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Antonio Carlos Mendes Thame

Deputado Federal membro da Comissão de Relações Exteriores e de Meio Ambiente

Op-CP-11

O Brasil em Bali

O Ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, declarou, no plenário da recente Conferência das Nações Unidas, em Bali: “Combater a mudança do clima é uma questão de sobrevivência. Diferentes países vêm a estas negociações com interesses e preocupações distintos. Todos, entretanto, têm a obrigação de contribuir para um resultado exitoso. Ninguém pode realizá-lo sozinho. Nada substitui o caminho multilateral. Todos nós devemos dar passos maiores e mais ousados, para reduzir as emissões. As responsabilidades são e devem ser diferenciadas. Entretanto, não podemos esquecer que elas são comuns. Não devemos nos esquecer de que as nossas responsabilidades são, não apenas, comuns e diferenciadas. Elas são, também, públicas. Enfrentar tais responsabilidades adequadamente é a própria razão de ser dos governos e das instituições internacionais”.

Pronunciamento magnífico, que vai direto ao cerne da questão: “a mudança do clima decorre da maior e mais grave falha de mercado na história do capitalismo” (Nicholas Stern, 2007). E para corrigir falhas de mercado, só existe uma forma: através de ações de governo. Este é o ponto: através de ações de governo.

Ou seja, não podemos ficar contando apenas com soluções de mercado, ou confiando na “solidariedade planetária”, pela qual, cientes do risco de uma tragédia que hoje é a maior ameaça à sobrevivência, em toda a história da humanidade, países viriam a assumir voluntariamente metas de redução ou a financiar atividades que reduzam emissões de gases do efeito estufa.

Por isso, o caminho não é estimular ações voluntárias, mas investir na cooperação multilateral, através da ação dos governos, coordenada e integrada sob a égide de uma organização internacional, para aprovar leis universais, juridicamente vinculantes, impositivas, que sejam respeitadas e cumpridas compulsoriamente por todos os países signatários da ONU.

A única saída é a via multilateral, revestida de compulsoriedade (e não voluntariedade) nas ações necessárias para enfrentar o problema. Foi exatamente o que afirmou, com precisão, o Ministro Amo-rim: “Nada substitui o caminho multilateral”. Condizente e consentâneo com o discurso do nosso Ministro, qual a proposta do Brasil para a Conferência de Bali?

Nenhuma. Ou o que é pior, a delegação brasileira defendeu posição diametralmente oposta ao discurso de seu próprio Ministro, qual seja: o Brasil não aceita que países em desenvolvimento venham a assumir metas internacionais compulsórias de redução de emissões de gases causadores do aquecimento global. Só seriam admitidas metas nacionais voluntárias.

Isto é lastimável, porque os relatórios do IPCC - Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, da ONU, preparados por mais de 2.000 cientistas, de mais de 100 países, demonstram que, para evitar aumento da temperatura da superfície da Terra superior a 2 graus centígrados (nível máximo tolerável), será preciso, até 2020, cortar de 25 a 40% das emissões, e até 2050, pelo menos 50% das emissões de gases do efeito estufa, em relação aos níveis de 1990.

Entre os maiores poluidores atuais, estão os Estados Unidos, a União Européia, a Rússia, o Japão, o Canadá e a Austrália, os quais fazem parte do grupo de países industrializados, integrantes do Anexo I do Protocolo de Kyoto. China, Índia, África do Sul, México, Brasil e Indonésia, países emergentes e que, portanto, não fazem parte do Anexo I, também são grandes poluidores. Todos juntos respondem por mais de 80% das emissões mundiais de gases causadores do aquecimento global.

Com respaldo nestes dados, impõe-se uma constatação inquestionável: sem a participação destes países, não há a menor possibilidade de se atingir os índices de redução de emissões necessários, para afastar o risco de ruptura da resiliência de ecossistemas essenciais à manutenção da vida humana no planeta. Todos sabem disso.

