Me chame no WhatsApp Agora!

José Otávio Brito

Professor Especialista em Bioenergia e Bioprodutos de Base Florestal da Esalq-USP

Op-CP-38

Madeira para energia: “invisível”, mas fundamental

A dependência humana frente aos recursos florestais encontra-se fortemente atrelada à obtenção de madeira. No simples e pequeno objeto artesanal ou no mais sofisticado produto industrial fibroso, a madeira se faz constantemente presente. Sua grande disponibilidade, frente à ampla existência de fontes de fornecimento, às tradições culturais, às tecnologias de transformação e à competitividade econômica, coloca-a no rol dos produtos básicos mais consumidos no mundo.

Considerando-se as populações dos países julgados histórica e tradicionalmente mais desenvolvidos, o que se apresenta mais visível, em relação ao uso da madeira, é o conjunto dos chamados produtos fibrosos, principalmente ligados aos componentes da construção civil, da habitação, do mobiliário e do papel em seus mais variados tipos. No entanto isso não representa, quantitativamente, a maior parcela de produtos que demandam a madeira como fonte primária de aplicação.

Existe uma utilização da madeira, à qual se pode atribuir uma certa “invisibilidade de demanda”, que se sobressai perante todas as demais formas. Trata-se da sua aplicação como fonte de energia. A considerada “invisibilidade de demanda” do uso da madeira para energia existe devido a diversos aspectos. O primeiro deles é ligado ao fato de que, com pequenas exceções, as principais áreas florestais supridoras de madeira encontram-se em regiões fora do quadro dos países considerados economicamente mais desenvolvidos.

Dentre outras razões, forçados pela ausência de fontes de suprimento, o uso da madeira para energia em tais regiões não progrediu, e suas demandas se basearam, fundamentalmente, nos derivados do petróleo, carvão mineral e energia nuclear e, em
alguns casos específicos, na hidroeletricidade. Ocorre que, tradicionalmente, por razões histórico-culturais, é no exemplo de tais países que os considerados menos desenvolvidos têm adotado seus modelos e padrões de evoluções econômicas e sociais.

Em tais modelos, até recentemente, a madeira não tinha representatividade. Isso é, sobretudo, verdadeiro, em se considerando as tecnologias, a infraestrutura de geração e uso e as definições políticas dos governos em torno das opções de atendimento das demandas energético. Em suma, o “modelo de fora” sempre foi mais valorizado e visto como sendo o melhor.


Não é, portanto, sem justificativa que, em tempos não muito distantes, era muito comum se deparar com expressões do tipo “usar lenha é coisa de país atrasado”. Tudo isso, mais modernamente, parece estar caminhando numa nova direção, quando técnicos, empresários e membros de decisão de governo de várias nações consideram na madeira valores estratégicos significativos, visando ao atendimento da demanda por energia, de forma sustentável e ambientalmente limpa.

Outro aspecto importante é o de que, no próprio setor florestal, sempre houve um forte conceito de que o uso da madeira para energia seria, comparativamente, menos relevante do que destiná-la a outras aplicações. E ainda mais, que a política para o desenvolvimento do setor deveria ser dirigida para os valores atrelados aos grandes complexos industriais para seu processamento, na visão voltada para empreendimentos com intensa demanda de capital e de retorno de investimento.

Vale a pena lembrar que, até pouco tempo, junto ao setor florestal e madeireiro, eram usadas as expressões do tipo “não se deve usar madeira para lenha, e sim para usos mais nobres”. Felizmente, esse jargão é “coisa do passado”, pois seria difícil acreditar na existência de alguém que afirme que, modernamente, “gerar energia não seja algo nobre”.

A “invisibilidade da demanda” ainda se deve ao fato de que, globalmente, uma grande parcela da madeira que é usada para energia tem sido obtida e aplicada, de maneira informal, sem nenhum controle quanto à origem, modelo de obtenção, processamento e uso. Com isso, as informações e estatísticas relacionadas ao setor são poucas e, muitas vezes, inseguras.

Cria-se um círculo vicioso, em que, por falta de informações, não se considera a situação e, sem tal informação, não se valoriza a aplicação. Nesse contexto, há ainda uma forte ausência, principalmente, dos órgãos de pesquisa e de planejamento, no sentido de se lançarem mais consistentemente em estudos junto ao setor. O fato é que, em vários locais do mundo, o uso da madeira para energia é considerado fator crucial para a própria subsistência das populações.

Na sua forma direta, como lenha, ou na forma do seu principal derivado energético, o carvão vegetal, a madeira é um combustível vital para o aquecimento e o preparo de alimento para bilhões de pessoas, em diversas regiões do planeta. Estima-se que, a cada seis pessoas, duas utilizam a madeira como a principal fonte de energia, particularmente para famílias de países em desenvolvimento, sustentando processos de secagens, cozimentos, fermentações, produções de eletricidade, etc.

Isso é mais evidente nas regiões que congregam os países com os menores níveis de desenvolvimento econômico. É importante destacar que, mesmo nos países mais desenvolvidos, em que pese a menor dependência comparativa às outras fontes energéticas, os volumes de madeira destinados a essa finalidade são bastante expressivos.

Na Alemanha, na Noruega e na Espanha, mais de 10% de toda a madeira usada têm destino energético. Na Rússia e na Suíça, esse valor é superior a 20%, enquanto na Dinamarca, na Itália e na Hungria, superam-se os 50%, segundo a FAO. É importante mencionar que a produção de madeira para energia na Europa tem exibido um significativo aumento nos últimos anos.

É notória mais uma fase em que se busca na madeira uma alternativa ou complemento para os combustíveis fósseis. A grande motivação está atrelada à questão ambiental. A possibilidade da reciclagem de CO2, a menor emissão de produtos químicos nocivos ao ambiente e, sobretudo, a sustentabilidade da produção são elementos básicos que têm despertado um interesse adicional frente a tal uso.

Além do mais, desde que haja um planejamento adequado, isso pode significar a diminuição da dependência energética externa e uma maior segurança quanto ao suprimento da demanda, algo que muitos dos combustíveis hoje empregados não proporcionam. Além disso, graças ao seu alto potencial renovável e produtivo, a madeira pode expressar uma matriz energética ambientalmente mais saudável e socialmente mais justa, pois é uma fonte de energia que possibilita uma importante taxa de geração de emprego.

É ainda importante destacar o enorme potencial de mercado que essa aplicação pode resultar e que ainda não foi devidamente analisado e explorado em toda a sua essência. Acima de tudo, o mercado energético possui uma característica de estabilidade de demanda e de preços muito mais estáveis que os mercados dos produtos tradicionais da madeira.

É diante de tal situação que se torna cada vez mais necessário se considerar os seguintes aspectos: a valorização do conceito do uso da madeira para energia como uma atividade compatível com as demais formas de utilização desse produto; o incremento na eficiência de aproveitamento dos atuais recursos mediante, por exemplo, uma maior intensidade de uso energético de resíduos provenientes dos diferentes processos de produção florestal e madeireira; tornar mais eficientes as técnicas e os processos de conversões energéticas da madeira.

Sem sombra de dúvidas, contudo, o maior desafio encontra-se na necessidade da intensificação das práticas para o correto manejo das florestas nativas e, sobretudo, no plantio de florestas com espécies de rápido crescimento. Somente isso poderá, no mínimo, garantir a manutenção dos estoques florestais em várias regiões do mundo, de forma a contribuir para a continuidade de oferta de madeira destinada ao uso energético.