Coautora: Natalia Guerin, Consultora florestal
Parece-nos essencial iniciarmos este artigo pela definição de política pública, que vem a ser um conjuntos de programas, ações e decisões tomadas pelos governos com a participação, direta ou indireta, de entes públicos ou privados que visam assegurar determinado direito de cidadania.
E é interessante notar que, desde o primeiro código florestal de 1934, as florestas já eram consideradas importantes para além da propriedade rural, conforme o que dispunha o Art. 1º: “As florestas existentes no território nacional, consideradas em conjunto, constituem bem de interesse comum a todos os habitantes, do país, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que as leis em geral, e especialmente este código, estabelecem”.
Para atender às demandas da sociedade atual, o momento exige uma nova abordagem em relação às florestas de produção, daí surge o conceito das florestas multifuncionais, que devem prover serviços ecossistêmicos e garantir a manutenção da biodiversidade e de processos ecológicos, para além de produtos voltados para consumo humano. Para se compreender o momento atual do papel das florestas na sociedade, é importante resgatar a evolução da percepção sociedade em relação às florestas (e todas as demais formas de vegetação nativa) ao longo do tempo:
Fase 1 (de 1934 até 1986): A floresta na propriedade rural estava a serviço da propriedade.
• A floresta protegia a água (daí o interesse comum do povo) e solo ou produzia madeira para a propriedade;
• Não se pensava em conservação da biodiversidade;
• O desmatamento era incentivado, mas havia obrigação de se respeitar limites. Entretanto, as propriedades já desmatadas (legalmente) estavam rigorosamente dentro da lei;
• A partir de 1986, o desmatamento deixa de ser incentivado. Nesse período, a silvicultura já estava consolidada em relação a espécies exóticas. A ecologia da restauração começa a ganhar espaço.
Fase 2 (de 1986 a 2000): A floresta na propriedade rural passa a ser vista como elemento ambiental e de conservação da biodiversidade.
• Começam a aparecer novas interpretações ao Código Florestal, principalmente após a promulgação da Constituição Federal em 1988. Entretanto, o foco das políticas públicas estava nas florestas em pé, e não na recomposição, exceto em Áreas de Preservação Permanente, principalmente de zonas ripárias;
• Em 1991, a Política Agrícola traz, pela primeira vez, a necessidade de recomposição da Reserva Legal;
• Neste período, a restauração ecológica passa a ser uma realidade e nos anos 1990 surgem as primeiras aplicações dos conceitos de ecologia da paisagem.
Fase 3 (de 2000 a 2012): A Reserva Legal passa a ser ambiental e surge a obrigação de sua recomposição.
• A propriedade deve estar a serviço da floresta, mas ainda mantém sua função de prestadora de serviços à propriedade;
• A Reserva Legal passou ser tratada pelo decreto que regulamenta a lei dos crimes ambientais. A ecologia da restauração, a silvicultura e a ecologia de paisagem começam a nortear os projetos de recomposição;
• A recomposição e conservação florestal passam a ser instrumentos das ações de mitigação das Mudanças Climáticas.
Fase 4: A partir de 2012 e em fase de consolidação.
• A atividade florestal econômica que existe desde a fase 1 era focada essencialmente em plantios de árvores exóticas (Pínus e Eucalipto). Surge então a discussão das florestas nativas plantadas voltadas para produção, sem perder de vista seu caráter ambiental;
• A restauração ecológica evoluiu dissociada da silvicultura e para fins de produção de madeira, especificamente, a ausência de aplicação de técnicas silviculturais resultou em fracassos no campo. Surge o termo “Silvicultura de Nativas”, que evidencia a importância e a necessidade da combinação de técnicas silviculturais e da restauração quando se almeja conciliar a produção, conservação e manutenção de processos ecológicos.
• A atuação dos órgãos ambientais é mais enfática e, neste momento, procura normatizar as ações de restauração e produção de modo a garantir a manutenção de processos ecológicos e conectividade da paisagem. Desse modo, tanto plantios voltados
para recomposição de áreas legalmente protegidas, quanto nas áreas de uso econômico, há uma preocupação com os aspectos ambientais da propriedade.
Um bom exemplo está no Programa Remanescentes, previsto na Política Estadual de Mudanças Climáticas do estado de São Paulo.
Historicamente, pode-se dizer que saímos da fase dos códigos florestais (1934 e 1965), que dura até 1988. com a promulgação da Constituição, para um sistema jurídico de proteção, conservação, restauração da vegetação nativa e recentemente apoio às florestas plantadas, seja com exóticas ou nativas.
No processo histórico, o marco legal ficou dividido entre normas para contemplar o reflorestamento com espécies exóticas (tanto incentivo como limitações) e marcos para tentar conter o desmatamento ilegal. No momento em que se quer plantar espécies nativas, essa atividade fica envolvida pelas restrições impostas aos plantios e as restrições impostas ao uso de nativas . O que está surgindo é uma 3ª categoria de florestas – a das florestas plantadas com nativas, com fins ambientais e também econômicos, ou florestas multifuncionais, que podem vir associadas com espécies exóticas.
Os desafios por uma nova silvicultura fizeram com que a FAO envidasse esforços para uma nova definição. Recentemente a FAO vem trabalhando para uma nova definição para florestas, introduzindo o conceito de florestas multifuncionais. O diagrama em destaque foi traduzido e modificado a partir do diagrama apresentado por Hans Thiel, em 2018. Há, portanto, um arcabouço jurídico adequado para os desafios e necessidades futuras, bem como há metas ousadas, porém, exequíveis e há ainda a previsão dos instrumentos necessários, inclusive financeiros. No entanto ainda não há o ambiente institucional e procedimentos administrativos claros que viabilizem a concretização dos planos florestais estabelecidos.