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Sérgio Ahrens

Pesquisador em Planejamento da Produção e Manejo Florestal da Embrapa Florestas

Op-CP-18

Pressupostos axiológicos para a conservação e uso da flora brasileira

Quer tenha sido como colônia, primeiro e segundo impérios, ou república, o poder público sempre regulou, no Brasil, por diversos meios e com variável intensidade, o livre acesso ao patrimônio florestal e o uso de seus componentes. Veja-se, por exemplo, que uma Carta Régia de 1542 instituiu normas para o corte do pau-brasil; com o Regimento de 1605, a Coroa portuguesa estabeleceu cotas anuais de corte e o seu monopólio sobre a exploração daquela espécie.

No início do século XX, após as tentativas estaduais, frustradas, de legislar sobre florestas, editou-se o Código Florestal de 1934, mais tarde revogado pelo de 1965, ainda vigente, apesar das substanciais alterações que lhe foram introduzidas. No período 1966-1985, uma política de incentivos fiscais viabilizou o estabelecimento de um valioso patrimônio composto por florestas plantadas.

Do exposto, depreende-se que as políticas públicas sobre essa matéria sempre constituíram verdadeiras políticas de Estado e não apenas de Governo.
Transcorridos 500 anos de ocupação do território nacional, as florestas brasileiras incorporam outros valores que não somente a sua utilidade como fonte de matérias-primas.

Assim, a ciência contemporânea tem comprovado que as florestas e outras formas de vegetação realizam funções ambientais relevantes, senão essenciais, como, por exemplo, a regulação do clima, a conservação dos recursos hídricos, da diversidade biológica e de seus processos ecológicos, da paisagem natural e da saúde humana e a sustentabilidade ambiental de atividades agrárias produtivas que fazem uso intensivo de recursos naturais como o solo e a água.

Eventualmente, a ciência poderá identificar outros atributos ambientais da vegetação e que também sejam relevantes para todos os habitantes do país.
Quanto às leis, registre-se que, no universo, e assim também neste planeta, sempre existiram leis naturais, especialmente da física, que antecedem as leis dos homens. A lei da gravitação universal permite, por exemplo, que as chuvas “caiam” sobre a terra e que a água dos rios “corra” para os oceanos.

A mesma lei da gravidade possibilita a atração dos corpos celestes. As leis dos movimentos planetários explicam a forma elíptica da órbita dos planetas. Da rotação da terra em torno do seu próprio eixo, origina-se o magnetismo que, por sua vez, também afeta o clima.
Tais fenômenos são a causa para a existência do dia e da noite, assim como das quatro estações do ano e de suas respectivas características climáticas, em diferentes partes do planeta.

Existem também leis da biologia, especialmente da genética, que regem os padrões de reprodução vegetal e animal e determinam, por exemplo, a polinização e a dispersão de sementes e seus efeitos sobre a biodiversidade. A esse respeito, registre-se o valor essencial da polinização realizada pelos insetos para a fruticultura, sem o que essa atividade econômica simplesmente não existiria.

A regularidade climática, por sua vez, e sua influência nas fases fenológicas dos vegetais, são determinantes para o sucesso das safras na agricultura. O que muitas vezes se ignora é que, direta ou indiretamente, a existência de florestas e de outras formas de vegetação tem influência positiva sobre a viabilidade de quaisquer atividades agrárias produtivas.

De outro lado, a sustentabilidade florestal, expressão que integra a missão institucional da Embrapa Florestas, obviamente pressupõe a existência de florestas e, por esse motivo, implica a sua conservação e o desenvolvimento de tecnologias que possibilitem o seu uso racional. Sustentabilidade não é “um porto de destino”, mas “um caminho a percorrer”: algo, talvez utópico, como pretender chegar ao horizonte, como se fora o paraíso a seduzir o imaginário da humanidade.

Todavia, para que a sustentabilidade de atividades agrárias possa ser efetivamente promovida, existe uma óbvia prevalência da dimensão ambiental, em relação aos pólos econômico e social, simplesmente pelo fato de que, sem meio ambiente, não há vida, assim como qualquer espécie de atividade econômica.

Esse axioma, inerente ao próprio conceito de desenvolvimento sustentável, constitui uma premissa definitiva e irrefutável. Ademais, o poder público dispõe de diversos outros instrumentos para atuar nas dimensões econômica e social, enquanto que interferências no meio ambiente, como sabemos, têm limites impostos pela própria natureza.

Para alcançar os seus propósitos, o aprimoramento do quadro normativo vigente sobre a matéria ambiental deve ponderar, também, temas contemporâneos de elevada densidade e relevância como, por exemplo, as mudanças climáticas, os processos de desertificação, a escassez de água e a proteção e o uso da biodiversidade. Nesse sentido, há que se promover o manejo florestal sustentável, o pagamento por serviços ambientais e a necessária expansão da área com florestas plantadas: a implementação de tais providências beneficiará toda a sociedade brasileira, inclusive as futuras gerações.