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Jorge L Colodette e Fernando J Borges Gomes

Professor Titular da UF-Viçosa e Professor de Produtos Florestais da UF-Rural do Rio de Janeiro, respectivamente

Op-CP-53

Avanços e oportunidades
Buscando-se uma sociedade mais sustentável, menos dependente de combustíveis fósseis, com processos industriais baseados em rotas de maior eficiência energética e mínima perda de matérias-primas, tem-se estudado e debatido, nos meios acadêmicos e industriais, diversas possibilidades do uso das plataformas de biorrefinaria lignocelulósica que visem à conversão de biomassas lignocelulósicas em uma grande variedade de produtos, tendo como um dos pilares mínimas emissões de poluentes.

Por exemplo, alguns estudos têm apontado para o desenvolvimento de veículos leves para melhor eficiência energética, com possibilidades de que mais de 40% a 50% da massa de aço estrutural, que compõe um veículo, possa ser substituída por material compósito de fibra de carbono, sendo por exemplo, a lignina oriunda de materiais lignocelulósicos uma fonte promissora desse material.
 
De uma forma geral, o conceito de biorrefinaria lignocelulósica pode ser definido como uma estratégia para o uso racional dos recursos utilizados em uma planta industrial. Idealmente aplicada à indústria que processa matérias-primas obtidas de fontes renováveis (cana-de-açúcar, madeira, bambu, etc.) em produtos de maior valor agregado (combustíveis avançados, materiais e produtos químicos). Nesse cenário, sendo muito estudada em associação à indústria de polpa celulósica Kraft. Por exemplo, praticamente todas as empresas de celulose no Brasil possuem projetos relacionados à área de biorrefinaria lignocelulósica em seus planos estratégicos e de expansões.
 
Nesse sentido, o mercado já está caminhando dos processos de validações dessas plataformas em escala piloto para as aplicações em escala industrial. Uma das principais rotas, inicialmente empregadas, será a biorrefinaria da lignina. Um exemplo de aplicação da biorrefinaria da lignina que está se concretizando em escala industrial é a unidade que está sendo instalada pela empresa Suzano Celulose e Papel e está sendo construída na cidade de Limeira-SP, a qual foi noticiada com uma capacidade inicial de produção da ordem de 20 mil toneladas por ano de lignina Kraft. O investimento da Suzano para a construção dessa planta de lignina está sendo da ordem de R$ 70 milhões, segundo informações divulgadas pela própria empresa, e a inauguração está prevista ainda para o ano de 2018. 
 
Esses investimentos em plataformas de biorrefinaria da lignina são provenientes da sua atual disponibilidade e do grande leque de possibilidades de aplicação que esse composto possui. Contudo, atualmente, a lignina ainda possui um relativo baixo grau de valor agregado. Principalmente quando comparado com o seu potencial, merecendo mais estudos que viabilizem as suas aplicações.

Por exemplo, os produtos que podem ser obtidos a partir da lignina isolada e que possuem maior valor potencial de mercado incluem materiais (fibras de carbono, carbonos técnicos, bioplásticos, adesivos, etc.), produtos químicos (lignosulfonatos e dispersantes, fenóis, BTX, etc.), combustíveis (syngas, bio-óleos, bioquerosene, etc.) e como ligante na produção de materiais energéticos (pellets, briquetes, etc.), entre outros. Ainda vale destacar que os exemplos de produtos listados com potenciais a serem obtidos a partir da lignina isolada são comumente empregados como matérias-primas em diversos segmentos industriais, e, em sua grande maioria, esses produtos, atualmente, são provenientes do petróleo e causam grande preocupação à sociedade.
 
Há um consenso entre os meios acadêmicos e industriais de que esses bioprodutos obtidos a partir da lignina devem ser de baixo custo e ter desempenho satisfatório, assim como os atuais produtos derivados do petróleo, para que sejam de fato competitivos. Por exemplo, o desenvolvimento de polímeros renováveis à base de lignina requerem tecnologias de processamento aprimoradas, incorporando à lignina as propriedades químicas e físicas desejadas. 
 
Já para combustíveis e produtos químicos, a despolimerização e o melhoramento da reatividade da lignina, incluindo tratamentos termoquímicos e catálise homogênea e heterogênea, são necessários. As características intrínsecas da lignina produziram, historicamente, múltiplos fluxos de bioprodutos, que exigem procedimentos extensivos de separação e purificação. 
 
Ainda no que tange ao potencial uso da lignina, e para que ela possa ser fonte de tantas aplicações, é necessário que seja grandemente modificada, utilizando-se técnicas de fracionamento, purificação, despolimerização, remoção de odor, remoções de íons (sódio e enxofre), descoloração, melhoria de solubilidade, etc. Dessa forma, cada bioproduto a ser obtido a partir da lignina tem seus desafios distintos, visto a variabilidade de aplicações, formas monoméricas variadas, sítios ativos distintos, polaridade, entre outras especificações que variam de produto a produto. 
 
É relevante destacar que qualquer estudo na área de biorrefinaria lignocelulósica requer conhecimento muito profundo do material fibroso a ser utilizado como fonte de matéria-prima. Apesar do potencial já descrito anteriormente para a lignina como matéria-prima para diversos segmentos industriais (indústrias química e de combustíveis, por exemplo), ela continua ainda sendo a menos utilizada em relação a outros biopolímeros lignocelulósicos. Dessa forma, para a valorização efetiva da lignina, é necessário estudos e desenvolvimento de tecnologias para viabilizar o seu uso em larga escala. Particular ênfase deve ser colocada na melhor compreensão de sua biossíntese e estrutura e das diferenças na estrutura e nas ligações químicas entre ligninas nativas e técnicas. 
 
Como oportunidades para a biorrefinaria lignocelulósica, é interessante destacar que, embora o mercado de celulose Kraft esteja indo muito bem no Brasil, sendo o País o segundo maior produtor mundial de celulose, e sendo as empresas desse setor de altíssima lucratividade, existe ainda espaço para melhorar o desempenho desse setor aplicando-se o conceito da biorrefinaria lignocelulósica. E a biorrefinaria da lignina está se consolidando como uma das primeiras estratégias a serem praticadas extensivamente em nosso país nesse sentido.