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Carlos Rogério Andrade

Professor de Produtos Energéticos da Madeira na Universidade Federal de Goiás - UFG/Jataí

Op-CP-38

A bola da vez

O crescente aumento da população mundial, acompanhado pelo aumento do poder aquisitivo e a consequente ascensão das classes sociais, especialmente no Brasil, tem propiciado, sobremaneira, a melhoria da qualidade de vida das pessoas, que, a partir disso, podem satisfazer, a curto e médio prazo, suas necessidades materiais básicas.

Esse movimento traz consigo alguns pontos que podem ser considerados como um dos principais problemas da sociedade moderna, que é o grande volume de resíduos gerados e descartados diariamente pelos diversos setores que a representam. Nesse contexto, dentre os diversos tipos de rejeitos gerados, estão aqueles conhecidos como resíduos sólidos urbanos (RSU), que são representados, entre outros, por papéis, plásticos, vidros, alumínio, matéria orgânica e madeira. Do ponto de vista do aproveitamento energético desses materiais, cabe destaque ao componente “madeira”, devido, principalmente, ao seu caráter renovável e à sua reconhecida qualidade para geração de energia.

Nos municípios, os maiores geradores desses resíduos de madeira, em termos volumétricos, são os setores residencial, industrial e as prefeituras. O setor residencial responde, dentre outros, pelo descarte de móveis velhos, aparas de reformas em casas, edifícios e podas de árvores em jardins. O setor industrial, representado por todos os estabelecimentos comerciais e industriais em operação na área urbana do município, gera, em suas atividades, grandes volumes de madeira, como caixotes e paletes utilizados em embalagens e transporte de mercadorias e também uma parcela significativa de rejeitos de madeira da construção civil, que, muitas vezes, pode estar associada a contaminantes externos, como argamassa, cimento, gesso, tintas, vernizes, pregos, parafusos, etc.

As prefeituras, por sua vez, descartam grandes volumes de madeira provenientes de podas e limpeza urbanas e de restos de obras de infraestruturas em geral. Dentre os principais destinos comumente observados para a fração reciclável desses resíduos, estão os chamados Ecopontos, que, geralmente, são instalados pelas prefeituras – as Empresas de Reciclagem –, ou, ainda, podem ser reinseridos no próprio ciclo produtivo que o gerou, a depender do avanço na gestão dos resíduos sólidos no município/empreendimento.

Do ponto de vista jurídico, a legislação que trata da questão da gestão e do gerenciamento de resíduos sólidos urbanos no Brasil está devidamente regulamentada pela Lei Federal 12.305, de 2 de agosto de 2010, que reúne o conjunto de diretrizes e ações a serem adotadas com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento adequado dos resíduos sólidos.

Tal marco regulatório, conforme apresentado pelo Presidente da Câmara dos Deputados em Brasília, deve ser entendido como instrumento indutor do desenvolvimento social, econômico e ambiental para a sociedade. Contudo, embora de grande importância para o País, os impactos positivos advindos da sua aplicação ainda são pontuais e de reduzida abrangência, carecendo de maior empenho de dirigentes políticos e dos diversos setores envolvidos, no sentido de se colocar em prática as diretrizes estabelecidas nessa Lei, uma vez que, em maior ou menor grau, todos cooperam para com a geração destes no ambiente urbano.

Nessa linha, diversos pesquisadores têm procurado contribuir com estudos relacionados ao uso energético desses resíduos de madeira que, no que tange à matéria-prima, apresenta como principais oportunidades de progresso aquelas ligadas à sua heterogeneidade, umidade e, especialmente, aos diferentes níveis de contaminação a que ela pode estar associada.

Em relação ao uso energético desses rejeitos, podemos, inadvertidamente, pensar se que trata de uma biomassa como outra qualquer, que poderia ser aproveitada diretamente em sistemas de gaseificação e/ou incineração, comuns no tratamento de resíduos sólidos urbanos.