Por isso, não há mais lugar para discursos hipócritas ou para uma mera repetição enfadonha da ladainha das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, que pode estar correta ao tentar um acerto de contas com o passado, mas que não enxerga os grandes poluidores do presente e ignora irresponsavelmente a gravidade da situação e a necessidade de medidas urgentíssimas.

Na área ambiental, o “Brasil destacou-se na Conferência do Rio, em 1992, quando foi adotada a Convenção do Clima, e em Kyoto, quando levou a proposta de MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que até hoje é o único instrumento de transferência de recursos Norte-Sul, na área climática” (José Goldemberg, 2007).

Hoje, ao se aliar a China e a Índia, contra a assunção de metas de redução de gases, o Brasil renuncia a uma liderança inovadora e joga na lixeira da história sua posição de vanguarda nas questões ambientais. É claro que esta atitude não é gratuita. Ela é, na verdade, expressão de um desejo de superação do estágio de desenvolvimento retardatário, para atingir a plena realização de seu potencial de grandeza.

No entanto, as estimativas do IPCC mostram que não haverá tempo para realizar tantas esperanças e sonhos. Em menos de duas décadas, o aquecimento global será acelerado, eventos climáticos extremos irão consumir recursos escassos e esterilizar ou destruir grande parte dos recursos naturais. O argumento do Presidente Lula de que “não aceitamos fazer sacrifícios, porque temos o direito de crescer, como fizeram os ricos” é um sofisma inaceitável.

Vale para a China e para a Índia, que têm crescido perto de 10% ao ano, com energia suja. Não é o caso do Brasil, que tem sua economia alicerçada em uma matriz energética, por enquanto, predominantemente limpa: mais de 80% de nossa energia elétrica ainda advém de hidrelétricas. Nosso calcanhar de Aquiles, na área ambiental, são as queimadas e o desmatamento ilegal na Amazônia, responsáveis pela destruição, em média, de mais de 20.000 km2 anuais da floresta e pela maior parte das emissões brasileiras de CO2.

Nos anos de 2005 e 2006, o desmatamento da Amazônia diminuiu. No segundo semestre de 2007, os índices voltaram a subir assustadoramente, com a agravante de 25% das áreas desmatadas estarem em unidades de conservação ou reservas indígenas, as quais deveriam estar sob estrita vigilância dos governos estaduais e federal.

Este aumento no desmatamento, na verdade, confirma o que muitos já vinham observando: a redução nos anos de 2005 e 2006 deveu-se, muito mais, à queda dos preços e da demanda internacional por carne e por soja, do que a avanços na fiscalização ou monitoramento. No ano de 2007, com a cotação da soja chegando a níveis recordes na Bolsa de Chicago e com o crescimento das exportações de carne, o desmatamento voltou a aumentar.

Recentemente, Washington Novaes (O Estado de S. Paulo, 2007) manifestou estupefação pelo fato de o Ibama ter apenas 58 fiscais, para cobrir todo o estado do Amazonas, com 1,6 milhão de quilômetros quadrados. Na recente Conferência da ONU, em Bali, técnicos do Ministério do Meio Ambiente, em companhia da Ministra Marina Silva, apresentaram uma proposta de diminuir mais o desmatamento, desde que os países ricos concordem em pagar por isso.

Apresentaram detalhes e cifras para um previsível fundo que pretendem vir a criar, a fim de receber estes recursos, com os quais se poderá fazer um efetivo combate ao desmatamento. A proposta prevê que essas doações sejam voluntárias e que não gerem créditos de carbono. Mera filantropia, que permitiria aos filantropos receber diplomas de reconhecimento, para, com isso, melhorar sua imagem, ou seja, poder explorar comercialmente o carimbo de “ecologicamente corretos”.

