço para o aperfeiçoamento de nossa compreensão do comportamento da atmosfera – o que será consubstanciado na capacidade de modelagem cada vez melhor –, chegaremos rapidamente ao limite da previsibilidade.

O sistema climático é caótico. Essa é talvez uma denominação enganosa para designar um sistema dinâmico excessivamente sensível às pequenas variações das condições iniciais. A melhor descrição desse limite da previsibilidade aparece no livro, que recomendo, A Essência do Caos - The Essence of Chaos, de Edward N. Lorenz. O livro transcreve um seminário do Prof. Lorenz onde ele apresenta, pela primeira vez, o “efeito borboleta” ao dizer: “Predictability: Does the Flap of a Butterfly’s Wings in Brazil Set off a Tornado in Texas?”, ou “Previsibilidade: O bater de asas de uma borboleta no Brasil provoca um tornado no Texas?”.

A resposta a essa pergunta é “não se sabe”, pois o sistema climático é caótico, e a associação causa-efeito embutida na pergunta está claramente além do limite de previsibilidade. De forma análoga, não é possível afirmar que o desflorestamento em uma região causa mudança no regime de chuvas em outra região. Por outro lado, os efeitos locais do desflorestamento sobre a disponibilidade de água são bem conhecidos, pois a presença de árvores afeta diretamente o destino da água da chuva, como bem descrito por outros autores nesta edição da revista.