Me chame no WhatsApp Agora!

João Paulo Ribeiro Capobianco

Biólogo, Diretor da Métra Gestão Socioambiental Estratégica

Op-CP-22

A silvicultura brasileira em um mundo em transformação

Uma reflexão sobre os caminhos para o desenvolvimento da silvilcultura brasileira inicia-se, necessariamente, pela interpretação dos cenários com os quais o setor irá se deparar nos próximos anos.

Para além do ambiente econômico de curto e médio prazos, cujas avaliações dependem da capacidade de se fazer projeções confiáveis sobre o comportamento do consumo nos planos nacional e internacional, da evolução da infraestrutura necessária à produção e à comercialização, da disponibilidade de crédito e financiamento públicos e privados, entre outros indicadores importantes, há um cenário mais amplo e já bem definido a ser considerado.

Trata-se da nova realidade que a humanidade enfrenta, fortemente marcada pela percepção de que a sustentabilidade e o combate às mudanças climáticas se tornaram questões objetivas que passaram a exigir atitudes concretas e cada vez mais urgentes. Em síntese, o que se tem exigido a partir do início deste século são mudanças nos padrões de produção e de consumo.

Mudanças que terão que avançar muito, superando as tímidas iniciativas já adotadas ou em fase inicial de implementação, para se tornarem cada vez mais rigorosas. Isso é inexorável, seja por imposição dos acordos internacionais com poder vinculante que, cedo ou tarde, serão gerados no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, seja pela pressão interna que a sociedade fará sobre seus governantes, levando à multiplicação de iniciativas unilaterais por parte de países ou estados e municípios dentro de países.

Esse quadro tem sido extremamente dinâmico em todo o mundo, inclusive no Brasil, que promoveu recentemente uma mudança surpreendente na posição conservadora e reativa que, durante décadas, orientou sua diplomacia nos debates envolvendo as questões climáticas.

Foram as pressões internas de vários setores da sociedade, com destaque para o setor empresarial, que levaram o País a adotar, no final de 2009, metas voluntárias de redução de emissões de gases de efeito estufa, algo inimaginável até poucos meses antes.

Conforme esse quadro evolui, fica cada dia mais claro que é inadiável a busca por alternativas que viabilizem a redução do uso de combustíveis fósseis e aprimorem os processos industriais, agroindustriais e urbanos, principalmente os de produção de energia e de transporte, altamente emissores de gases estufa. Para tanto, será necessário superar muito rapidamente as atuais limitações de ordem tecnológica, social e econômica para que essas providências se tornem viáveis no tempo e na escala necessários.

Nesse contexto de busca acelerada de alternativas, poucos setores da atividade econômica poderiam ser mais amigáveis ou possuírem maior potencial do que o da silvicultura. A vocação florestal brasileira: A atividade florestal larga com enorme vantagem na corrida pela substituição de processos produtivos convencionais, e o Brasil desponta como um dos países com maior potencial de crescimento nesse campo.

Isso decorre da grande vocação florestal brasileira, tanto do ponto de vista de seu enorme volume de florestas nativas, a segunda maior massa florestal do planeta, como dos fatores ambientais favoráveis ao cultivo de florestas plantadas. Uma simples quantificação do volume de carbono estocado na floresta amazônica nos mostra a posição estratégica do Brasil.

São cerca de 40 bilhões de toneladas, que equivalem, para fins de dimensionamento, a quase seis anos da emissão total de gás carbônico de todos os países do mundo. Por outro lado, em função das condições naturais, no Brasil, uma árvore de produção, que leva quarenta anos para se desenvolver em países do hemisfério Norte, está apta para o corte em sete anos, às vezes menos.

Isso significa não apenas uma óbvia vantagem econômica, como também uma importante contribuição ambiental, já que o plantio de um hectare remove entre 7,5 e 15 toneladas de carbono da atmosfera por ano, de acordo com a espécie de árvore utilizada e das condições de manejo adotadas.

Some-se a isso o fato de que, além do uso da biomassa para a produção de papel, móveis, madeiras, compensados, que podem manter grande parte do carbono capturado estável por décadas, sua utilização como combustível pode eliminar o uso do terrível carvão mineral, bem como substituir combustíveis fósseis na geração de energia. Conservar e manejar adequadamente as florestas nativas e plantar árvores para produção são, sem nenhuma dúvida, atividades de alto interesse, e seus benefícios vão muito além dos climáticos.

Quando bem conduzidos, os plantios contribuem para a recuperação de áreas degradadas, a estabilização de encostas, o combate à erosão, a formação de corredores biológicos e a viabilização da recomposição de Áreas de Preservação Permanente.

O potencial da silvicultura no Brasil: O potencial do setor é comprovado por números. Segundo dados do SFB – Serviço Florestal Brasileiro, estima-se que a economia de base florestal responda por 3,5% do Produto Interno Bruto do Brasil (PIB de 2007) e por 7,3% das exportações totais do País. Em termos de produção de florestas nativas, estudo conduzido pelo SFB e Imazon – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia registra que, em 2009, as 2.226 empresas que operam na Amazônia consumiram 14,1 milhões de m3 de toras e produziram 5,8 milhões de m3 de madeira processada, gerando uma receita de R$ 4,9 bilhões e 203 mil empregos diretos e indiretos.

