Me chame no WhatsApp Agora!

Fabio Feldmann

Secretário Executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e Biodiversidade

Op-CP-11

Brasil: vilão ou líder?

O tema das mudanças climáticas ganhou especial destaque, com a divulgação do último relatório do IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, divulgado no ano passado, bem como pela premiação do Nobel da Paz ao ex-vice-presidente norte-americano Al Gore e ao próprio IPCC, em uma demonstração clara da importância do assunto.

Aliás, é bom registrar que, nos últimos anos, a escolha fez-se em favor de Wangari Maathai (queniana que teve a vida marcada pela luta contra o apartheid e implementou um amplo projeto de reflorestamento em seu país, com o plantio de mais de 30 milhões de árvores) e Muhammad Yunus (professor de economia, idealizador do micro-crédito e fundador do Banco Grameen, que tem como principal objetivo conceder crédito para população de baixa renda, sendo a maioria de seus clientes formada por mulheres), pessoas vinculadas aos temas ambientais e de pobreza.   

Podemos dizer que, a partir de 2007, o tema do aquecimento global atingiu um outro patamar de conscientização e que, de certo modo, se alcançou o consenso de que ações devam ser realizadas imediatamente, com a finalidade de estabilizar a concentração de carbono na atmosfera e evitar que o aumento da temperatura média do planeta supere 2ºC.

Ainda que pesem controvérsias sobre as estratégias de implementação e os compromissos dos países em desenvolvimento, especialmente China, Índia e Brasil, com destaque para o primeiro deles, em função do peso que adquiriu na economia mundial, a exemplo do que estamos vendo diante da crise americana. De dois anos para cá, no COP – Conferências das Partes, e na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, dois temas ganharam destaque: políticas de adaptação e desmatamento.

O primeiro é fácil de ser explicado, em decorrência da constatação das vulnerabilidades dos países diante do aquecimento global, o que exige preparação por parte de toda a sociedade, em termos muito concretos, ou seja, infra-estrutura para se enfrentar a elevação dos oceanos, planos de defesa civil para eventos climáticos extremos, incluindo avaliações nas economias dos países.

O segundo, que é o desmatamento, adquiriu relevância pela verificação de que praticamente 20% das emissões decorrem da mudança do uso do solo (LULUCF – Land use, Land-use change and Forestry), sendo que o Brasil é considerado o quarto emissor de gases de efeito estufa, por força do desmatamento da Amazônia. Diante desse quadro, pode-se analisar esta realidade, sob a perspectiva de riscos e oportunidades.

Na primeira hipótese, certamente seremos questionados pela comunidade internacional, sendo exigível a redução nas emissões, além do desgaste em nossa imagem, em termos de acesso ao mercado internacional de bens e serviços, de modo que medidas urgentes devem ser tomadas, na direção de promover um modelo efetivamente sustentável no bioma amazônico.

Certamente, é possível encontrar soluções, à medida em que grande parte das ações na região são ilegais, associadas à grilagem de terra, extração ilegal de madeira, violência física e outras modalidades de desrespeito aos direitos humanos e trabalhistas. A grande oportunidade para o Brasil, graças a sua disponibilidade de terra, sol e água, reside em aproveitar esse seu potencial de vantagens competitivas e utilizar, com inteligência, a sua experiência de gestão florestal de florestas plantadas, notadamente eucalipto e pinus, com a finalidade de atender à demanda de produtos florestais existente no mercado brasileiro, de forma a aliviar a pressão sobre os remanescentes florestais existentes - hoje utilizados, inclusive, para carvão vegetal da siderurgia.

Do ponto de vista climático, o Brasil tem enorme perspectiva de fornecer créditos ao mercado de carbono, gerado pelo Protocolo de Kyoto, através do MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, uma vez que teve aprovada uma metodologia inovadora, pela sua respectiva Junta Executiva. Em outras palavras, podemos restaurar ecossistemas degradados, com inegáveis vantagens sociais e ambientais, mediante esses novos mecanismos de mercado, introduzidos recentemente na “legislação internacional”.

No caso em questão, a empresa AES Tietê, responsável pelo projeto, além dos benefícios econômicos do mesmo, protegerá seus reservatórios de processos erosivos, através de ações de reflorestamento e, com isso, assegurará a geração de hidreletricidade. Outro tema relevante nas discussões internacionais, no âmbito da Convenção e do Protocolo, diz respeito ao chamado desmatamento evitado, ou seja, há necessidade de se encontrar mecanismos que estimulem a manutenção da floresta em pé, remunerando seus titulares, por prestarem o serviço ambiental de estocar carbono.

Trata-se de um assunto extremamente complexo, porque, se de um lado requer-se a diminuição dos altos índices de desmatamento, de outro não se pode correr o moral hazard (risco moral), pelo argumento usual no Brasil, quando se trata da discussão sobre o Código Florestal, de que sem compensação aos proprietários ocorrerá a supressão da vegetação.

De qualquer modo, vejo que o Brasil tem oportunidade de liderar o mundo nessas questões, devendo, para tanto, ter a coragem de definir boas políticas públicas florestais, com a participação de todos os stakeholders envolvidos neste assunto, quer na sua formulação, quer na posterior implementação, valendo lembrar que a China tem inovado nas suas políticas florestais, empregando novos instrumentos de mercado, que podem ser modelos de inspiração para nós. O que não é aceitável é a ausência de governança absoluta nessa matéria, tornando-nos, aos olhos do mundo, grandes vilões climáticos.