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Roberto Rodrigues

Coordenador do Centro de Agronegócios da FGV

Op-CP-12

Florestas energéticas: de volta ao futuro

A grande discussão que se processa em todo o mundo sobre o falso dilema “produção de alimentos x produção de biocombustíveis” provoca outra questão: o que está por trás disso? Como é possível que autoridades de vários governos e instituições multilaterais poderosas sejam tão mal informadas? Que interesses comerciais gigantescos financiariam tanta bobagem, que se escreve e se fala diariamente na mídia internacional?

Está claro que a alta dos preços dos alimentos deve-se, fundamentalmente, ao enorme desequilíbrio entre a oferta e a demanda destes produtos. A renda per capita dos países emergentes vem crescendo mais do que a dos países ricos, e suas populações passaram a consumir mais. E a oferta não acompanhou este crescimento, de modo que os estoques caíram e os preços subiram.

Nada mais natural. Adicionalmente, os custos explodiram (fertilizantes e aço), refletindo nos preços finais, e a especulação financeira, que migrou para alimentos, ajudou a inflacioná-los. Evidente que o uso de 20% do milho americano para fazer etanol – com subsídios elevados – também contribuiu para a redução da oferta naquele país, mas o desequilíbrio global foi mais importante.

E, por último, no caso brasileiro, não há a menor concorrência entre a produção de biocombustíveis e alimentos. Em 2008, teremos nossa maior safra de grãos, nossa maior safra de cana e nossa maior safra de carnes e de leite. Aqui, a cana não só não concorre com alimentos, como, ao ocupar áreas de pastagens, promove a produção de leguminosas e oleaginosas, onde antes isto não acontecia. Sem subsídios.

Por outro lado, há um fato que todo mundo esquece: o petróleo só se transformou na maior fonte de energia planetária, em poucas décadas do século XX. Até então, a grande fonte era a biomassa, originária da madeira, seguida pelo carvão mineral. O império do petróleo, portanto, é muito recente.

E, embora não haja nenhum horizonte claro sobre o fim do petróleo, até porque mais jazidas foram descobertas recentemente, o fato é que seu custo vai aumentar, viabilizando combustíveis alternativos, dentre os quais os biocombustíveis. Neste sentido, o etanol de cana é a principal vedete do momento, porque pode ser obtido em todos os países tropicais do mundo. Mas, no futuro próximo, a grande expectativa dá-se quanto à celulose, e, aqui, cabe grande papel às florestas plantadas, que logo serão chamadas de florestas energéticas.

O neologismo “Floresta Energética” define os povoamentos que estão sendo formados, dentro do sistema que objetiva a produção de biomassa, onde interessa maior quantidade de madeira por hectare, em menor espaço de tempo, com maior intensidade de uso da terra, sob o princípio de que a árvore é o mais perfeito dispositivo de armazenamento da energia solar.

O setor de siderurgia a carvão vegetal experimentou, nos últimos 10 anos, um aumento de 50% no consumo deste produto, sendo que deste acréscimo, apenas metade ainda é produzido com base nas florestas plantadas. Mas, a área plantada vem crescendo, em média, 2,5% a.a., nos últimos anos, e o Brasil já tem 5,5 milhões de hectares de florestas plantadas.

Atualmente, cerca de 1/3 da produção nacional de ferro-gusa (32,5 milhões de toneladas em 2006) é obtida utilizando o carvão vegetal como termorredutor, grande parte ainda produzido a partir de resíduos de matas nativas (estimado em 50% em 2007). O setor privado tem investido no plantio de florestas para a produção de carvão vegetal e na preservação de áreas de matas nativas.

Um exemplo disso é o projeto Vale Florestar Amazônia, com orçamento de US$ 200 milhões até 2010, que pretende promover o plantio de 150 mil hectares de eucalipto em áreas degradadas, na região do pólo siderúrgico de Carajás, e ainda recuperar 50 mil hectares de matas nativas. Não se pode fazer comparação imediata e definitiva entre as culturas da cana e do eucalipto para fins energéticos, já que a lenha pode ser utilizada diretamente da plantação para o consumo, enquanto o álcool e o bagaço passam, necessariamente, por processo industrial.

A lenha tem utilização mais restrita e seu raio de transporte é limitado, enquanto o álcool como combustível é mais versátil. No entanto, uma comparação feita recentemente pelo Instituto de Economia Agrícola do Estado de São Paulo, mostrou que o custo de produção de uma unidade energética (Gcol) da madeira é de R$ 7,05 e o da unidade energética da cana é de R$ 13,33, quando se consideram as produtividades de 80 t/ha/ano de cana e 24 t/ha/ano de eucalipto.

Agora é a vez do etanol. O processamento da madeira gera uma grande quantidade de resíduos tanto na indústria, quanto na floresta. Estatísticas apontam que cerca de 20% da massa de uma árvore de pínus, por exemplo, fica no campo após o corte. Já na fase de transformação industrial, apenas 40 a 60% do volume da tora é aproveitado. Essa grande quantidade de resíduos representa um problema para armazenamento, dispersão e dificuldade de manuseio.

Brasil e EUA têm investido muito em pesquisas, na tentativa de produzir, de maneira economicamente viável, etanol da celulose, a partir de uma série de matérias-primas vegetais, como os resíduos florestais, o que será uma revolução no mundo dos combustíveis renováveis. Se agregarmos a esta temática a questão do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo previsto pelo Protocolo de Kyoto, sem dúvida, as florestas energéticas jogarão um papel fundamental na nova civilização que já se desenha, na qual os biocombustíveis terão grande destaque.