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Walter de Paula Lima

Professor de Hidrologia Florestal da Esalq-Usp

Op-CP-01

Expansão florestal com responsabilidade hidrológica

“Há quem passe pelo bosque e só veja lenha para fogueira”. Tolstoi. As florestas plantadas sempre estiveram na mira de discussões acaloradas, em vários países do mundo, relacionadas com seus possíveis efeitos sobre os recursos hídricos, principalmente, o consumo de água. Tais discussões, longe de terminar, atingiram presentemente uma nova dimensão.

Primeiro, devido ao total de área plantada, que atinge aproximadamente 50 milhões de hectares nas regiões tropicais do mundo, com uma taxa de novos plantios de cerca de 3 milhões de hectares por ano. Segundo, pela evidência de que a disponibilidade natural de água constitui hoje um dos mais importantes temas relacionados ao manejo dos recursos naturais.

Desta forma, desde que a floresta e a água são inseparáveis, estas constatações estão exigindo que o manejo das florestas plantadas deve incorporar a análise dos impactos hidrológicos potenciais, de forma mais sistêmica.

Assim, é importante que o planejamento desta expansão das florestas plantadas para a ampliação da produção nacional de celulose e papel, não fique focado apenas na produção de madeira, mas também na sua integração com a manutenção dos valores ambientais da paisagem, principalmente, em termos da quantidade e qualidade da água emanada das microbacias hidrográficas.

A despeito das evidências experimentais já acumuladas, as campanhas contra as florestas plantadas, principalmente, em relação aos plantios de eucalipto e as dúvidas a respeito de seus impactos sobre os recursos hídricos, continuam muito comuns, tanto no Brasil, quanto em outros países.

Sem dúvida, esta situação paradoxal está indicando a necessidade de avaliar-se estas relações entre florestas plantadas e a água de uma forma diferente, pois, pode muito bem ser o caso de que estas reclamações populares e estas campanhas polêmicas não digam respeito somente ao consumo de   água, mas sim de que maneira o manejo das florestas plantadas está usando a água disponível e como fica a qualidade da água como conseqüência das práticas de manejo.

Os resultados experimentais disponíveis mostram que os possíveis impactos das florestas plantadas sobre a quantidade e a qualidade da água nas microbacias podem ser mais ou menos severos, dependendo das condições hidrológicas regionais prevalecentes e, evidentemente, do uso de práticas sadias de manejo florestal.

Em outras palavras, a questão fundamental a ser abordada na relação florestas plantadas e a água deve envolver o consumo da água, mas deve incluir muitas outras considerações, como a qualidade da água, a sedimentação, a qualidade do ecossistema aquático, a hidrologia da microbacia, a permanência dos fluxos de base, o controle dos picos de vazão, assim como o princípio fundamental de equidade ao acesso à água.

Torna-se muito importante que estas interações sejam devidamente analisadas e levadas em conta no plano de manejo. Esta nova percepção da sociedade para com o uso racional dos recursos naturais está claramente implícita no conceito multidimensional de manejo florestal sustentável. Todavia, existe também uma percepção de que as florestas plantadas em larga escala para o abastecimento industrial não se adequam a este conceito de manejo sustentável, com o argumento de que são, na realidade, cultura de árvores, caracterizadas pela homogeneidade e pelo objetivo primário de produção de madeira, semelhante ao sistema convencional de produção agrícola.

Este argumento, além de não contribuir para o equacionamento da dimensão ambiental, já que a agricultura causa impactos hidrológicos significativos, tampouco encontra respaldo no conhecimento atual dos sistemas biológicos. De fato, uma estratégia de manejo, cujo objetivo é a produção de madeira, não deve ser antagônica com a estratégia de manejo florestal sustentável, que incorpora a preocupação para com valores ambientais.

Muito pelo contrário, a manutenção deste objetivo primário de produção florestal, no decorrer do tempo, depende crucialmente de sua integração com a manutenção dos aspectos ecológicos e hidrológicos, ao longo da paisagem. Esta estratégia sustentável incorpora a noção da microbacia hidrográfica, como unidade sistêmica da paisagem e como escala natural dos processos hidrológicos envolvidos no balanço hídrico, na qualidade da água, no regime de vazão e na saúde do ecossistema aquático, para o que muito contribui a integridade do seu ecossistema ripário.

Ela possibilita, também, uma visão mais abrangente das relações entre o uso da terra, em geral, seja para a produção florestal, produção agrícola ou qualquer alteração antrópica da paisagem e conservação dos recursos hídricos. E quem sabe, assim, a sociedade acabará percebendo que o problema da diminuição da água e da deterioração de sua qualidade não está apenas nas florestas plantadas, mas em várias outras ações antrópicas e práticas, inadequadas de manejo.

Portanto, esta estratégia aponta para a necessidade da reestruturação das práticas convencionais de manejo, com o objetivo de adaptá-las às condições regionais prevalecentes, bem como aos processos ecológicos e às potencialidades da paisagem. Representa uma mudança conceitual, de manejo baseado no talhão florestal, para manejo baseado no ecossistema, o que agrega valor, possibilita inovações tecnológicas e novas práticas de manejo, que incorporam a questão da água e eliminam a falsa noção de que as florestas plantadas são necessariamente incompatíveis com a conservação ambiental e com a manutenção dos recursos hídricos.