No mesmo ano, segundo a Abraf – Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas, o Valor Bruto da Produção Florestal (VBPF) do setor de florestas plantadas e suas cadeias produtivas foi de R$ 46,6 bilhões, incluindo o setor de papel e celulose, responsável por cerca de 50% do total, a indústria de madeira sólida, a siderurgia a carvão vegetal e a indústria moveleira. Os empregos diretos gerados foram da ordem de 535 mil, e os indiretos, 1,25 milhão.

E as perspectivas são extremamante positivas. No que diz respeito à exploração sustentável de florestas nativas, o processo de concessão florestal, viabilizado pela Lei de Gestão de Florestas Públicas, aprovada em 2006 para dinamizar essa atividade, está apenas começando. Até o momento, somente uma floresta nacional, a do Jamari, em Rondônia, está em exploração, com uma área de manejo de apenas 96.361 hectares.

Para 2011, no entanto, o Plano Anual de Outorga Florestal (PAOF), elaborado pelo SFB, prevê a posibilidade de colocar, em regime de concessão, 5,1 milhões de ha de um total de 22,5 milhões de ha de florestas públicas federais consideradas aptas para concessão.

Para as florestas não nativas, a Agenda Estratégica do Setor de Florestas Plantadas, elaborada pela Câmara Setorial de Florestas Plantadas, órgão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, prevê uma expansão de novas áreas de florestas de eucalipto e pinus a uma taxa média de 4,3% ao ano entre 2009 e 2014, passando dos atuais 6,3 milhões de hectares para 7,5 milhões de hectares de florestas plantadas no final do período.

Isso implicaria investimentos superiores a R$ 13 bilhões somente na aquisição de terras e atividades de plantio.  No que diz respeito ao carvão vegetal, por exemplo, esse potencial é indiscutível. O consumo em nível nacional, em 2009, foi estimado em aproximadamente 22 milhões de mdc, sendo que 45% desse volume provêm de florestas nativas, justamente devido à insuficiência de florestas plantadas capazes de suprir essa demanda.

Considerando que o consumo de carvão continuará crescendo de acordo com a evolução da produção de gusa, cuja capacidade instalada está ociosa, o plantio de  florestas para atender a essa demanda é inevitável, seja por imposição da legislação ambiental, seja pela pressão dos consumidores, cada vez mais conscientes e exigentes em relação às garantias de que o produto que adquirem não está contribuindo para a degradação do meio ambiente.

Os desafios atuais e futuros da silvicultura brasileira: Pelo exposto, é possível deduzir que tanto o setor de florestas naturais, como o de florestas plantadas apresentam grandes potencialidades em uma conjuntura em que os aspectos ambientais adquiriram grande relevância.

O planejamento desse crescimento, no entanto, necessita ser muito bem feito para se evitar que as vantagens elencadas sejam minimizadas, ou mesmo eliminadas por eventuais impactos socioambientais indesejáveis decorrentes de um crescimento desorganizado. Embora esse risco esteja presente para ambos os setores, eles são mais significativos no caso das florestas plantadas. Isso porque a escala dos empreendimentos é maior e, via de regra, eles se caracterizam por intervenções territoriais de grandes dimensões.

Considerando os levantamentos atuais, há disponibilidade de terras ociosas, principalmente pastagens de baixa produtividade, suficiente para atender à demanda de expansão de florestas plantadas, sem comprometer a produção de alimentos ou o crescimento esperado da produção de culturas como a cana-de-açúcar e a soja.

Essas áreas disponíveis, no entanto, nem sempre estão nos locais considerados ótimos do ponto de vista de logística e de sinergia com outros empreendimentos florestais. Nesse sentido, um dos maiores desafios a ser enfrentado pelo setor é o planejamento territorial de sua expansão, na forma de um zoneamento agroecológico que seja efetivamente negociado com todas as partes interessadas. Esse é um instrumento fundamental para se evitar conflitos.

Além desse, uma agenda moderna para o setor de florestas plantadas deveria incluir pelo menos os seguintes compromissos:
1. avançar consistentemente na certificação de áreas florestais e de cadeias de custódia;
2. investir significativamente na recuperação de áreas degradadas, ampliando oportunidades, sem gerar impactos adicionais;
3. desenvolver metodologias e orientar plantadores para o aproveitamento das oportunidades proporcionadas pelo mercado de carbono;
4. desenhar incentivos à substituição de carvão mineral pelo carvão vegetal de florestas plantadas na siderurgia;
5. elaborar modelos de estímulos creditícios para produtores rurais que optarem por dedicar parte de sua área à produção florestal; e
6. incentivar a produção de tecnologia e prestação de assistência técnica para produção de florestas plantadas.

Outro grande potencial que exigirá forte envolvimento de lideranças do setor é o de ampliação da participação da energia renovável na matriz energética brasileira, através do desenvolvimento de processos mais eficientes para uso de madeira como fonte de energia. Finalmente, é importante o tratamento adequado das questões relacionadas aos ajustes propostos para o Código Florestal, já que a sua flexibilização não deveria contar com apoio do setor.

Isso porque, além do desgaste e do comprometimento da imagem de suas lideranças, as principais demandas das empresas florestais são razoáveis e podem ser contempladas sem que sejam processadas alterações profundas na lei atual, como pretende o substitutivo do deputado Aldo Rebelo.