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Etelvino Henrique Novotny

Pesquisador da Embrapa Solos

Op-CP-12

Biochar

Imagine uma tecnologia verdadeiramente carbono-negativa, onde há a efetiva remoção do gás carbônico atmosférico, mitigando, assim, as emissões antrópicas, e que esse carbono seqüestrado esteja em uma forma extremamente útil, melhorando a fertilidade do solo e, conseqüentemente, aumentando a produtividade deste, produzindo-se mais alimentos, com menor uso de fertilizantes em uma mesma área, reduzindo, assim, a pressão por desmatamentos.

Imagine ainda que essa tecnologia tenha como co-benefícios a produção de energia renovável e seja aplicável em qualquer escala, do pequeno agricultor familiar, aos grandes empreendimentos agroindustriais. Uma tecnologia que pode utilizar, como matéria-prima, resíduos de difícil descarte, alguns deles importantes passivos ambientais, e ainda tenha o apelo de recuperar conhecimentos indígenas pré-colombianos de tribos amazônicas desaparecidas e agregá-los à nossa realidade, com o ferramental científico moderno. Utopia? Acreditamos que não.

Esse é o cenário que se apresenta com a proposta de se utilizar na agricultura os resíduos da pirólise, a baixa temperatura, e de biorrefinarias. Esses processos são a produção de energia (calor, eletricidade e/ou biocombustíveis) e de substitutos a petroquímicos (polímeros, plásticos, agro e farmoquímicos, aditivos para combustíveis, etc), obtidos a partir do aquecimento de biomassa, na ausência de oxigênio.

Esses processos têm como resíduos materiais parcialmente carbonizados (biochar), normalmente de granulometria fina, com elevado teor de carbono, em uma forma recalcitrante, ou seja, apresentam um longo tempo de residência no solo. A matéria orgânica do solo é formada pelos resíduos vegetais e animais, em diferentes estágios de decomposição, sendo estabilizada pelo processo chamado humificação, e é, em grande parte, responsável pela manutenção da exuberância da floresta amazônica, para ficar apenas em um exemplo bem conhecido.

A matéria orgânica do solo, a despeito do conhecimento leigo, é o maior reservatório superficial de carbono, correspondendo a três ou quatro vezes a quantidade de carbono existente na biomassa, sendo assim, ações que visem aumentar o estoque de carbono no solo são mais efetivas e factíveis que alterações no conteúdo de biomassa, tais como o plantio de florestas, com vistas ao seqüestro de carbono.

Adicionalmente, a matéria orgânica do solo desempenha papel primordial na qualidade deste. Isso decorre da influência que a quantidade e qualidade da matéria orgânica exercem sobre as propriedades físicas, químicas e biológicas dos solos. Esses efeitos são particularmente importantes nos solos tropicais, que devido à sua gênese, geralmente apresentam baixa capacidade para reter os nutrientes das plantas.

Assim sendo, um aumento do conteúdo de carbono no solo aumenta sua fertilidade e, com isso, o conteúdo de biomassa vegetal que esse solo é capaz de suportar. As Terras Pretas de Índio, encontradas na Amazônia, são solos extremamente férteis e ricos em carbono, e essa fertilidade mantém-se no tempo, a despeito do uso agrícola desses solos.

Essas características devem-se, principalmente, às propriedades da matéria orgânica desses solos, de caráter pirogênico (rica em biochar). Esses solos especiais foram formados pelos índios pré-colombianos, embora não esteja claro se foi um processo intencional de melhoria do solo, ou subproduto das atividades agrícolas e de habitação desses povos.

Mas, enfim, essa atividade humana no passado pré-colombiano resultou no acúmulo de resíduos vegetais e animais, assim como grandes quantidades de cinzas e carvão. As lentas alterações químicas naturais desses resíduos carbonizados geraram um material recalcitrante e reativo, pela sua oxidação parcial, dando origem a grupos químicos capazes de reter os nutrientes das plantas, evitando, assim, sua lixiviação pelas intensas chuvas, nesse ambiente amazônico.

E assim, o estudo desses solos possibilitou a definição de um modelo de material orgânico a ser reproduzido, visando à melhoria da fertilidade do solo, de forma sustentável, e o seqüestro de carbono. Para isso, se pode utilizar resíduos parcialmente carbonizados (biochar) e gerar os desejados grupos químicos reativos, de forma expedita e econômica, utilizando-se técnicas modernas em um perfeito casamento entre o conhecimento tradicional indígena pré-colombiano, com respeito à natureza, e o conhecimento científico moderno.

Finalmente, cabe ressaltar que não se propõe competir por recursos energéticos, tais como carvão e bagaço de cana-de-açúcar, mas sim otimizar o seu aproveitamento na geração de energia ou químicos, por métodos modernos de pirólise e pela utilização de resíduos de difícil descarte, que, muitas vezes, correspondem a passivos ambientais, tais como: resíduos da indústria madeireira e de papel e celulose, da produção de carvão, resíduos da indústria de biocombustíveis (biodiesel e via celulósica, para produção de etanol), lodo de esgoto, casca de arroz e outros resíduos da agroindústria.

Conciliando, assim, a produção de energia e alimentos, com o aumento da fertilidade do solo e seqüestro de carbono. Essas características fazem dessa tecnologia uma das poucas ferramentas disponíveis com o potencial de responder à convergência de temas com os quais nos defrontamos no início deste século: degradação dos solos, escassez de alimentos e fertilizantes, competição por biomassa e escalada das emissões de gases do efeito estufa. Talvez, estejamos diante de uma segunda revolução verde, onde se irá substituir e aprimorar tecnologias mais do que “balzaquianas”, pelo reaproveitamento de resíduos e produção de novos insumos “tropicalizados”.