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Cláudio Valladares Pádua

Diretor Científico do IPÊ

Op-CP-07

Restauração de paisagens: a experiência do IPÊ em assentamentos rurais no pontal do Paranapanema

“A terra é viva. Não gosta de fogo aqui”, afirma o agricultor Nivaldo Castro, 39 anos, expondo um pouco do que já aprendeu sobre agroecologia. Nivaldo é morador do Assentamento Ribeirão Bonito, localizado no município de Teodoro Sampaio, no Pontal do Parapanema, extremo Oeste do Estado de São Paulo. O IPÊ, Instituto de Pesquisas Ecológicas, trabalha pela região, combinando conservação da biodiversidade, com restauração ecológica.

A metodologia utilizada serve, por exemplo, para garantir a existência de populações mínimas viáveis de espécies ameaçadas de extinção, como o mico-leão-preto, a onça pintada e a anta, e, assim como a melhoria da qualidade de vida dos pequenos agricultores de assentamentos da reforma agrária. Existem, atualmente, 6 mil famílias assentadas no Pontal do Paranapanema.

Após a vitória pela conquista da terra, estes pequenos agricultores deparam-se com a difícil realidade: o solo apresenta fragilidade natural à erosão, com elevada concentração de areias, baixa fertilidade, boa permeabilidade e drenagem excessiva. O Pontal, que no passado era uma Grande Reserva Pública, sofreu com ações de desmatamento, que reduziram sua cobertura florestal, mas não sua vocação para projetos florestais, sendo uma região importantíssima para a conservação, por ainda abrigar o Parque Estadual do morro do Diabo, com 36 mil hectares, a Estação Ecológica do Mico-Leão-Preto, com 6 mil hectares, e remanescentes em fragmentos, que somam, aproximadamente, 20 mil hectares de Mata Atlântica do Interior, um dos ecossistemas mais ameaçados do mundo.

Identificando os assentados como um dos atores centrais na conservação e restauração da paisagem, o IPÊ desenvolve, há quase nove anos, em parceria com órgãos governamentais e não-governamentais, diversos projetos, baseados em conceitos de agroecologia e desenvolvimento sustentável, e que prezam pela participação comunitária em todo o processo - do planejamento à implementação.

Esses projetos constituem o Programa Agroflorestal do IPÊ no Pontal do Paranapanema e visam à criação de ilhas de agrobiodiversidade (café com floresta), abraços verdes, viveiros agroflorestais comunitários e corredores agroflorestais. O IPÊ investe na implementação de sistemas agroflorestais, por razões conservacionistas e também socioeconômicas.

Conservacionistas, na medida em que os SAFs representam uma alternativa promissora para promover a restauração da paisagem, formando corredores que conectam os fragmentos florestais isolados e possibilitam o trânsito de animais e o conseqüente fluxo gênico entre populações da fauna e flora. E socioeconômicas, porque as famílias beneficiam-se diretamente com a venda dos produtos agrícolas plantados nas entrelinhas dos sistemas - feijão, milho, amendoim, mandioca e batata-doce.

Também se destaca a redução dos custos de manutenção do sistema, devido à ocupação das entrelinhas com as culturas anuais, tornando-o produtivo e barato. No assentamento Santa Zélia, por exemplo, já foram implantados 75 hectares de SAFs, através do trabalho conjunto entre os pesquisadores do IPÊ e 32 famílias de agricultores, que receberam do Instituto 125 mil mudas, de 117 espécies florestais nativas, e todo o apoio técnico necessário para realizar os plantios e manter os sistemas.

As ilhas de agrobiodiversidade também têm como base os SAFs e os corredores. As ilhas são constituídas por cafezais agroflorestais, dentro do Projeto Café com Floresta, formando bosques entre áreas de florestas nativas, e que funcionam como trampolins ecológicos, que facilitam a movimentação de muitas espécies pela paisagem.

Desde o início do projeto, já foram instaladas 60 ilhas de agrobiodiversidade, beneficiando cerca de 200 famílias assentadas. Diversos estudos apontam que o desempenho produtivo de algumas culturas agrícolas também é estimulado pelos SAFs. O controle de espécies invasoras e o abrigo para população de insetos polinizadores e predadores naturais de insetos-praga garantem a produtividade do sistema.

Essas características têm levado o IPÊ a implementar módulos agroflorestais, que associam espécies nativas e variedades de eucalipto, como zonas de amortecimento ecológico, ao redor de fragmentos de mata, que se encontram próximos às áreas de cultivo e pastagens, constituindo os abraços verdes. Esses abraços amenizam a degradação das bordas dos fragmentos, chamados tecnicamente de efeitos de borda, causada por diversos fatores, entre eles, vento, plantas invasoras, gado e cipós, que podem levar à extinção dos remanescentes florestais.

Na região, 120 famílias já adotaram o sistema, plantando cerca de 50 hectares de zonas de amortecimento. Para abastecer o Programa Agroflorestal com mudas de espécies nativas e variedades de eucalipto, o IPÊ incentiva a criação de viveiros comunitários. Cursos de capacitação, sementes e insumos são fornecidos aos produtores interessados. A venda das mudas representa ainda uma alternativa promissora de renda para as famílias envolvidas.

Vinte e um viveiros comunitários são mantidos em oito assentamentos, com capacidade para produzir 500 mil mudas por ano. A experiência do IPÊ no Pontal do Paranapanema mostra que é possível a convivência entre conservação da biodiversidade e a produção agrícola e florestal, onde todos os agentes envolvidos colaboram e se beneficiam com a nova paisagem, que está sendo construída na região.