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Philip Martin Fearnside

Pesquisador Sênior do Inpa, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

Op-CP-12

Florestas energéticas

Florestas energéticas têm um papel para desempenhar no combate ao efeito estufa, mas se for desejado que estas florestas tenham o efeito de mitigação de emissões, sem causar perda de biodiversidade, isto requer mudanças significativas no sistema de avaliação e contenção de impactos ambientais. A biomassa de madeira produzida de forma renovável pode ser usada para substituir fontes de carbono fóssil na geração de eletricidade, assim como no uso direto do calor pela combustão e como agente de redução na fundição de ferro-gusa.

O termo “florestas energéticas” é comumente usado, tanto para plantações silviculturais (como de eucalipto, por exemplo), como também para o manejo de florestas nativas. Os impactos ambientais dos dois são bastante diferentes. Plantações representam uma área na qual o Brasil tornou-se um dos principais atores globais e o país tem um grande corpo de profissionais qualificados (diferentemente do caso de manejo de florestas nativas, na Amazônia).

Quando substituem a vegetação natural, as florestas plantadas podem gerar severos impactos sobre a biodiversidade. Causam também, de forma indireta, idêntico impacto, quando provocam o deslocamento da agricultura e da pecuária para as áreas de vegetação nativa. Até agora, as plantações têm avançado, principalmente, às custas do Cerrado e de algumas sobras de Mata Atlântica.

A maior parte destas plantações é dedicada à produção de celulose, e não à geração de energia. Embora, deva ser esperado que o uso de madeira oriunda de florestas plantadas, para este propósito, aumente, independente de considerações sobre as emissões de gases de efeito estufa. Isto também é verdade para a produção de plantações voltadas a atender à demanda de mercados domésticos para madeira serrada e para outras formas de madeira maciça, que hoje têm origem, principalmente, da floresta amazônica.

Como a área que pode ser dedicada a plantações fora da Amazônia está se aproximando do esgotamento, é lógico esperar um grande deslocamento futuro da atividade de estabelecimento de novas plantações para a Amazônia: o “pulo da onça”. Até agora, plantações silviculturais na Amazônia têm sido de área limitada. A plantação de Jari, na fronteira entre Pará e Amapá, e a plantação Amcel/Champion, no Amapá Central, são as maiores, mas nenhuma dessas é dedicada à produção de energia.

Há muito tempo, foram planejadas grandes plantações na área da Estrada de Ferro de Carajás, dedicadas à geração de energia, mas a continuada disponibilidade de madeira “grátis”, a partir do desmatamento, limita a competitividade de florestas plantadas, enquanto existirem florestas nativas acessíveis, e o esforço de fazer cumprir os regulamentos ambientais for fraco.

Embora as usinas de ferro-gusa aleguem que o carvão vegetal que utilizam do desmatamento não causam nenhum impacto, a demanda para este carvão representa uma parte representativa do lucro, o que torna o desmatamento uma melhor opção financeira e empurra para adiante uma modificação do presente cenário.

A indústria de carvão vegetal no corredor de Carajás é notória por suas violações ambientais, assim como também pelo uso de trabalho infantil e de escravidão de adultos por dívidas. É esperada que a produção de ferro-gusa aumente enormemente, o que, juntamente com o esgotamento da floresta nativa, fará com que as plantações silviculturais tornem-se as principais fontes de madeira para carvão vegetal, no futuro. Dentre as vantagens deste cenário, está a perspectiva de redução dos abusos trabalhistas.

O manejo florestal também pode produzir biomassa para energia, mas requer cuidados especiais para assegurar a sustentabilidade e para limitar os impactos ambientais. Quando a floresta tropical é manejada para a produção de carvão vegetal, as árvores pequenas são as preferidas, diferentemente do manejo para a madeira de lei, onde as grandes árvores são as mais valiosas.

A preferência por árvores pequenas significa que a sustentabilidade de produção em longo prazo pode ser prejudicada, se estas classes de idade forem eliminadas. Também aumenta a tentação para simplesmente explorar toda a área, pois a mesma floresta pode atender aos mercados de carvão vegetal e de madeira de lei. A CVRD - Companhia Vale do Rio Doce, executou uma série de ensaios, visando testar o manejo da floresta amazônica para produção de carvão vegetal, em Buriticupu, Maranhão.

Os tratamentos a respeito dos quais os pesquisadores da CVRD estavam mais entusiasmados foram aqueles onde a mais alta porcentagem da área basal foi cortada, deixando apenas algumas árvores espalhadas, em uma área que, de outra forma, foi desmatada. Embora oficialmente chamada de “manejo”, para os olhos da maioria das pessoas, e também para um satélite, seria chamado de corte raso.

A biomassa da floresta amazônica tem sido usada para energia em vários contextos, onde poderia ser obtida madeira de desmatamento, sem a necessidade de manter uma floresta energética sob manejo. Quando o projeto Jari estava desmatando para ampliar as suas plantações, foi queimada madeira das derrubadas, como fonte de energia para a usina de celulose.

Da mesma maneira, a mina de bauxita da Mineração do Norte, em Trombetas, no estado do Pará, usou madeira nativa objetivando prover calor para secar a bauxita antes de carregar o minério em navios para exportação. Fazer cavacos e queimar madeira de floresta tropical não é tão fácil quanto pode parecer, em função de que algumas espécies têm alto conteúdo de sílica e podem danificar a maquinaria.

Na hidrelétrica de Balbina, a madeira dos 2% da área do reservatório, onde a floresta foi derrubada antes de inundar, foi transformada em cavacos e queimada em uma termoelétrica, para fornecer energia às operações de construção. Várias cidades na Amazônia, tais como Manacapuru, Amazonas, e Ariquemes, Rondônia, tiveram usinas termoelétricas, queimando madeira, quando estas cidades eram menores e mais floresta estava disponível.

Hoje, estas cidades trocaram madeira por outras fontes de energia, e as “florestas energéticas”, que foram planejadas, por exemplo, no caso de Manacapuru, não se desenvolveram. O avanço da tecnologia poderia tornar o futuro diferente do passado, no caso da Amazônia. O trabalho para o desenvolvimento de processos economicamente viáveis, para a produção de etanol celulósico, a partir de qualquer forma de biomassa, inclusive madeira, está acontecendo em um ritmo febril.

Isto é motivado pelo fato dos Estados Unidos terem uma nova “lei de energia”, aprovada pelo Congresso e assinada pelo Presidente George W. Bush, em 17 de dezembro de 2007, que declarou um “mandato”, requerendo, até 2022, uma produção anual de 136 bilhões de litros de etanol (5 vezes a produção atual dos EUA), dos quais 44% virão de fontes celulósicas.

A provisão deste volume tem um impacto direto em potencial sobre a vegetação nativa dentro dos Estados Unidos. Se já são preocupantes os efeitos nos preços globais de alimentos pelo atual uso de 23% da safra de milho dos Estados Unidos para a produção de etanol, pode-se imaginar que os esforços para cumprir o “mandato” do etanol poderão gerar um significativo aumento deste problema.

Caso se torne lucrativo triturar uma floresta e convertê-la em álcool, as implicações para a Amazônia são claras. Atualmente, ela está protegida pela inviabilidade econômica de colheita de florestas inteiras, mas o fato do setor madeireiro na Amazônia, hoje, operar, em grande parte, de forma ilegal é uma indicação de que um nível de governança muito maior será realmente necessário, se a região for resistir ao impacto em potencial de futuros desenvolvimentos em florestas energéticas.