No entanto, pelo viés da sustentabilidade ambiental, há que se conhecer, de forma ampla e irrestrita, todas as características dessa madeira, sobretudo aquelas ligadas à possível presença de agentes contaminantes que, por sua vez, podem estar associados à presença de metais pesados, a componentes nocivos nos gases da combustão e ao alto teor de cinzas resultantes do processo, além, é claro, da sua densidade energética.

No que tange à presença de metais pesados, eles podem estar associados aos componentes químicos constituintes de  tintas, resinas, vernizes, retardantes de fogo, coberturas de painéis de madeira e químicos preservantes da degradação biológica e poderão aparecer nos gases e nas cinzas resultantes da pirólise do material. Nesse contexto, faz-se necessário observar, de forma preliminar ao uso, as legislações estaduais e federais em vigor, de forma a oferecer o correto manejo e destino desses rejeitos.

Em relação aos gases da combustão, a maior preocupação deve ser em relação aos gases de efeito estufa (GEE), aos gases causadores de chuva ácida e às dioxinas e furanos. Para tanto, torna-se necessária uma ampla investigação nos diferentes tipos de gases que podem ser liberados a partir da queima dessa madeira, atentando-se, de igual modo, aos parâmetros arrolados na legislação ambiental em vigor.

Do ponto de vista tecnológico, talvez um dos grandes desafios seja aquele relacionado ao alto teor de cinzas provenientes da queima desses resíduos. Essas cinzas podem ter origem a partir dos minerais que permanecem aderidos à superfície da madeira, quando do seu uso em serviço, de maneira especial no setor da construção civil. Uma alta porcentagem de cinzas leva à redução no valor do poder calorífico e a problemas relativos ao processo industrial, pois, quando em altas temperaturas, as cinzas se fundem
e, uma vez associadas aos gases da combustão, podem ocasionar danos em caldeiras e em frequentes intervenções no processo, para fins de manutenção e limpeza de equipamentos.

Nesse sentido, o maior esforço está na busca por soluções que possibilitem a descontaminação do material, de forma precedente ao seu uso energético. De igual importância, cita-se a densidade energética do material, que pode ser otimizada a partir da redução da heterogeneidade física, química e energética desses resíduos. A busca por uma matéria-prima mais homogênea pode ser alcançada, por exemplo, por meio da aplicação de tratamentos térmicos, como a torrefação e a carbonização.

Esses tratamentos proporcionam aumentos nos valores de poder calorífico, reduzem a densidade a granel, reduzem a afinidade da biomassa com a umidade, aumentam a resistência à degradação biológica e, no caso particular da carbonização, possibilita o uso do carvão vegetal em formato pó, em sistemas de pulverização, típicos de alto fornos siderúrgicos.

O potencial energético dos resíduos urbanos de madeira é, portanto, evidente, e, a cada dia, ganha mais espaço no cenário nacional e internacional, notadamente em relação à facilidade de aquisição e ao baixo custo da matéria-prima, à instabilidade na oferta de fontes convencionais de energia elétrica e à tendência mundial de redução das emissões gasosas a partir do uso de derivados de petróleo.

Por essa razão, surgem inúmeros desafios que requerem atenção especial, como a descontaminação da matéria-prima; estudos da participação dessa biomassa na composição dos RSU (porcentagem e sazonalidade); estudo dos impactos ambientais originados a partir da queima do combustível; treinamento e capacitação de pessoal; política de incentivos fiscais ao setor, tal como ocorre com os combustíveis fosseis; maior aproximação dos agentes envolvidos; ampla disseminação do conhecimento adquirido; revisão e readequação dos processos e máquinas que irão receber essa “nova” matéria-prima; e, por fim, uma desmedida vontade do poder público e da sociedade em não apenas minimizar um passivo ambiental, mas também em contribuir para um crescimento que permita melhores condições de vida às gerações atuais e futuras.