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Francides Gomes da Silva Júnior

Professor de Tecnologia de Celulose e Papel da Esalq-USP

Op-CP-08

Mudança do eixo da produção mundial de celulose e papel: A análise do assunto requer critério e prudência

O assunto “mudança do eixo da produção mundial de celulose e papel, do hemisfério norte para o hemisfério sul do planeta” pode, em uma primeira análise, ser considerado como simples e até mesmo óbvio, especialmente se contaminado por uma visão ufanista, relacionada ao sucesso da produção de polpa celulósica de eucalipto no Brasil.

No entanto, o tema é bastante complexo e envolve não apenas aspectos de custo de matéria-prima, mão-de-obra, tecnologia industrial, mas também aspectos macro-econômicos e fortes impactos sociais, principalmente no hemisfério norte, podendo, em muitos casos, representar desemprego e desencadear políticas públicas protecionistas, como é comum em outros setores da economia mundial. Por estes motivos, a análise do tema deve ser bastante criteriosa, de forma a se evitar um mero exercício de futurologia.

O setor de celulose e papel tem mostrado, nos últimos anos, alguns fortes indicativos de mudança no seu perfil, com a consolidação de novos players no mercado global e de um aumento da participação dos países do hemisfério sul na produção mundial de polpa celulósica. Neste ponto, deve-se fazer uma separação clara no que diz respeito à produção de polpa celulósica e produção de papel.

Com relação à produção de polpa celulósica, apesar do forte crescimento da produção no hemisfério sul, a taxas significativamente mais altas que no hemisfério norte, as estatísticas mostram que aproximadamente ¾ da produção mundial de polpa celulósica está localizada no hemisfério norte; no que diz respeito à produção de papel, esta diferença é ainda maior, com cerca de 85% da produção de papel, localizada nos países do hemisfério norte, que são também os principais consumidores.

Os números apresentados mostram que a “mudança no eixo da produção mundial de celulose e papel” deverá se dar de forma gradual e com maior ênfase na produção de polpa celulósica. Os aspectos sociais envolvidos são indicativos de que a mudança de eixo dar-se-á muito mais pelo aumento da produção de polpa celulósica nos países do hemisfério sul, do que pela redução da mesma nos países do hemisfério norte. No que diz respeito à produção de papel, essa mudança de “eixo” ainda não está sinalizada.

A importância dos países do hemisfério sul na produção mundial de polpa celulósica tem como principal fundamentação o baixo custo de produção de madeira. Fatores edafoclimáticos favoráveis ao desenvolvimento de florestas plantadas, associados a uma tecnologia florestal moderna, onde se consideram componentes genômicos, ecofisiológicos, manejo florestal, entre outros, têm levado a significativos aumentos de produção florestal, com a conseqüente redução dos custos de produção, em especial para algumas espécies do gênero Eucalyptus, que, por sua vez, são matéria-prima para produção de polpa celulósica de fibra curta.

Com relação à produção de polpa celulósica de eucalipto, o Brasil ocupa posição de destaque e dados recentes mostram que, em breve, o Brasil deverá ser o país com menor custo de produção de madeira de folhosas, ultrapassando a Indonésia. Ainda no tocante à produção de polpa celulósica, o mercado mundial pode ser divido, de forma simplista, em polpas de fibra longa e polpas de fibra curta, originárias, respectivamente, de madeira de espécies de coníferas e de espécies de folhosas.

O crescimento da produção de polpa celulósica no hemisfério sul está baseado na produção de polpa de fibra curta, oriunda, principalmente, de madeiras de espécies dos gêneros Eucalyptus e Acacia. No entanto, o mercado mundial de polpa celulósica demanda, não apenas polpa de fibra curta, mas também polpas de fibra longa, que são utilizadas, principalmente, para produção de papéis de elevada resistência, destinados a embalagens e neste segmento, as polpas de fibra curta apresentam aplicação restrita.

Os países do hemisfério sul, à exceção do Chile, por focarem, principalmente, a produção de polpa celulósica de fibra curta, perdem grandes oportunidades no mercado de polpa celulósica de fibra longa. A título de exemplificação, a produtividade florestal média de espécies do gênero Pinus, plantados no Brasil, destinados à produção de polpa celulósica, é, em média, de 25m3/ha/ano, ou seja, 2,5 vezes superior à produtividade florestal média nos Estados Unidos (10 m3/ha/ano), e cerca de 6 vezes superior à da Suécia (4 m3/ha/ano).

Estes números deixam claro o enorme potencial não aproveitado por alguns países do hemisfério sul, em especial o Brasil, que, pela sua amplitude territorial, poderia ser um importante produtor mundial de polpa celulósica de fibra longa. Os dados referidos indicam ainda que a importância dos países do hemisfério sul no mercado mundial de polpa celulósica efetivamente se consolidará quando similar importância for dada à produção de polpa de fibra longa, como é dada à produção de polpa de fibra curta.

Entre os países produtores de polpa celulósica do hemisfério sul, destaque deve ser dado ao Chile, que atualmente apresenta o menor custo mundial de produção de madeira de fibra longa, o que beneficia não apenas o setor de celulose e papel, mas também outros setores da economia relacionados à utilização de produtos florestais, como madeira serrada, painéis à base de madeira e movelaria.

Sem dúvida alguma, o sucesso da polpa celulósica de eucalipto é um marco no desenvolvimento tecnológico do setor mundial de celulose e papel, porém, por si só, não pode ser considerado como o fator fundamental de uma futura “mudança do eixo da produção mundial de celulose e papel, do hemisfério norte para o hemisfério sul do planeta”.