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Demóstenes Barbosa da Silva

Diretor de Gestão de Meio Ambiente e Crédito de Carbono da AES Brasil

Op-CP-11

As florestas brasileiras no contexto das mudanças climáticas globais

É irônico o fato de que a lógica das economias de mercado, que triunfou globalmente sobre a lógica das economias planificadas, volta-se, agora, a questionamentos de seus próprios pressupostos básicos. Mecanismos de preços livres e lucratividade demonstraram enorme eficiência na alocação de recursos e no atendimento à maioria das necessidades humanas, nos séculos XIX e XX.

Mas, o senso de que há limites biofísicos, nos quais as economias de mercados podem operar sustentavelmente, e de que os mercados precisam incorporar o custo ambiental de suas operações, tem sido celeremente incorporado pela sociedade. Formadores de opiniões, governos, consumidores de bens e usuários de serviços, enfim, todos os setores da sociedade envolvidos nas decisões de expansão de ofertas e demandas de bens e serviços, amalgamados pelos meios de comunicação, que promovem eficiente difusão de informações e conscientizações, impulsionam uma grande mudança de critérios nos negócios.

A motivação maior dessa grande mudança está no crescente consenso sobre a imperiosa necessidade da sociedade global de reagir às conseqüências das mudanças na atmosfera do globo, notadamente o aquecimento global, decorrente da intensificação do efeito estufa, fenômeno cujas causas têm sido associadas às emissões de gases, principalmente CO2, oriundos das atividades socioeconômicas, desenvolvidas pelo homem.

Conhecer a verdade sobre essa associação entre aquecimento global e atividades antrópicas foi a primeira reação da sociedade, consubstanciada nas respostas dadas pelo IPCC - Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, organismo que reúne cientistas do mundo inteiro, dedicados ao conhecimento sobre o clima.

O IPCC recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2007, por sua contribuição na busca dessa verdade, sobre o aquecimento global, demandada pela sociedade. A divulgação do relatório do IPCC, em 2007, provocou intensas discussões, envolvendo amplos segmentos da sociedade; opiniões e consciências têm se expressado sobre a questão, novos critérios e cobranças por responsabilidades são reclamados: a sociedade exige sustentabilidade ambiental.

O IPCC demonstrou a necessidade, urgente, de se reverter a tendência de intensificação do aquecimento global, e indicou que há, basicamente, duas formas de ação para essa reversão: uma é a redução de emissões, que continuam sendo lançadas na atmosfera, haja vista o modelo econômico ainda em vigor, que amplamente emprega processos de combustão; a outra é a remoção de emissões já lançadas e estocadas na atmosfera, e isto pode ser feito pela expansão de processos de fotossíntese, através da ampliação de áreas florestadas.

O IPCC ressalta esta segunda forma como a mais eficiente, no esforço que se pode fazer em curto prazo, para a reversão da tendência do aquecimento global. É aí que entram em cena as florestas brasileiras, reconhecidas internacionalmente como ecossistemas essenciais para o reequilíbrio da tendência de aquecimento global.

Controvérsias à parte sobre o direito ao desenvolvimento econômico, o Brasil e o setor florestal brasileiro, necessariamente, terão que protagonizar novos critérios, que assegurem a continuidade dos negócios, fundamentados na exploração de florestas. O senso de que há limites biofísicos para o desenvolvimento, e que esses limites já foram ultrapassados, requererá grandes mudanças nos conceitos de projetos fundamentados na exploração florestal ou na extensa utilização do solo.

Essa mudança é inadiável, para que mantenham sua viabilidade nos emergentes mercados de economias sustentáveis. Além de usar habilidade na alocação de recursos escassos, as empresas e mercados sustentáveis terão que reconhecer explicitamente que o homem e suas atividades sociais e econômicas são parte de um ecossistema maior, global.

As regras do condomínio global em que todos vivemos, trabalhamos, geramos riquezas e fazemos negócios, encontram-se na pauta de amplas e intensas discussões, e serão alteradas. Haverá um novo código de ética socioambiental, determinante da sustentabilidade de empresas e mercados. Uma das primeiras questões que emergem, hoje, no Brasil e no exterior é o tratamento dado a áreas que pressupostamente devem ser ambientalmente protegidas.

Questionamentos quanto ao uso de extensas áreas para a produção de etanol, celulose, pastagens, fronteiras agrícolas de soja, reservatórios de usinas hidrelétricas, além da quase que indignação internacional pelo desflorestamento da Amazônia, são objetos de questionamentos no contexto global, em que se insere a economia brasileira.

Um dos pressupostos fundamentais da nova ordem de mercados sustentáveis e primeiro limite a ser cobrado pela sociedade é o uso sustentável do solo e o respeito e preservação dos ecossistemas. Já contamos, no Brasil, com o ordenamento regulamentar, que exige proteção às APPs - Áreas de Preservação Permanente, tal como definidas na Resolução Conama n° 302, de 2003.

As APPs estendem-se por todo o território nacional, cobrindo matas ciliares e topos de morros, áreas consideradas de essencial importância para a sustentabilidade de diversos ecossistemas e a legislação brasileira requer que as APPs sejam protegidas e exclui a possibilidade de exploração dos recursos nelas existentes, para que a regeneração de sua cobertura vegetal nativa ocorra sem impedimentos.

As APPs permeiam todas as áreas nas quais se desenvolvem atividades econômicas que utilizam largamente o solo, e, conseqüentemente, o uso desse solo e a efetiva proteção das APPs constituem os primeiros limites que a nova ordem de mercados sustentáveis imporá às empresas brasileiras, notadamente as empresas que se utilizam de recursos florestais.

A proteção efetiva das APPs implica em sua vedação à exploração econômica e, portanto, não geram receitas. A equação financeira de proprietários de APPs, para responder a esses critérios específicos da economia sustentável, torna-se um pouco mais complexa. Entretanto, felizmente já dispomos no Brasil de uma forma para viabilizar a proteção devida àquelas áreas: trata-se da recém aprovada Metodologia para Reflorestamento de Áreas Protegidas com Créditos de Carbono, a partir de reflorestamentos realizados em áreas protegidas, nas quais a cobertura vegetal deve ser preservada, proposta pela AES Tietê e aprovada pelo Comitê Executivo do MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, no âmbito do Protocolo de Kyoto, da Convenção Global sobre Mudanças do Clima, das Nações Unidas.

Com essa metodologia, é possível se desenvolver projetos de reflorestamento em áreas protegidas, viabilizados economicamente, com créditos de carbono certificados pelo MDL. Essa metodologia resultou do sonho de brasileiros, conscientes da necessidade de que o Brasil protagonize uma ideologia positiva sobre como assegurar sustentabilidade ao desenvolvimento brasileiro.

A metodologia é de domínio público, todos podem utilizá-la para elaborar projetos de reflorestamento em áreas protegidas, os quais poderão assegurar coexistência ambiental-mente sustentável, legítima e pacífica, globalmente aceita, de grandes projetos florestais e de uso de extensas áreas de terras com os ecos-sistemas brasileiros. O caminho para a sustentabilidade das florestas brasileiras está aberto! Vamos todos lançar mãos à obra!