Ações voluntárias, como a que o Brasil apresentou, não impressionam a ninguém. Aliás, uma conferência, como a de Bali, que buscou resultados multilaterais, compromissos internacionais compulsórios, não é o fórum adequado para tal apresentação, que, aliás, só ocorreu em um evento paralelo. Nunca é demais ressaltar que, não fosse o caráter mandatário das convenções internacionais, que depois de ratificadas pelos países transformam-se em leis internacionais, não faria sentido quase duzentos países reunirem-se em Bali, apenas para cada um dizer aquilo que voluntariamente está fazendo ou, o que é pior, apenas proclamar o que pretende fazer, mas nem começou.

Além disso, advogar programas de âmbito apenas nacional, de caráter voluntário, sem prefixação de metas e, portanto, sem que os resultados possam ser aferidos, medidos e cobrados, equivale a pedir autorização para se omitir. O Brasil passou despercebido em Bali, mas sua participação não foi inócua. Sua presença foi instrumental. O Brasil, assim como a China e a Índia, ao se recusarem a assumir quaisquer compromissos de assunção de metas obrigatórias de redução de gases do efeito estufa, contribuíram muito para reforçar a posição dos Estados Unidos, que durante toda a conferência defenderam, com meridiana clareza: “nada de metas de cortes de emissões, nada de compromissos obrigatórios e zero de contribuições financeiras”.

A delegação dos EUA, durante todo o tempo, só falou em “metas nacionais voluntárias”, o que equivale a pregar o abandono da necessidade de se perseguir um tratado internacional para proteger o clima, deixando que “cada país faça o que quiser, quando quiser”, para reduzir suas emissões. O fato é que o Brasil nunca esteve em uma “posição tão paralela à dos Estados Unidos, ambos se opondo a medidas universais obrigatórias e ambos preconizando que cada país tenha suas próprias metas e métodos nacionais de controle”, como ressaltou Luiz Lampreia (O Estado de S. Paulo, 2007).

Na verdade, o Brasil poderia e deveria estar liderando o G-77, bloco dos países emergentes. Ban Ki-Moon, secretário-geral da ONU, relembra que as deliberações, nos encontros multilaterais da ONU, exigem aprovação por consenso, ou seja, qualquer país tem poder de veto. Daí a necessidade de forte liderança política, que congregue países industrializados e os em desenvolvimento, exercida por líderes que tenham vontade política e visão para prever o que precisa ser feito e apressar o passo, com a necessária coragem de proceder a escolhas drásticas e imediatas, inclusive as mais difíceis, a fim de suprir a impressionante falta de urgência, que tem gerado uma reação mundial, angustiantemente inadequada.

Sem o exercício dessa forte liderança, a conferência de Bali resultou em texto final acordado, que não menciona metas a serem cumpridas por países industrializados, nem por países em desenvolvimento, limitando-se a reconhecer a necessidade de “cortes profundos” nas emissões e de todos os membros da convenção adotarem compromissos, vagos e genéricos, que sejam “mensuráveis, verificáveis e reportáveis”, de redução dos gases do efeito estufa.

O texto acordado apenas define o “mapa do caminho”, ou seja, quais deverão ser os próximos passos até 2009, considerado como prazo final para decidir como ficará o Protocolo de Kyoto, após 2012. Pode-se dizer que é um resultado pífio, um mínimo divisor comum, nada além de um mero calendário. O ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, encerra seu documentário dizendo que “felizmente, vontade política é um recurso renovável”.

Pode ser verdade, mas não é o cerne da questão. O que realmente importa é que vontade política não nasce por geração espontânea, e sim como conseqüência da pressão da sociedade. Se não houver essa pressão da sociedade organizada, se não houver crescente pressão da mídia, refletindo a conscientização popular, continuaremos a ter resultados insignificantes, que não conseguirão evitar o que os economistas chamam de “tragédia do uso dos bens coletivos”, em decorrência do abuso ou da sobre-utilizacão insustentável dos mesmos, por falta de regulamentação legal. Ou, nas palavras de Rubens Ricupero e Israel Klabin (O Globo, 2007), poderá ocorrer “a prevalência do tradicional ‘business as usual’, ou seja, continuaremos em rota direta para a tragédia, numa perspectiva antiética e irresponsável”.