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Guido Assunção Ribeiro

Professor de Controle de Incêndio da UF-Viçosa

Op-CP-11

A contribuição dos incêndios florestais e das queimadas no aquecimento global

O fogo é, por si só, um fenômeno controverso. Ele pode causar injúria e dor àqueles que rompem os limites e aproximam-se demasiadamente dele. Por outro lado, ele aquece, aproxima as pessoas e aconchega os que buscam conforto e compreendem a sua força. Os seus efeitos na natureza acompanham semelhante dualidade.

Em alguns casos, ele interfere na dinâmica dos ecossistemas, favorecendo a germinação de determinadas espécies, diminuindo a competição, eliminando pragas, reduzindo o potencial de riscos aos incêndios e produzindo alimento mais palatável para os herbívoros ruminantes. Em outras situações, o fogo pode erradicar espécies da fauna e da flora, pode causar danos imensuráveis à estrutura física e química do solo, pode interferir nos processos reprodutivos aquáticos, pela alteração química e física dos corpos d’água e pode emitir gases para a atmosfera, contribuindo para o aumento do efeito estufa e dos processos a ele associados.

É apropriado fazer um paralelo entre o fogo e o processo de decomposição natural dos restos vegetais. A grande diferença está na velocidade com que isso acontece. A ação do fo-go transforma o material orgânico em seus constituintes minerais individualizados algumas centenas de vezes mais rápido que o processo natural.

Embora, de uma forma geral, o produto da combustão seja o mesmo do da decomposição natural, um dos problemas dos incêndios e queimadas está no fato de que a mineralização da matéria orgânica, envolvendo os gases gerados pela combustão é disponibilizado em grande quantidade e de uma só vez para o ambiente. Mas, afinal, o que é fogo, incêndio florestal, queimada ou queima controlada?

Esses termos são formas diferentes de tratar a reação da combustão, que é comum para todos. O que os diferencia são os movimentos que precedem a ocorrência, ou seja, se é um ato criminoso, negligente, irresponsável ou simplesmente o emprego de uma técnica auxiliar no manejo do solo. A combustão é a resultante da combinação do material combustível, oxigênio e de uma fonte inicial de calor.

A energia liberada durante a combustão, a qual permite a continuação da reação, é a energia solar materializada durante o processo fotossintético. Os demais produtos gerados (gases e minerais) originam-se do material que compõe a celulose, a hemicelulose, a lignina, entre outros componentes do material lenhoso. A quantidade desses elementos liberados para o ambiente vai depender da quantidade de biomassa existente no local e do fator de combustão, ou seja, do percentual de material carbonizado.

A ocorrência de um fogo dificilmente eliminará por completo o material combustível de uma área, pois não só o processo da combustão é um evento complexo, como também a combinação das variáveis que definirão o comportamento do fogo. A combustão do material combustível florestal somente acontecerá quando os três elementos da reação possuírem características adequadas para desencadear o processo e quando alguns fatores externos contribuírem positivamente, a exemplo das condições meteorológicas do momento da queima.

Ocorrendo a combustão, os diferentes componentes do ambiente estão sujeitos a seus efeitos. Dentre estes, os de mais difícil estimativa são aqueles relacionados com a emissão de gases para a atmosfera. Estas estimativas dependem, fundamentalmente, da quantificação da biomassa e esta, por sua vez, demanda grandes esforços e os métodos disponíveis ainda geram muita polêmica, quanto à sua precisão.

Além do mais, o calor gerado provoca movimentos convectivos, carreando os gases e o material particulado para grandes alturas na atmosfera ou para grandes distâncias, em relação ao local onde ocorreu a combustão. Parte ou a totalidade dessas emissões podem tomar outra direção e retornar à terra pelos próprios movimentos de circulação geral da atmosfera ou pela precipitação pluvial.

O efeito da emissão de aerosóis e de gases que provocam o efeito estufa também não é totalmente conhecido. Entretanto, o aumento de suas concentrações na atmosfera não gera dúvida. Dentre esses gases, o dióxido de carbono (CO2), um dos principais produtos da combustão da matéria orgânica, ocorrida durante os incêndios florestais e queimadas, o metano (CH4) e clorofluorcarbonos (CFCs), de origem natural ou antropogênica, têm importante papel no ciclo do carbono e estão relacionados com o aquecimento global.

As principais fontes naturais de CO2 são a decomposição, a respiração, os incêndios florestais de origem natural, as emissões vulcânicas, dentre outras. As fontes antropogênicas incluem a queima de combustíveis fósseis, alterações no uso da terra (ecossistemas com alta densidade de C, convertidos em áreas urbanas ou em áreas agrícolas, com pequeno armazenamento de C), queima de restos de vegetação ou de pastagens.

Embora as melhores estimativas sobre o efeito dos gases que provocam aquecimento global ainda trazem incertezas, elas mostram que a combustão da biomassa, representada, principalmente, pelos incêndios florestais e queima controlada, é a principal fonte de aerosóis atmosféricos, de metano, de monóxido e dióxido de carbono, e de alguns óxidos de nitrogênio.

Estudos têm mostrado que ainda persistem incertezas e controvérsias sobre se a biosfera é um local de origem ou armazenamento de CO2, uma vez que o conhecimento das estimativas do fluxo líquido entre ela e a atmosfera não é conclusivo. Esta controvérsia persistirá até que sejam claramente conhecidos o pool de carbono da vegetação e o seu fluxo entre a atmosfera, a vegetação terrestre e os oceanos.

Diante de tantas incertezas e até que a pesquisa evolua a ponto de dar respostas satisfatórias à quantificação da biomassa, ao levantamento preciso do pool dos diferentes gases, que contribuem para o aquecimento e a quantidade desses gases nas diferentes camadas da atmosfera, além dos oceanos, é fundamental uma tomada de decisão político-administrativa, com relação à fiscalização, à prevenção contra os incêndios florestais e ao controle da liberação da queima controlada. Neste último caso, acrescenta-se a necessidade de ampliar o conhecimento e o apoio ao desenvolvimento de novos dispositivos operacionais, para dar suporte à decisão no momento da liberação do uso do fogo nas práticas agrossilvopastoris.