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Lineu Alberto Domit

Pesquisador e Chefe adjunto de transferência de tecnologia da Embrapa Agrossilvipastoril

Op-CP-40

Transferência de tecnologia em iLPF
Coautores: Luiz Carlos Balbino, Gladys Beatriz Martinez e Paulo Roberto Galerani, pesquisadores da Embrapa.

Os Programas de Transferência de Tecnologia (TT) em integração lavoura-pecuária-floresta (iLPF) necessitam considerar a complexidade desses sistemas para que efetivamente tenham sucesso. A iLPF é um conjunto de práticas e tecnologias, nos âmbitos agrícola, pecuário e florestal, que interagem entre si e de forma diferente, dependendo das regiões e biomas, condições que devem ser ponderadas na transferência de tecnologia dos sistemas. 
 
Essas características da iLPF estão tanto nos aspectos técnicos como comportamentais dos produtores e técnicos. Um produtor que adote a iLPF necessita conhecer a produção de grãos, a pecuária e a silvicultura, atividades muito específicas. Os produtores de grãos têm toda sua infraestrutura adequada à produção agrícola, e os pecuaristas, em geral, pouco conhecem de produção de grãos, e ambos desconhecem a produção florestal. A necessidade de dominar e de gerenciar as três atividades ao mesmo tempo, aliada à necessidade de infraestruturas diferentes para as operações, tem sido, possivelmente, um dos maiores entraves para a adoção mais ampla da iLPF. 
 
Contudo são inúmeros os arranjos possíveis dos componentes dos sistemas de iLPF, adequando-os a cada condição local, podendo, inclusive, variar dentro de uma mesma propriedade. Além disso, o sistema é dinâmico, ou seja, a exploração agrícola pode rotacionar com a pastagem, intercalando os renques arbóreos, o que permite ao produtor uma diversificação na produção rural. O processo de transferência de conhecimentos e tecnologias em sistemas produtivos complexos e interativos, que abrangem múltiplas variáveis no médio e no longo prazo, como os sistemas iLPF, também requer uma abordagem abrangente e que considere as especificidades locais, como infraestrutura e mercado.

Como muitos conhecimentos são gerados pelas experiências dos próprios agricultores, a integração entre os atores permite produzir inovações apropriadas, encurtando, 
assim, o tempo para a sua adoção. Por isso, os métodos de TT para iLPF necessitam de criatividade, ou seja, adaptabilidade em diversas regiões e de acordo com os perfis dos diferentes produtores, sejam eles empreendedores rurais, agricultores familiares ou assentados da reforma agrária. Além disso, dadas as características dos diversos sistemas iLPF, é primordial a formação e a implementação de uma rede de informações técnico-científicas como principal elemento catalisador e propulsor do processo de inovação.

Em razão do forte envolvimento de atores do setor produtivo, técnicos e pesquisadores, os métodos de transferência de conhecimentos e tecnologias devem ser norteados pelo envolvimento e pela participação desses atores. 
Dessa forma, além das ferramentas comuns de TT, alguns condicionantes e estratégias são especialmente impactantes na transferência de conhecimentos e tecnologias nos projetos de iLPF, como é o caso da capacitação continuada de agentes de assistência técnica e extensão rural e da implementação das Unidades de Referência Tecnológica (URTs).
 
Capacitação de técnicos e URTs: No que se refere aos fatores tecnológicos ligados ao conceito e à eficiência de TT, prioritariamente, a metodologia conhecida como capacitação continuada tem se mostrado a mais adequada e completa das metodologias de TT.
 
A capacitação continuada pressupõe a formação de redes institucionais, sistêmicas e contínuas, envolvendo, de forma participativa, a pesquisa, a assistência técnica pública e privada, os empreendedores rurais e os parceiros estratégicos, com o objetivo de capacitar agentes multiplicadores. Ligadas a essa metodologia estão as URTs. Trata-se de um modelo físico de sistema de produção, implantada em área pública ou privada, visando à validação, à demonstração e à transferência das tecnologias geradas, adaptadas e/ou recomendadas pela pesquisa, considerando as peculiaridades de cada região.

