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Márcio Santilli

Coordenador de Campanha do Instituto Socioambiental

Op-CP-07

‘Y Ikatu (Água Boa no) Xingu

Neste momento em que a opinião pública mundial recebe as graves notícias sobre a saúde da atmosfera terrestre, pelo recém-divulgado relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês), precisamos de um novo olhar sobre as florestas nativas e reservas de água doce brasileiras, estimadas como as maiores existentes.

O meio ambiente deixou de ser assunto só para os especialistas ou para os movimentos ambientalistas e se tornou questão condicionante para o desenvolvimento econômico e para a própria vida futura no nosso planeta. A situação gerada pelo aquecimento global já afeta diversas regiões e não nos poupará.

Embora as concentrações atuais de CO2 e de outros gases do efeito estufa já sejam suficientes para gerar drásticas conseqüências, mesmo na hipótese impossível de fim imediato de todas as emissões desses gases, temos que reagir, com todas as nossas forças, para impedir conseqüências ainda piores e, ao mesmo tempo, criar as condições para nos adaptarmos, da melhor maneira possível, aos desdobramentos inevitáveis.

Essa situação, no entanto, pode ter a virtude de colocar, lado a lado, segmentos que estiveram, nos últimos anos, em pólos opostos de conflitos sociais. O aquecimento global afetará objetivamente a agricultura e as florestas tropicais. Alterações nos regimes de chuvas deverão inviabilizar a prática agrícola em regiões que hoje constituem grandes pólos produtivos e obrigar o deslocamento de determinadas culturas para áreas menos desfavoráveis. Da mesma forma, os cientistas advertem para o risco de perda de umidade nas florestas tropicais e até de “savanização” de extensa parte da floresta amazônica.

Se tiverem juízo, ruralistas e ambientalistas deverão juntar as suas forças para evitar o pior. A mesma lógica produtiva que antes induzia à formação de extensas áreas contíguas de monoculturas, até mesmo aterrando nascentes e suprimindo as matas ciliares, recomenda, agora, todo esforço possível para preservar as fontes de água e as matas nativas, que garantem a saúde química e biológica dos rios.

Por outro lado, a conservação da biodiversidade e das florestas não será efetiva, se limitada às áreas protegidas, como os parques e reservas, e dependerá, cada vez mais, da contribuição dos corredores florestais, que estão situados, ou precisarão ser recuperados, em áreas privadas. A campanha: Em outubro de 2004, reuniram-se na cidade de Canarana, MT, representantes de índios, ambientalistas, pesquisadores, sojicultores, pecuaristas e gestores públicos, para pactuarem o lançamento da campanha ‘Y Ikatu Xingu (Água Boa no Xingu, na língua Kamayurá), pela proteção e recuperação de nascentes e matas ciliares na Bacia do rio Xingu.

Trata-se de uma iniciativa inédita, que aproxima segmentos que, embora vivendo em áreas vizinhas, jamais haviam conversado, e estiveram envolvidos em conflitos freqüentes. A proteção das Terras Indígenas, a viabilização econômica dos assentamentos de reforma agrária, a redução de custos de recuperação florestal em propriedades privadas e o provimento de serviços de saneamento básico nas cidades da região foram os pontos unanimemente acordados, entre todos os atores presentes.

De lá para cá, foi constituída uma rede que já conta com dezoito projetos-piloto, distribuídos entre vários municípios, que realizam experiências de restauração florestal em assentamentos, fazendas e terras públicas. Esses projetos, executados por diversas instituições locais, foram aprovados em editais competitivos e aportarão na região, nos próximos três anos, mais de R$ 5 milhões, oriundos de fundos ambientais, e possibilitaram parcerias entre organizações influentes nesses municípios, assim como a fixação neles de técnicos especializados.

Ainda é muito cedo para se aferir o grau de sucesso dessas iniciativas e a extensão que será recuperada por eles é diminuta diante do passivo acumulado. Porém, eles estão permitindo enfrentar questões básicas, como a disponibilidade de sementes de espécies nativas.

Os técnicos envolvidos já estão sendo demandados para assessorarem muitas outras iniciativas voluntárias de recuperação florestal. Além disso, estão permitindo experimentar técnicas de mais baixo custo, que alternam e combinam, conforme as condições de degradação de cada área, a regeneração natural, a semeadura direta de sementes e/ou a introdução de mudas produzidas em viveiros.

A existência de uma pauta comum intersetorial também tem possibilitado a abordagem com os poderes públicos de indicativos de soluções, e não por meio de pressões contraditórias que, na nossa tradição, projetam sobre o Estado, imobilizando-o: a esquizofrenia que divide a Nação.

Assim, embora ainda faltem políticas públicas de que carece a região, o Ministério das Cidades - MC, realizou um diagnóstico sobre as demandas de saneamento básico dos municípios da região, e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, fez o mesmo em relação aos assentamentos, e já aportou recursos adicionais para os projetos-piloto em execução nessas áreas.

O Ministério do Meio Ambiente -MMA, disponibilizou os recursos para os mencionados projetos, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, está implantando um projeto específico de apoio às iniciativas da campanha. A Agência Nacional de Águas - ANA, e a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Mato Grosso firmaram termos de cooperação no mesmo sentido. Várias prefeituras municipais participam desses esforços.

A campanha ‘Y Ikatu Xingu ainda não pode ser considerada um modelo de restauração florestal, mas já é uma das referências mais promissoras de concentração de política socioambiental no Brasil. Com o tempo, haverá de ser um exemplo de gestão integrada de bacia hidrográfica e de coexistência entre produção e conservação.