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Humberto Ribeiro da Rocha

Professor de Clima e Biosfera do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP

Op-CP-11

Mudanças climáticas: incerteza e sensibilidade

As mudanças do clima devem constar como pontos relevantes do planejamento florestal, porque as incertezas de sua previsibilidade não invalidam a probabilidade dos impactos. No Brasil, são partes relacionadas ao mesmo problema o desmatamento da Amazônia e a previsibilidade de produção das florestas plantadas, nas demais regiões.

Há 30 anos, já se discute, ostensivamente, no meio científico o aquecimento global; isto porque as mudanças de temperatura do ar foram detectadas há décadas. Há cerca de 10 anos, o IPCC convenceu-se que o aquecimento resultou, predominantemente, das ações humanas. Em 2007, declarou serem inequívocas as mudanças do clima projetadas para as próximas décadas.

Há céticos que ainda precisam provar cientificamente o que falam, por direito natural de contestação. Sobram argumentos para mirar a conjuntura brasileira e antever os possíveis cenários futuros. A questão é como e quando se alterarão a temperatura e o regime de chuvas. As projeções de vários modelos do sistema climático para o Brasil indicam, consensualmente, nos próximos 80 anos, um aumento generalizado da temperatura, que irá progressivamente para até 2º a 5 ºC.

O aquecimento progressivo, mais previsível, dever-se-á, principalmente, à também progressiva concentração de GEE na atmosfera. Não há sinais de que o aquecimento possa ser freado. Kyoto, sabe-se, é insuficiente e a China vai bem, obrigado. As projeções de chuva são mais desconcertantes, por duas razões: têm pequeno consenso na distribuição das zonas que podem secar ou umedecer; e em segundo lugar, as projeções mais extremas sugerem mudanças da ordem de 30 a 40% da chuva anual, o suficiente para gerar escassez ou excessiva quantidade de água em regiões populosas.

Essas projeções colocam as zonas mais chuvosas justapostas às mais secas. Isso se manifesta dessa forma porque esse tipo de compensação existe naturalmente na estrutura da precipitação regional, o que os modelos simulam razoavelmente. Uma outra incerteza é que certos fenômenos esperados no regime futuro, como as tempestades severas, na verdade, são pouco cobertos pelo IPCC.

Eles resultam da interação de fenômenos de escala local, como o aquecimento, a evaporação, a topografia, em combinação com fenômenos de grande escala, como as frentes frias. Requerem forte poder de computação, para uma simulação adequada. As temperaturas mais altas tendem a acelerar o ciclo hidrológico, ou seja, a velocidade de evaporação e, portanto, o retorno da água como precipitação.

Essa alteração pode significar o aumento da chuva em certas localidades e, conseqüentemente, a redução em outras. A ciência tem aperfeiçoado os modelos físicos e a tecnologia incrementado a capacidade computacional, o que permitirá avançar no detalhamento das mudanças locais do clima, nos próximos anos. A lógica física que se depreende dos padrões das projeções do IPCC e a alta sensibilidade do clima em várias regiões do Brasil indicam prontidão à questão das mudanças do clima.

Há notável probabilidade, a despeito de algumas incertezas. Equivoca-se quem pensa que as mudanças de temperatura ocorrem apenas pelo efeito estufa. As mudanças de uso da terra, como o desmata-mento das florestas tropicais e dos cerrados, aumentam a temperatura local. Nas regiões urbanas, o crescimento da área construída também produz aquecimento, mais notavelmente nas temperaturas noturnas.

O desmatamento da Amazônia em grandes proporções pode gerar um tipo de região muito mais quente que a atual. Além disso, segundo o consenso de vários modelos climáticos, resultaria em uma Amazônia também menos chuvosa, que pode gerar um impacto na chuva também em regiões remotas, como o Sudeste e o Centro-Oeste.

Se isso aumentará ou reduzirá a chuva nestas regiões, ainda é um assunto pouco explorado, embora haja uma grande conectividade entre as regiões, que tende a aumentar a probabilidade da alteração mútua do regime de chuvas. Aqui se aprofundam questões do sistema florestal de exploração de nativas e o das florestas plantadas.

A continuar o desmatamento na Amazônia, uma eventual redução da chuva pode não garantir que certas espécies econômicas recuperem-se em proporção e produção substanciais, sob um clima desfavorável. O aumento da temperatura, decorrente do aquecimento global e do desmatamento regional, tendem a aumentar a evaporação e, conseqüentemente, o estresse hídrico durante a estiagem, o que pode ser um complicador.

As florestas plantadas de rápido crescimento no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, demandam água suficiente para as altas taxas de fotossíntese da sua dinâmica e ciclo rotacional. O eucalipto, por exemplo, é uma espécie com um tipo de mecanismo fotossintético, que não tende a economizar água para manter a alta absorção de carbono, como ocorre com a cana-de-açúcar e as pastagens.

A depender da região onde é plantado, estabelece-se um compromisso rígido entre as perdas e as entradas de água, ou seja, a evaporação e a chuva, para manter uma oferta sustentável de água no sistema hídrico regional. Em outras palavras, um pequeno, mas substancial desbalanço, com aumento da evaporação, pode gerar um déficit da vazão hidrológica no curto e médio prazos, ou a deficiência de recarga do aqüífero no longo prazo.

Alternativamente, um desbalanço com redução da chuva também pode levar à redução da oferta de água nos rios. Em um ou outro caso, enquadram-se cenários que podem estar limitados aos das mudanças do clima na América do Sul. Com toda essa perspectiva, tem-se, no Brasil, uma extensa área de pastagens, que é pouco eficiente na captação de água.

Grande parte é perdida por escoamento superficial e não re-carrega o lençol freático, principalmente nas regiões de topografia mais inclinada. Nas regiões mais estratégicas, como as áreas de mananciais dos reservatórios de abastecimento urbano, deve-se formular, não somente a questão da produtividade das florestas plantadas, mas a eficiência hidrológica como um todo, do sistema regional.

A experiência tem mostrado que os estudos de caso são muito particulares em limitar a oferta de água. Algumas regiões mostram-se mais vulneráveis que outras, em função da geomorfologia local, mas que agora encontra também o complicador da mudança do clima. Uma expressão que tem se tornado corrente diz: “uma questão complexa tem sempre uma solução simples, clara, e errada”. São imediatismos, visões de curto prazo, que, às vezes, não geram aquilo que tínhamos planejado, mesmo com as melhores intenções.