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Sebastião Renato Valverde

Professor e membro do Pólo de Excelência Florestal da UF de Viçosa

Op-CP-15

Impactos da crise no setor florestal brasileiro

Os sistemas financeiro e creditício global deram sinais claros de fragilidade, frente às armadilhas que a colossal alavancagem e a falta de lastros do mercado de capitais são capazes de provocar. A atual crise de subprime, fruto desta armadilha, extrapolou os limites do financeiro e atingiu a economia real dos países, indistintamente, e vem causando uma balburdia na rotina dos agentes em geral, que há muito não se via.

Não há como negar esta crise e, nem muito menos, prever o seu fim. Impressiona o fato de que há pouco mais de dois anos, o mundo vivia uma euforia econômica generalizada, cercada de rumores e especulações, que inflacionaram o mercado de commodities e insumos. Ontem, preocupávamos como abasteceríamos a população mundial.

Hoje, não temos para quem vender. Pretensões à parte, a verdade é que a maioria das atividades econômicas sentiu graves abalos no mercado com esta crise, que tem um efeito moral, de sorte, positivo, como pretendo discorrer neste documento. Lamentavelmente, o setor florestal não passou incólume a ela. Para muitas empresas florestais, a sobrevivência tem sido desafiadora. Alguns segmentos estão sofrendo, sem precedentes.

É o caso das guseiras a carvão vegetal que, mesmo tendo o preço do gusa despencado para menos da metade, ainda assim não conseguem mercado para seus produtos. Idem para as celulósicas que, apesar de reduzirem o ritmo de produção, deparam-se com altos estoques mundiais e queda nos preços, de US$ 800 para US$ 500/ton.

O desemprego já é uma realidade no setor florestal por razões diretas da crise e, indiretas, das operações financeiras mal sucedidas. A queda no lucro das empresas foi inevitável e afetou o ritmo dos investimentos no reflorestamento. Um breve contato com os dirigentes florestais foi suficiente para observar que as empresas mais sacrificadas suspenderam, temporariamente, os investimentos nos plantios florestais, em áreas próprias e fomentadas. Poucas estão mantendo o cronograma de plantio, como o previsto.

Certamente, lamentar os efeitos da crise não é solução para nada. Até porque não há crise que assuste os brasileiros, como as que viveram no início da década de 1980, até meados da atual. Nada de imaginar que ela vai comprometer as expectativas de longo prazo dos investimentos florestais no Brasil. As adversidades que a economia brasileira enfrentou no passado e as arbitrariedades impostas pela burocracia, com o intuito de minar a competitividade da indústria florestal, resultou no fortalecimento do setor.

Superaram-se todas, superarão esta e outras que porventura virão. Apesar do efeito desta crise nas maiores economias do mundo - EUA, Europa e Japão, o consolo é que os BRICs, que têm impulsionado a locomotiva global, são os mais populosos, estão em expansão econômica e social, internamente consolidados e consumindo barbaridade, depois de viverem historicamente com uma demanda reprimida.

Além disso, o Brasil hoje possui uma economia interna mais expressiva, não dependendo tanto das exportações, como outrora. Se os EUA eram o quase único parceiro comercial, hoje o Brasil diversificou seus parceiros e sua pauta de exportações para os países da Ásia, Oriente Médio e África, que estão sendo menos afetados. Por sorte, a economia global é dinâmica e também vigorosa nos países emergentes.

Se não há como mudar o rumo da crise e, muito menos, evitá-la, resta ver o que de bom pode ser aproveitado. Se a US$ 500 o preço da tonelada de celulose está ruim para o Brasil, sabendo que aqui os custos giram em torno de US$ 300/ton, imaginem como está para os países, ainda players, que têm seus custos próximos dos US$ 500 e que já estavam se declinando no momento de boom econômico.

Estes sairão nocauteados da crise. Se já havia uma debandada das indústrias deles para cá antes da crise, agora mais ainda. As indústrias de celulose dos países players não têm como colocar este produto no mercado internacional, num preço abaixo dos seus custos de produção. Com isso, o Brasil preencherá este espaço.

Não se assustem se os noticiários informarem que as exportações de celulose brasileira para os países asiáticos subiram. Isso significa que o Brasil estará vendendo para mercados antes abastecidos pelas indústrias de países como Finlândia e Suécia.
Este é um efeito positivo da crise para o setor florestal brasileiro. Pois, não há outro “país abençoado por Deus e bonito por natureza” que tenha uma identidade florestal como o Brasil, em que o crescimento médio das florestas atinge 40 m3/ha.ano, sendo que, em muitos sites, absurdos 50 m3/ha.ano.

Dada a estagnação no mercado internacional de produtos florestais, o momento então é ideal para as empresas ajustarem-se. Com o excesso de demanda, muitas indústrias estavam se abastecendo com madeira juvenil, com idade bem abaixo do ótimo econômico. Só que isto comprometia o estoque de crescimento florestal, que seria sentido em breve, além de inviabilizar qualquer planejamento florestal focado no abastecimento futuro industrial.

Para muitas indústrias, esta é a oportunidade de colocar a casa em ordem. Muitas vão ter que investir mais na disciplina operacional e financeira. O que se via era as empresas num frenesi perdulário, sem igual. Afoitas e sem se dar conta, chegaram a assumir o papel de Estado paternalista. Agora, na crise, vão rever gastos e avaliar, de forma mais estratégica e menos assistencialista, os investimentos produtivos e sociais.

Outro ponto positivo é que os dirigentes das indústrias florestais, sobretudo as de celulose, passam a ter mais fôlego para avaliar a melhor localização para novas indústrias, para não ter que construir em lugares sem vocações locacionais para tal. Por sinal, aqui cabe um detalhe, as indústrias florestais são todas elas orientadas locacionalmente pelo menor custo de produção e transporte, jamais por favores políticos, tributários, fiscais, ou seja lá o que for.

Para aqueles investidores independentes, que aplicaram em projetos florestais e que estejam receando os efeitos desta crise, vale lembrar que este projeto é de longo prazo. Além disso, quem investiu, fez isso de quatro anos para cá e estes projetos ainda não maturaram, ou seja, ninguém está colhendo neste momento.

Quando da maturação, não há a menor dúvida de que a crise já tenha se despedido. Se para estes, ela não vai afetar, muito menos será afetado quem ainda vai investir. Assim, o que vai acontecer é um processo de depuração natural dos agentes econômicos interessados no projeto florestal. Isto é até bom, pois muita gente que não deveria participar deste mercado já está sendo eliminada.

Com a saída deles, espera-se que todas as consequências das especulações que surgiram nos últimos anos com o ímpeto dos investimentos florestais continuem reduzindo. Acredita-se que o valor das terras caia para padrões reais. Que os preços dos fertilizantes reduzir-se-ão para próximos dos patamares históricos.

Isto vem ocorrendo até por conta da própria crise, que fez recuar o preço do petróleo, que ninguém mais esperava que caísse abaixo dos US$ 100 por barril.
Não há que temer crise e nem assombração. O brasileiro não é daqueles que freia por qualquer curva. Apenas desacelera antes, para, estando nela, retomar a aceleração a todo torque. Este é o Brasil florestal: capota, mas não breca. Ninguém segura.