Essas unidades são utilizadas como importante ferramenta para a capacitação dos agentes multiplicadores e também para a estruturação de uma rede de instituições, profissionais e conhecimentos. Assim, as URTs imprimem capilaridade suficiente para disseminar os conceitos inerentes à iLPF: transferir os sistemas e as tecnologias necessários e adequados a cada ecorregião e promover a inovação e a sustentabilidade agrícola. A URT iLPF objetiva reproduzir sistemas de produção diversificados de grãos, fibra, carne, leite, lã, produtos florestais, dentre outros, realizados na mesma área, em plantio consorciado, em sucessão ou rotação, porém em escala reduzida.

Os sistemas são implantados de forma a maximizar a utilização dos ciclos biológicos das plantas, dos animais e de seus respectivos resíduos, assim como efeitos residuais de corretivos e nutrientes, minimizar/aperfeiçoar a utilização de agroquímicos, aumentar a eficiência no uso de máquinas, equipamentos e mão de obra. 
Com esse propósito, a URT induz ao desenvolvimento de uma estratégia produtiva adaptada às peculiaridades de cada propriedade rural. Em vez de ser “o modelo” para a região, é uma referência tecnológica de uso dos recursos da região de forma integrada e sustentável.

Ao estabelecer exemplos de funcionamento dos sistemas de produção e das tecnologias mais adequadas às condições locais, favorece a adoção de novas técnicas, atitudes e/ou comportamentos, fato que implica mudanças na visão dos produtores e dos técnicos e sua relação com o meio de produção. 
A decisão de implantar uma URT iLPF ocorre a partir de um problema, necessidade, oportunidade ou demanda regional que esteja diagnosticada por produtores e/ou profissionais da área. Sua implementação pode ser dividida em cinco etapas:

a. diagnóstico;
b. planejamento;
c. instalação;
d. condução e avaliação;
e. ações de TT. 

 
A implementação de URTs iLPF como unidades táticas de TT acontece com a participação de parceiros, os quais são envolvidos desde o diagnóstico até a comunicação de resultados e ações de TT. Como processo, essas etapas são interdependentes e concorrem para o resultado final. Na elaboração do diagnóstico, são consideradas atentamente a identificação e a escolha do produtor e da área da propriedade rural; a caracterização da região e dos recursos naturais e produtivos; e a descrição dos sistemas de produção mais comuns.

Após realizar a análise e a interpretação dos dados, identificando os principais problemas levantados e determinando a aptidão da unidade de produção, são definidas as tecnologias a serem validadas/transferidas e identificados os principais parceiros a serem envolvidos no processo. 
A condução de uma URT iLPF é efetuada mediante avaliações periódicas dos sistemas de produção utilizados. Esse acompanhamento visa garantir o adequado desenvolvimento dos diversos componentes.
 
Muitas dessas ações de transferência de tecnologia já são desenvolvidas nas diversas regiões brasileiras, onde centenas de URTs estão sendo conduzidas, formados grupos de técnicos do processo de capacitação continuada e acontecendo os dias de campo, cursos, seminários, workshops, visitas técnicas. Tudo isso ocorrendo de forma integrada e participando de forma direta para a ampliação da área com iLPF no Brasil. 
 
Exemplo marcante disso é o estado de Mato Grosso, onde existem 11 URTs distribuídas em todo o estado, formados oito grupos regionais de capacitação continuada de técnicos (assessores e consultores), que contam, em média, com 15 participantes, e também desenvolvidas, anualmente, diversas atividades de TT. Com isso, estima-se que a área com iLPF em Mato Grosso passará dos 10 mil hectares em 2004 para 700 mil hectares em 2015.