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Flávio José Simioni e José Mauro M. Ávila Paz Moreira

Professor da Universidade do Estado de Santa Catarina e Pesquisador da Embrapa Florestas, respectivamente

Op-CP-38

A competitividade da biomassa florestal

O aumento populacional e o crescimento da economia mundial aumentarão a demanda por energia para suprir as necessidades da humanidade. Entretanto, em tempos de mudanças climáticas e necessidade de redução das emissões globais de gases de efeito estufa para a atmosfera, tal demanda deve ser suprida a partir de fontes renováveis de energia.

A energia de biomassa, notadamente a florestal, apresenta-se como uma alternativa para a geração de energia, sendo que sua utilização depende não só do desempenho competitivo da produção florestal, como também da organização e do desenvolvimento de toda a cadeia produtiva que integra um polo madeireiro onde a mesma está inserida.

A competitividade da biomassa florestal como fonte energética está relacionada, além dos aspectos técnicos e específicos da produção silvicultural (custos de produção, IMA, qualidade da madeira, etc.), a diversos outros fatores sistêmicos relacionados a todo o complexo produtivo local (ambiente organizacional, aspectos legais e regulatórios, mercado, logística de distribuição, custos de transação, nível tecnológico, etc.).

A sua viabilidade econômica, social e ambiental depende do seu potencial de agregar valor para os diversos segmentos da cadeia, desde os fornecedores de insumos, produtores florestais, prestadores de serviço até o consumidor final da madeira, que, em última análise, deve utilizá-la em seu processo produtivo de modo a possibilitar a oferta de produtos e serviços ao consumidor final (seja energia, cerâmica ou grãos secos) a preços competitivos.


Dentre os aspectos citados que podem afetar de maneira significativa a competitividade dos plantios florestais que se destinam ao uso energético, finalidade que obtém o menor preço da produção florestal madeireira, são: os custos de produção, a logística de distribuição até o mercado consumidor, e o planejamento (ou estratégia de produção), visando ao uso múltiplo do recurso florestal.

No que se refere aos custos, todos os fatores de produção utilizados e as operações realizadas impactam no custo final. Contudo abordaremos, aqui, as economias de escala que resultam na redução dos custos médios de produção. A escala tem influência mais significativa nas operações de administração e proteção florestal, bem como no sistema de colheita florestal utilizado.

Pequenos produtores, geralmente, não obtêm receita suficiente para arcar com o custo de brigadas de combate a incêndios florestais e equipes de planejamento e inventário florestal, não realizando a medição e o acompanhamento do crescimento de suas florestas, de maneira a otimizar a idade de corte para obtenção do máximo retorno, seja físico ou econômico. Em contrapartida, na ausência de uma brigada de combate a incêndios, o monitoramento de uma pequena propriedade é mais fácil que em grandes propriedades, reduzindo a possibilidade da ocorrência de incêndios florestais.


A forma de comercialização geralmente adotada por pequenos ou médios produtores é a venda da madeira em pé. Dessa maneira, o preço máximo que o comprador de madeira estará disposto a pagar pela madeira em pé é o preço da madeira colocada no pátio do consumidor final, descontados os custos de colheita, transporte e as margens de lucro dos prestadores de serviço envolvidos nessas operações. Como um sistema de colheita mecanizada exige uma área mínima contígua (escala) a ser colhida para viabilizar a sua utilização, pequenas áreas acabam sendo colhidas por operações semimecanizadas, realizando corte com motosserra e baldeio em tratores com reboque ou tratores autocarregáveis.

Tais sistemas apresentam eficiência operacional inferior aos sistemas mecanizados, com maior custo unitário de colheita quando calculado para a área ótima de operação. Outra variável a ser considerada é o custo de oportunidade da terra utilizada para produção florestal. Terras com elevado potencial produtivo, relevo que permita a mecanização e mais próximas às boas vias para o escoamento da produção são mais caras para arrendamento, devendo tais custos (arrendamento, operações de plantio, colheita e transporte) serem analisados em conjunto para avaliar o impacto dos mesmos na rentabilidade da atividade.

Quanto à logística, a distância do mercado consumidor é outra variável que afeta, de maneira significativa, a rentabilidade da atividade. Quanto maior a distância do agente consumidor, maior o custo de frete a ser pago. Esse custo corrói a margem de comercialização e reduz o valor máximo que o comprador pode pagar ao produtor, impactando a rentabilidade da atividade e a competividade da cadeia produtiva como um todo.

Empreendimentos que exigem grande quantidade de madeira para energia, seja para a geração de calor, seja para a fabricação de carvão vegetal, devem ser instalados a uma distância relativamente próxima dos polos de produção, de maneira a minimizar o impacto do custo de transporte na cadeia produtiva. A seu favor, pequenos produtores contam com a possibilidade de realização de contratos de fomento florestal, o que daria uma garantia de compra da sua produção, além do fornecimento de insumos e assistência técnica pela fomentadora.

Uma estratégia de produção que pode potencializar a competitividade da produção de madeira para energia é a produção florestal objetivando o uso múltiplo. Ao se manejar um plantio florestal para obtenção de produtos de maior valor agregado (madeira para desdobro em serrarias ou laminação), reduz-se o volume de madeira por hectare destinado para energia.

Entretanto possibilita a oferta de lenha a um prazo um pouco menor que o corte raso, com a realização dos desbastes necessários à produção de madeira de maior diâmetro e uma pequena oferta no corte raso pelo aproveitamento das ponteiras das árvores. A principal vantagem, nesse caso, se origina no maior valor agregado da madeira para desdobro, o que viabiliza distâncias econômicas de transporte superiores à da madeira para energia.

Nesse caso, dinamiza-se a indústria de transformação da madeira, constituindo um complexo produtivo, onde os subprodutos (como as cascas) e os resíduos da produção de serrados (costaneiras, destopos, refilos) são transformados em cavacos que, juntamente com a serragem e a maravalha, podem ser utilizados para a produção de energia, inclusive viabilizando a instalação de plantas de cogeração (energia térmica e elétrica).

Existe também a possibilidade da destinação da produção florestal em pequena escala para consumo interno da propriedade, na utilização de fornos para a secagem da produção vegetal, aquecimento de aviários, torrefação da farinha de mandioca, cocção de alimentos, aquecimento das residências ou na produção de outros produtos de madeira, como caibros, escoras e vigas para construções rurais e moirões para construção e reparos de cercas.

Viabilizar essa estratégia não é simples. Seria preciso identificar tais polos de produção de madeira serrada ou fomentar a sua criação em um local de interesse. Além disso, criar mecanismos de incentivo aos produtores para trabalhar com madeira para múltiplo uso, o que requer maiores prazos para obtenção do retorno desejado e a adoção de regimes de manejo florestal mais elaborados, com a análise do impacto de diferentes intervenções (desbastes) no crescimento da floresta.

Em resumo, a viabilidade de uma determinada atividade pode não estar ligada apenas à sua operacionalização, mas à viabilidade de outros elos da cadeia produtiva onde ela se insere, devendo a sua competividade ser analisada, considerando as suas inter-relações e identificando os gargalos ao longo de toda a cadeia, e não apenas um elo de particular interesse.